O Tribunal da Concorrência, criado há 10 anos, na sequência do compromisso assumido pelo Estado português com a ‘troika’, está actualmente subdimensionado, pondo em risco a sua capacidade de resposta, consideram as juízas titulares do TCRS.

Em entrevista à Lusa, as três juízas titulares do Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão (TCRS) são unânimes na avaliação positiva da criação de uma resposta especializada para temas complexos, mas advertem para as implicações de constrangimentos que se têm vindo a agudizar, como a difícil gestão das salas de audiência disponíveis, a falta de assessorias especializadas e a limitação dos recursos humanos – tanto de magistrados como de funcionários judiciais.

“As expectativas para os próximos anos não são positivas, considerando-se que o Tribunal padece de problemas estruturais que irão agudizar-se, com reflexos inevitáveis na pendência dos processos”, o que deve merecer reflexão “por quem de direito”, declarou Vanda Miguel, titular do Juízo 3 (J3) do TCRS.

Também Marta Borges Campos, titular do J2 e, das três, a que há mais tempo permanece no TCRS, considera que as perspectivas para os próximos anos “não são positivas, se o subdimensionamento revelado pelo Tribunal, a nível de equipamentos e recursos humanos, não for solucionado da forma mais adequada, pois estará a funcionar em condições anómalas e desvantajosas e assente, sobretudo, no esforço individual dos magistrados e funcionários”.

“O esforço individual tem limites, sobretudo se funcionar em condições desvantajosas. Por isso, esse subdimensionamento pode comprometer a capacidade de resposta do Tribunal. O que para mim é motivo de grande tristeza”, sublinhou.

Mariana Gomes Machado, titular do J1, afirmou que, quando foi instalado, em 2012, o TCRS “tinha todas as condições”, pois estava praticamente sozinho no que foi designado como o Palácio da Justiça II, num edifício da antiga Escola Prática de Cavalaria (ex-EPC) que foi adaptado para o efeito.

A partir de 2014, com a “tomada do espaço” pelas jurisdições do Comércio, Trabalho, Cível, Execuções e Família e Menores, da Comarca de Santarém, esse passou a ser um constrangimento, tanto maior quanto o número de processos entrados tem vindo a aumentar, fruto do crescimento da actividade das entidades reguladoras, disse.

Como exemplo, apontou que, aos processos que estão atualmente pendentes, até ao final do ano são esperados mais 22 processos de nível 3 (com coimas acima dos 500.000 euros), só das entidades reguladoras que originam mais solicitações ao TCRS, ou seja, uma média de mais sete por cada juízo.

No caso do J1, além da sentença do que ficou conhecido como “cartel da banca”, que deverá proferir no final do mês, está agendado o início, para 04 de Maio, do terceiro processo do Montepio, com prescrição em Agosto próximo, tendo Mariana Machado sido “contemplada”, no final de Março, com o recurso à coima de 2,8 milhões de euros aplicada pela CMVM ao ex-presidente do BES Ricardo Salgado e quatro antigos administradores, com infracções que prescrevem em 26 de Novembro deste ano.

“Temos pouco tempo de sala para o ritmo que é preciso imprimir a estes processos para uma resposta adequada”, disse, salientando que, com a distribuição do processo BES/CMVM, é preciso que seja “tomada uma decisão de gestão”, nomeadamente através de um reforço de quadros, sob o risco de algum deles prescrever.

Para Vanda Miguel, o facto de não haver uma sala de audiência em exclusivo para cada um dos juízos do TCRS “implica constrangimentos na realização das audiências de julgamento nos processos de especial complexidade em simultâneo”, sendo que apenas uma das salas permite a presença de mais do que quatro advogados.

Cada juíza passou, em Março, a dispor de sala dois dias e meio por semana (antes eram dois), a que acresce a possibilidade de um terceiro dia (à sexta-feira).

“Esta insuficiência de salas de audiência implica que seja bastante difícil compatibilizar a necessidade de realização de julgamentos de forma o mais célere possível, com a agenda do tribunal e com a agenda dos senhores advogados, que legalmente têm de ser consideradas”, afirmou.

