João Amado é comandante distrital de Santarém da PSP há quatro anos. Neste tempo, garante nesta entrevista ao Correio do Ribatejo, a aposta do comando tem sido na visibilidade da polícia, apoiada por uma crescente política de proximidade com os cidadãos. Na sua análise, o distrito é um território “globalmente seguro”, embora esteja vulnerável, pela sua localização geográfica, a fenómenos criminais que actuam, de forma itinerante, pelo País. Ao nosso jornal, João Amado afirma que o comportamento da população da região face às restrições dos vários Estados de Emergência tem sido “globalmente positiva” e apela à responsabilidade individual como forma de ajudar a resolver a pandemia.

Tomou posse a 3 de Janeiro de 2017 como comandante distrital de Santarém da PSP. Quatro anos volvidos, que balanço faz?
Qualquer que seja o balanço feito pelo próprio é sempre difícil: nós procuramos sempre fazer o melhor e temos noção que há coisas que podiam ser melhores, ou que podemos fazer mais. No fundo, o trabalho nunca está completo.
Contudo, faço um balanço globalmente positivo destes quatro anos, com maiores ou menores dificuldades que temos tido, naturalmente. Mas faço, paralelamente, um balanço positivo da evolução da própria criminalidade e dos resultados obtidos. Parece-me que, efectivamente, não fizemos tudo porque ninguém o consegue. Há muito para fazer, mas temos um resultado francamente positivo.

Na altura, no seu discurso de tomada de posse, elencou como prioridades “a aposta na visibilidade da polícia, uma crescente política de proximidade com os cidadãos, a par de uma reacção rápida e firme relativamente à prática de crimes violentos”. Esses objectivos estão cumpridos?
Reconheço que, ao longo destes anos, houve um grande esforço por parte do nosso comando e dos nossos operacionais em corresponder a estes objectivos. Houve coisas que melhoraram muito relativamente à reacção e gestão dos nossos recursos. Tornarmo-nos mais ‘operacionais’, mais capazes de responder. Isto mesmo aconteceu na procura de uma maior interacção com os cidadãos. E em várias áreas, nomeadamente ao nível da violência doméstica, da criminalidade contra o património, entre outras. Tem havido um grande esforço por parte da instituição, e também do próprio comando, nesse sentido. Repito: não está tudo feito, há muito para fazer ainda. Por vezes, pode ficar a sensação que não estamos a corresponder, mas a realidade é que estamos a trabalhar afincadamente. Por vezes, isso não é tão visível como as pessoas esperariam. Há coisas que, reconheço, têm que mudar, e vão mudando, a seu ritmo.

Na sua óptica, Santarém é um território seguro? É isso que referem os números?
O distrito de Santarém tem uma localização geográfica particular. Está precisamente no centro do País, servido por boas vias de comunicação, e está um pouco vulnerável a um determinado tipo de criminalidade que circula um pouco por todo o território continental. O distrito é, globalmente, seguro, mas tem problemas esporádicos de alguns fenómenos criminais. Comparando com os outros distritos e zonas do País, tem muita segurança e os cidadãos reconhecem isso. Tem, contudo, como dizia, alguns fenómenos localizados no tempo e no espaço: aparecem, por vezes, determinadas tipologias criminais com maior incidência numa determinada cidade. Mas nada de preocupante. Os números têm-nos vindo a dar razão nesse aspecto, na perspectiva que os dados apontam que a criminalidade geral, criminalidade violenta e grave têm vindo a descer paulatinamente. Daí que, efectivamente, me leva a concluir que é um território seguro, sem os problemas que existem noutros locais do País.

Os meios humanos e materiais são os adequados à actividade da PSP de Santarém, ou existem lacunas?
Ninguém tem os meios todos que gostava de ter e, neste particular, Santarém não é excepção. Os meios são os que dispomos e fazemos uma gestão integrada de forma a tentarmos aproveitar ao máximo tudo aquilo que temos. Em alguns contextos, podemos considerar que podíamos ter mais alguma coisa, noutros satisfazem-nos plenamente. Temos uma realidade que não pode ser ignorada e que, para nós, constitui motivo de preocupação – entenda-se aumento do grau de exigência – que tem a ver com a gestão dos nossos recursos numa área geograficamente muito dispersa. Estamos presentes em sete cidades, e isso obriga a um melhor planeamento para podermos estar presentes em todas elas, com o mesmo nível de resposta. É fácil perceber que uma coisa é estarmos em duas cidades com 100 polícias e outra coisa é estarmos em cinco cidades, com o mesmo rácio. Isso implica, naturalmente, que tenhamos que ter uma maior preocupação, rigor e planeamento para conseguirmos responder a todas as situações com a prontidão que nos é reconhecida.

