1| É recorrente ouvirmos falar do estado a que chegou a antiga Escola Prática de Cavalaria que não obstante ter pontuais ocupações, como existência de um tribunal, ocupação desportiva e associativista e de ser utilizada pela Assembleia Municipal, procura a dignidade de outrora. É também recorrente falar-se da criação, neste espaço, o “útero da Revolução de Abril”, de um museu, que, e em paralelo, recorde esse feito, a liberdade e a democracia.

É, também recorrente – aliás numa atitude deveras nossa – que ouvimos falar de comissões que tem como finalidade esse destino para a Escola Prática. A uma segue uma outra, e nada. Com a agravante da actual ser composta por 40 almas individualidades.

A que se deve multidão de seres pensantes? Será com o objectivo, já que a temática tem um prisma político-ideológico, de agradar a gregos e a troianos?

É uma hipótese, se tivermos em conta a própria história revolucionária ocorrida em Portugal, e as imposições decretadas pelo pacto MFA-Partidos.

O que sabemos é que a democracia e a liberdade possibilitada pela Revolução de Abril foi um parto difícil, e ainda existem forças, que pela sua natureza ideológica, não se revêem no desenvolvimento do processo democrático. Por exemplo, a adesão, em 1986, à Comunidade Económica Europeia, que virá a substancializar a democracia em Portugal, sempre teve, e em nome de uma suposta ameaça à Independência Nacional, oposição das forças mais extremistas, tanto à esquerda como à direita. Acontece – e mesmo que a fórmula possa ser contestável – que como a “democracia não é um problema de cabeça, mas de tripas”, a integração europeia possibilitou ao país um desenvolvimento sem precedentes ajudando à consolidação de regime democrático.

Voltemos, pois, à questão do museu. O que se pretende com este espaço? É fazer um memorial do 25 de Abril, que teve em Fernando Salgueiro Maia (1944-1992) o seu “timoneiro”, e que, “acidentalmente”, ficou na história como um herói ou, tendo em conta as suas consequências, pretende evocar a liberdade e a democracia, o que é necessariamente uma mais-valia, quando “estas” são, no Ocidente, e com a emergência dos mais diversos tipos de populismos e as ameaças terroristas, fortemente ameaçadas?

Se a ideia for esta, e já que a museologias tem claramente uma componente pedagógica, então é algo que terá o meu indefectível apoio. Se a intenção é diversa, então o que é preciso para Santarém – e a cidade precisa mesmo – é da criação de um verdadeiro Museu da Cidade, que recorde o seu passado. Desde o mais longínquo até á actualidade, e no qual este momento histórico teria o seu merecido destaque.

Santarém deverá ser a única capital de distrito que não tem o seu espaço de memória que a museologia procura salvaguardar. Por outro lado, e como a defesa dos valores – mesmo que abstractos – que a liberdade e a democracia representam, a existência de um museu sobre a liberdade e a democracia é um desafio estimulante, mas para o qual há tecnologia – realidade virtual, realidade aumentada, etc., que o tornariam uma referencia, local, regional e nacional. Até porque, e com muita ironia à mistura, ainda há quem veja os museus como espaços condenados ao passado, como o “lugar do morto”!

2| Bem sei, e por experiência própria, que a museologia não se pode reduzir a uma anedota. Também me parece evidente que edificação de um museu que tem como objecto a liberdade e a democracia carece de um grande esforço intelectual e, principalmente, imaginação. Porque, e bem vistas as coisas são só palavras. Nada mais do que palavras: por um lado, a democracia está bem longe de ser “o governo do povo e pelo povo” e a ideia de liberdade, herdada do idealismo de Jean Jacques Rosseau, é uma falácia. Já que esta “liberdade natural” defendida, no mito do “bom selvagem”, perde-se enquanto inserida no tecido social de que fazemos parte. Já que a liberdade de cada um acaba quando inicia a liberdade dos demais.

A liberdade só é possível – mesmo possa parecer um contra-senso – se existir autoridade, se existir um Estado de Direito! Por outro lado, ambas palavras estão interligadas: sem liberdade não há democracia. Ou seja: “o respeito pela pessoa mais do que a soberania popular é ressentido imediatamente como origem última da legitimidade democrática. Esta assenta no prestígio inalienável conferido a cada individuo e de nenhum modo no do número”, como argumentava, em 1965, o personalista Jean Lacroix [1900-1986].

A liberdade tem, na sua essência, uma importante componente metafísica, que “ilumina” a democracia. Alain (1868 – 1951) escreveu mesmo que “uma democracia sem espírito não pode durar muito tempo”, e Edvard Beneš (1884 – 1948), antigo presidente Checoslovaco, argumentava que “ser democrata é acreditar que todos os homens tem alma”!

Porém, e a história é nossa testemunha, acontece que em nome destes ideais, inegavelmente justos e belos, foram cometidas grandes atrocidades. Recordo, por exemplo, com o terror revolucionário imposto por Robespierre, quem em nome dos ideais da liberdade, igualdade e fraternidade defendidos na Revolução Francesa, mergulhou França num “banho de sangue”, permitindo mais tarde o imperialismo napoleónico.

3| A comissão para a instalação do museu na EPC, a par do município – e em rigor também não se conhecem verdadeiramente as intenções da edilidade – tem que saber o que verdadeiramente interessa, nem que seja para a salvaguarda de um edifico marcante na nossa história militar.

Já expus aqui o que a meu ver deveria ser este hipotético – porque é disso que se trata – Museu da Liberdade e da Democracia. De igual modo defendi a importância da criação de um Museu da Cidade, e inclusive de uma simbiose entre ambos.

Seja qual for a decisão, qualquer uma é bem melhor do que estarmos condenados a marcar o passo!

António Canavarro

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