Vanda Miguel realçou que, desde que exerce funções no TCRS (setembro de 2019), em todos os julgamentos de elevada complexidade teve de recorrer a espaços exteriores, como o Instituto Politécnico de Santarém, o salão nobre do ex-Governo Civil ou o Tribunal do Cartaxo.

“Considero que este tipo de soluções, por ter passado a ser um recurso não esporádico, mas antes sistemático, afeta de forma negativa a imagem do Tribunal, não sendo facilmente compreensível pelos utilizadores da Justiça o facto de o Tribunal ter de sair constantemente da sua ‘própria casa’”, frisou.

As juízas referiram as limitações que este tipo de solução coloca, desde a questão do transporte e guarda fora do tribunal de muitos volumes, anexos e apensos, da necessidade de assegurar as questões informáticas (como o acesso ao Citius e a realização de videoconferências), à ausência de salas para os magistrados e para os advogados, à deslocação dos funcionários.

No Palácio da Justiça II, além da limitação das salas de audiência, não existem gabinetes para todos os magistrados (o J2 e o J3 partilham o mesmo gabinete, tal como acontece com o juiz auxiliar neste momento ali a exercer funções, que partilha o gabinete com o juiz da Central Cível).

“Esta situação de subdimensionamento não parece ser transitória, atento o aumento da actividade sancionatória das autoridades administrativas de regulação e supervisão, com especial enfoco para a Autoridade da Concorrência, pelo que requer soluções que não sejam meramente transitórias, como as que têm vindo a ser adotadas”, acrescentou.

Para a juíza, impõe-se “assumir frontalmente a necessidade de criação de um local próprio para sediar o TCRS, que permita a existência de, pelo menos, uma sala de audiências por Juiz”.

A informação de que não foi feita qualquer dotação no Orçamento do Estado nem incluída no Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) a concretização da anunciada “grande sala de audiências”, no designado futuro Palácio da Justiça III, também na antiga EPC, orçada, segundo o Ministério da Justiça, em 790 mil euros mais IVA, leva as juízas do TCRS a acreditar que “tal não irá suceder”.

Também Marta Campos lamentou a necessidade “reiterada de recorrer a espaços fora do Tribunal”, sobretudo a partir de finais de 2020, fruto da “entrada constante de recursos de contraordenações de especial complexidade, com vários intervenientes processuais e muitas sessões de julgamento”.

“Tudo indicia que essa necessidade se vá manter. O que torna o recurso a espaços fora do Tribunal não algo de pontual, episódico ou esporádico, mas uma constante. A alternativa seria dilatar muito o tempo de duração dos julgamentos, o que em processos muito próximos do fim do prazo de prescrição pode ter um impacto decisivo”, afirmou.

Para a juíza, ao não seguir “a lógica e o modelo regra implementado nos tribunais”, no sentido de as salas de julgamento, secção de processos e gabinetes dos magistrados estarem todos no mesmo edifício, o TCRS, “ao realizar julgamentos constantemente fora do edifício do Tribunal, estará a funcionar de uma forma anómala, com todas as desvantagens que isso implica”.

Questionado pela Lusa, o Ministério da Justiça (MJ) declarou que o edifício onde funciona o TCRS “detém condições adequadas”, dispondo de sete salas de audiências, tendo sido concluído, em março, o projeto elaborado pela Câmara Municipal de Santarém para a instalação de uma “sala de audiências de grandes dimensões”, que servirá a Comarca.

Contudo, não aponta qualquer data para a concretização do projeto.

“As salas de audiências existentes naquele edifício são partilhadas por todos estes tribunais, sendo a gestão da sua ocupação efetuada pelos órgãos de gestão da Comarca”, afirma o MJ.

“Sempre que necessário”, a gestão da Comarca tem “disponibilizado outros espaços para a realização de diligências judiciais”, dando o MJ os exemplos do Palácio da Justiça do Cartaxo e da sala de “grandes dimensões” no Centro Nacional de Exposições (utilizada em 2021 no julgamento do processo de Tancos e atualmente num outro julgamento), contratada igualmente pelo Instituto de Gestão Financeira e de Equipamentos da Justiça.

Maria de Lurdes Lopes, da agência Lusa

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