Quais são as áreas mais complexas que a PSP tem que gerir e qual o tipo de criminalidade que mais preocupa?
Como já referi, o Distrito tem problemas esporádicos de alguns fenómenos criminais. Num determinado momento, existem algumas metodologias que se evidenciam. Uma coisa que nos preocupou um pouco, até porque as pessoas não estavam preparadas, foi a questão dos crimes informáticos, as chamadas burlas informáticas. Sobretudo por causa do MBWAY. Fomentou-se muito, nos últimos tempos, o recurso aos meios tecnológicos para efectivamente se fazerem as transacções, uma vez que as pessoas não podiam sair de casa. E algumas pessoas não estavam preparadas para isso. Esta circunstância abriu um pouco o espaço para que alguns cidadãos desenvolvessem estas práticas ilícitas. Também nos preocupa o facto de as pessoas pensarem que estão num território cem por cento seguro – e isso, a nível global, não existe – e descurarem um pouco aquilo que é a segurança dos seus próprios bens. Posteriormente, são surpreendidas com alguns furtos, por vezes pequenos, que poderiam ser evitados se as pessoas também tivessem uma cultura securitária relativamente aquilo que são os seus bens. Não se trata de culpabilizar ninguém, mas sim de deixar um alerta: as pessoas, de alguma, forma, baixaram um pouco a guarda e isso permitiu que, como diz a sabedoria popular, “a ocasião fizesse o ladrão”.
Preocupa-nos um pouco, também, embora 2020 tenha sido um ano com tendência decrescente, (refiro-me a números provisórios), a questão da violência doméstica. Prolifera um pouco no distrito este tipo de crime, e procuramos estar mais atentos a essas situações e dar o apoio todo que é possível às vítimas. Contudo, no ano passado, houve uma tendência descendente, que nos permite, também, estar um pouco satisfeitos nessa perspectiva, mas é sempre um crime que nos preocupa.
Outra das áreas refere-se à chamada criminalidade itinerante, que são fenómenos nacionais que, pela nossa localização, propiciam que ocorram cá. Como comando único, torna-se mais difícil e complica um pouco a investigação e identificação dos suspeitos, porque eles circulam a nível nacional e deslocam-se por todo o País. Sendo certo que, depois, existe uma ligação com as nossas estruturas de investigação criminal, e têm existido alguns processos nos quais têm sido públicos os resultados. Relativamente a alguma criminalidade, nomeadamente contra o património, tem sido objecto de tratamento nacional, na qual se vêm a desmantelar grupos que intervinham em Santarém, no Porto, em Lisboa, entre outros locais.
Em termos de gestão interna, o que nos merece mais atenção é a questão da exigência do planeamento por forma a termos uma presença em todas as cidades de uma forma homogénea, que satisfaça as necessidades do cidadão.

Como tem sido o comportamento da população face às restrições dos vários Estados de Emergência?
Fazendo um apanhado global, desde o início da pandemia até agora, eu acho que, globalmente, o comportamento da população tem sido positivo.
Isto significa que a generalidade da população cumpriu e cumpre as medidas impostas. Isso também significa que houve pessoas que, efectivamente, foram mais resistentes a esse cumprimento. Temos vindo a detectar alguns comportamentos violadores das normas instituídas e a actuar em conformidade. Nomeadamente ao nível do consumo de bebidas alcoólicas na via pública, uso da máscara, ou um ou outro estabelecimento que não respeitou os horários impostos. Comportamentos esses que foram excepção. Mas tão importante como cumprir as normas que foram definidas para protecção das pessoas, mais importante que as polícias fiscalizarem a verificação desse cumprimento é que as pessoas, efectivamente, se convençam que cumprir significa segurança para elas e para toda a comunidade.
Só o comportamento responsável de cada um pode ajudar a resolver a pandemia, ou a mitigar os resultados dela: cada cidadão tem que se convencer que tem de cumprir estas medidas, que são basilares para que se possa resolver, ou ultrapassar este período difícil para todos. Não será exclusivamente com o trabalho das polícias, com a penalização, que, efectivamente, iremos resolver esta situação. Há um trabalho grande a fazer e começa em cada uma das pessoas e em cada um de nós.

