O furto de material de guerra dos paióis de Tancos levou em 2018, um ano e quatro meses depois, à demissão do ministro da Defesa e do chefe do Exército, provocando a maior remodelação governamental da legislatura.

O “mistério de Tancos” sofreu uma reviravolta quando, em Outubro passado, a Polícia Judiciária desencadeou uma investigação à operação da Polícia Judiciária Militar (PJM) que levou à recuperação do material militar.

As investigações ao furto e à recuperação do material, que inicialmente eram processos diferentes, foram recentemente apensas, havendo dez arguidos e estando ainda em curso “várias diligências”, entre as quais o recurso à “cooperação judiciária internacional”, segundo a Procuradoria-Geral da República.

No parlamento, foi aprovada uma comissão de inquérito, que iniciou os trabalhos a 14 de novembro e tem como objeto “identificar e avaliar os factos, os atos e as omissões” do Governo “relacionados direta ou indiretamente com o furto de armas em Tancos”, de junho de 2017, data do furto, ao presente, e “apurar as responsabilidades políticas daí decorrentes”.

O caso de Tancos centrará as atenções no parlamento no próximo ano, com 63 personalidades a ouvir até maio de 2019, incluindo arguidos no processo judicial, investigadores da PJM, comandantes operacionais e chefes militares, responsáveis das secretas, o primeiro-ministro, António Costa, e os ex-ministros da Defesa Aguiar-Branco e Azeredo Lopes.

A demissão de Azeredo Lopes da pasta da Defesa, mais de um ano depois do furto, foi explicada com a necessidade de evitar que as “Forças Armadas fossem desgastadas pelo ataque político ao ministro que as tutela”.

Nos dias anteriores e na sequência dos desenvolvimentos da operação Húbris, tinham-se avolumado as suspeitas sobre se o ministro da Defesa teria tido conhecimento de uma operação da PJM que levou à recuperação do material furtado, dois meses depois, e que, segundo notícias publicadas na altura, teriam implicado o encobrimento de suspeitos.

Na carta dirigida ao primeiro-ministro, Azeredo Lopes negou ter tido conhecimento “direto ou indireto, sobre uma operação em que o encobrimento se terá destinado a proteger o, ou um dos, autores do furto”.

A demissão de Azeredo Lopes, substituído por João Gomes Cravinho, acabou por ser o mote para a maior remodelação governamental da legislatura, com o primeiro-ministro, António Costa, a substituir os ministros da Economia, da Saúde e da Cultura, que passaram a ser tutelados, respetivamente, por Siza Vieira, Marta Temido e Graça Fonseca.

No Exército, o general Rovisco Duarte foi substituído no cargo pouco depois da posse do novo ministro da Defesa pelo general Nunes da Fonseca. Quando apresentou a demissão, Rovisco Duarte justificou perante os militares que “circunstâncias políticas assim o exigiram”.

As repercussões da demissão de Rovisco Duarte ainda se fazem sentir, implicando uma reorganização na estrutura superior, sendo a mais recente a nomeação do novo vice-chefe do Estado-Maior, general Guerra Pereira, substituindo Campos Serafino, que passou à reserva.

O “mistério” de Tancos começa em 29 de junho de 2017, quando o Exército revelava que tinham desaparecido granadas de mão, munições e explosivos dos Paióis Nacionais, no distrito de Santarém, assumindo a violação do perímetro de segurança e o arrombamento de dois paiolins.

O então chefe do Estado-Maior do Exército, general Rovisco Duarte, foi o primeiro a admitir publicamente que o material tenha sido furtado com “informação do interior”, porque os paióis tinham sido “escolhidos a dedo”, uma alegação que caberá à investigação judicial verificar.

Dois dias depois do furto, o general Rovisco Duarte anuncia a exoneração “temporária” dos comandantes das cinco unidades responsáveis pela segurança dos paióis, que era assegurada através de rondas móveis.

O argumento usado foi a necessidade de não interferirem com investigação que decorria, uma explicação que não foi compreendida no meio militar, registando-se baixas de peso na estrutura superior do Exército.

O comandante das forças terrestres, general António Menezes, e o comandante do pessoal, general Antunes Calçada, demitem-se em discordância com a decisão de Rovisco Duarte que, 15 dias depois, renomeou os comandantes exonerados, para as mesmas funções.

Na mesma semana, o jornal online El Español divulgou a primeira lista pormenorizada do material declarado em falta pelo Exército português, na qual se incluíam munições, explosivos, fio detonador, granadas anti-carro, explosivos e granadas de gás lacrimogéneo.

Assumindo o caso como “um soco no estômago” para o Exército, o então chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas, Pina Monteiro, salientava que o material roubado valia só 34 mil euros e que parte dele, como as munições anti-carro, estava selecionado para abate, colocando em questão “a possibilidade de ser usado com eficácia” por terroristas ou quem quer que fosse.

Em meados de julho de 2017, foram admitidas pelo Exército falhas na supervisão e vigilância das instalações. O Chefe do Estado-Maior mandou instaurar inquéritos ao funcionamento do sistema de videovigilância, à intrusão nas instalações e à gestão de cargas e acabou por decidir a desativação dos paióis de Tancos.

O material militar armazenado na base de Tancos foi transferido para Santa Margarida, que beneficiou de obras para reforço da segurança do perímetro e das instalações, e para os paióis da Marinha, em Marco do Grilo, Seixal, operação que foi concluída no final de outubro do ano passado.

Quando anuncia a conclusão da transferência, numa operação delicada e bem-sucedida, das cargas de Tancos para outros paióis, Rovisco Duarte apresenta-se, em conferência de imprensa, como um general satisfeito.

A maior parte do material furtado em junho tinha sido recuperado pela PJM quinze dias antes e Rovisco Duarte anuncia que tinha até sido recuperada, no descampado na Chamusca, uma caixa de petardos “a mais”, que não constava da lista do material em falta.

Em janeiro deste ano, foram concluídos os processos disciplinares abertos na sequência do furto, por “incitamento a falsas declarações” e “ausência de rondas”. Para o Exército, o caso era dado como encerrado.

Num relatório entregue ao parlamento em março, Azeredo Lopes remeteu as respostas sobre “quem, quando, porquê e como” para o fim da investigação em curso pelo Ministério Público e fez o historial das instalações militares de Tancos, desde a origem, nos anos oitenta do século passado, e as suas “constantes dificuldades e insuficiências”.

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