Como é que a PSP tem conseguido desdobrar-se em esforços para cumprir as missões prioritárias de combate à pandemia?
É uma questão de definição de prioridades. O nosso dia-a-dia, em termos de planeamento operacional, de segurança às populações, foi integralmente mantido e fomos um pouco mais exigentes nas missões que atribuímos aos nossos elementos, e que vão para além da estrita segurança à população e das vigilâncias que íamos fazendo. Ficamos também responsáveis por fiscalizar o cumprimento de normas, seja ao nível de funcionamento de estabelecimentos, verificar o que os cidadãos estão a fazer nos momentos de confinamento e interdição de circulação. Tentamos, pois, redireccionar um pouco o nosso dispositivo até porque também em alguns momentos de restrições também houve situações que, noutras circunstâncias, também aconteceriam.
Temos que admitir, por outro lado, que o facto de haver menos pessoas nas ruas e momentos de restrições à circulação concorreu para que os resultados operacionais das polícias também fossem satisfatórios e que as pessoas pudessem sentir-se um pouco mais seguras. Não havia tanta gente e, consequentemente, não ocorreram tantos problemas. Mas, friso, a nossa solução não é magica: acabou por assentar, essencialmente, na questão do planeamento e na redefinição de prioridades.

O facto de os centros históricos das cidades terem cada vez menos habitantes propicia crimes contra a propriedade?
Esse factor tem dado o seu contributo para que crimes deste género possam ocorrer. As zonas ficam mais desprovidas de pessoas o que, naturalmente, pode proporcionar mais oportunidades para que esses crimes ocorram. Temos, naturalmente, a preocupação de ocorrer sempre que temos conhecimento dessas situações. É comum dizer-se que existe um elevado número de ocorrências, mas, muitas vezes, as estatísticas não reflectem isso. Isto porque muitas dessas situações não nos são comunicadas.
É importante que as pessoas acreditem na justiça, nas forças de segurança e nos relatem essas situações todas. O objectivo é dar-nos ferramentas e conhecimento objectivo para que possamos, de alguma forma, fazer face a eles.
Ressalvo que não são só os Centros Históricos: qualquer zona que fica algo vulnerável, em termos de circulação de pessoas, propicia sempre este tipo de situações, ou, pelo menos, potencia que esse tipo de situações possa ocorrer.
Esse é um factor que pode contribuir, de facto, para que esses locais fiquem mais ‘apetecíveis’ e vulneráveis a crimes contra a propriedade.
Muitas vezes, este fenómeno combate-se com algumas medidas de segurança, que não passam exclusivamente pela acção das polícias. Também os próprios comerciantes, os proprietários, devem tomar algumas medidas preventivas, nomeadamente com instalação de gradeamentos ou sistemas de alarme. É um investimento que nos ajuda a todos, até porque, em muitas situações o valor do furto propriamente dito é diminuto, mas são causados danos avultados nos estabelecimentos. Os meliantes chegaram com intenção de levar alguma coisa, mas não encontraram nada e o dano fica. Nas viaturas acontece algo semelhante: são alvo de furto quando deixamos coisas de valor à mostra.

Na sua perspectiva, os meios de videovigilância podem ter uma boa eficácia neste tipo de situações?
Os meios de videovigilância – tem mostrado a experiência recente noutras cidades – são um bom meio de prevenção, porque nos permite detectar, não só a questão da criminalidade contra património, mas também, em termos processuais, fazer a identificação dos suspeitos. Tem-se mostrado um meio dissuasor bastante importante para o trabalho das polícias. Não resolve tudo, mas permite que, se houver algum crime, no qual se possa identificar os autores, isso seja feito de forma mais célere e eficaz.
Por outro lado, sabendo que existem as câmaras, o que é um facto público, a pessoa fica a saber que, se praticar algum acto criminoso, poderá vir a ser identificado e responsabilizado por ele. Permite, por outro lado, a quem está a operar a câmara, não só reagir, mas também a prevenir.

Como está o processo de instalação desses meios na cidade de Santarém?
Tratam-se de processos que têm alguma morosidade, uma vez que são vários os requisitos e condições que precisamos de reunir para que efectivamente se possa licenciar o processo.
A Lei existe, diz quais são os requisitos e várias entidades trabalham neles até chegar à Comissão de Protecção de Dados (CPD), que tem de dar o parecer final. Neste momento, estamos a desenvolver o processo com a Câmara Municipal de Santarém relativamente à zona histórica. O processo já foi enviado para a direcção nacional. Chegado à tutela, esta pediu a reformulação de um ou outro aspecto que não estaria em condições para ser submetido à CPD. E, não havendo obstáculos nessa altura, o protocolo será executado por nós [PSP] e pela autarquia.
O objectivo é proteger, não só os monumentos e valores históricos, mas também as pessoas e as suas casas e, naturalmente, o comércio.

É na sua opinião uma ferramenta essencial?
É ferramenta muito útil.

Na sua leitura, os episódios de desentendimentos na distribuição das vacinas entre PSP e GNR em alguns pontos do País, que foram tornados públicos, beliscam a imagem das instituições? Em Santarém, qual é a relação entre estas duas forças policiais?
A relação [da PSP e GNR] em Santarém é de muita cordialidade e muito respeito entre as duas instituições. Falamos habitualmente, apoiamo-nos muito a nível distrital, nas várias cidades onde marcamos presença. Quando é possível e necessário, respeitando cada força a área da intervenção da outra, vamo-nos apoiando mutuamente.
Relativamente ao que se passou em Évora, foi tornado público que o Sr. Ministro [da Administração Interna] mandou abrir um inquérito para apurar o que efectivamente se passou. Aqui, em Santarém, não aconteceu nenhum tipo de descoordenação. Estou aqui há quatro anos e já conheci três comandantes territoriais da GNR com os quais sempre mantive boas relações institucionais, o que é recíproco.

Que imagem tem a PSP junto da população da região?
Penso que é, globalmente positiva. Procuramos responder àquilo que são as solicitações da população, ir ao encontro das suas espectativas. É uma força globalmente respeitada e que trabalha em proximidade. Reconhecemos que nem sempre conseguimos satisfazer o cidadão em pleno. Muitas vezes, também aquilo que o cidadão espera de nós não será aquilo que eventualmente podemos dar.
As pessoas confiam na polícia, mas, por vezes, esperam coisas que estão para além daquilo que está ao seu alcance. Preocupamo-nos, seguramente, em transmitir uma boa imagem: não só imagem propriamente dita, mas uma questão de serviço, em que as pessoas se sintam satisfeitas com a nossa actuação e presença. Queremos que olhem para nós e digam que a nossa actuação vai ao encontro das suas necessidades, está presente quando é precisa, responde, e que ajuda a resolver problemas.
É essa a minha grande preocupação: fazermos o nosso trabalho. A imagem que as pessoas podem ter ou não de nós, também depende das suas perspectivas individuais. Há quem possa estar descontente com o nosso trabalho porque, efectivamente, não correspondemos como achavam que deveríamos responder. Há outros que dizem que estão descontentes porque, se calhar, estavam à espera que a nossa correspondência fosse diferente, mas não poderíamos ir além do que fomos. E há outros que dizem que sempre que foi necessário, a polícia correspondeu.
Não posso dizer que fizemos ou fazemos tudo cem por cento bem: temos sempre coisas a melhorar. Mas acredito que temos trabalhado bem e os nossos policias têm dado o seu melhor. A população, em função da experiência que teve, pode ter estas três imagens da polícia.
Mas essa será uma pergunta para fazer à população: o que me preocupa é que algumas pessoas acham que nós não correspondemos quando, na realidade, cumprimos integralmente com o nosso dever.

Quem é João Amado quando tira a farda de polícia?
Sou um cidadão comum. Quando tiro a farda, gosto de fazer desporto. Considero-me uma pessoa divertida, dedicada à família. Levo, essencialmente, uma vida recatada. Gosto de estar informado, consumo telejornais e programas desportivos e de viajar.

Ao longo da carreira, qual foi o cargo mais desafiante?
Todos são desafiantes. Ao longo da minha carreira, já desempenhei vários cargos e todas as funções foram um desafio: quando aceitei cada um dos cargos fi-lo sempre com o espírito de poder contribuir com alguma coisa e, por isso, é-me muito difícil dizer qual foi o mais desafiante. Em todas as funções entreguei-me ao máximo. Em algumas, consegui melhores resultados que noutras, mas procurei dar sempre aquilo que de melhor tinha de mim. As funções de comando são sempre mais desafiantes porque nos obrigam a interagir com pessoas. Estar atento àquilo que são as suas necessidades e ambições e conciliar todo esse universo com as exigências do serviço, com aquilo que temos que fazer, é uma actividade não só aliciante como também muito desgastante. As funções de comando foram, certamente, as que mais me marcaram e as que mais gostei e gosto de desempenhar.

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