Longe vão já os tempos em que a televisão constituiu um avanço tecnológico especialmente valioso para a evolução social e cultural das populações. Sei bem do que falo porque, para o bem e para o mal, ainda sou do tempo em que não havia televisão no nosso país.

Na maioria das aldeias portuguesas, apenas em meados da década de 1960 surgiu a primeira televisão na taberna local ou em casa de alguma família mais abastada, apesar de as primeiras emissões regulares da RTP terem ocorrido em 1957, porém as famílias mais modestas não tinham meios para as adquirir. Lembro-me, como se fosse hoje, de assistir às transmissões dos jogos de Portugal no Campeonato Mundial de Futebol, em 1966, realizado em Inglaterra, e onde pontificavam jogadores como Américo, Carvalho, José Pereira, Germano, Coluna, José Augusto, Cruz, Simões, Eusébio, Torres, Jaime Graça, Peres, Lourenço, Hilário, Figueiredo, Lourenço, Alexandre Batista, José Carlos e mais um ou outro, que de memória me possa escapar agora. 

Recordo para todo o sempre a festa que foi a reviravolta do resultado no jogo frente à Coreia do Norte. Os norte-coreanos fizeram três golos antes da meia hora de jogo, no entanto a reacção portuguesa começou a fazer-se sentir pelos pés de um homem que praticamente sozinho conseguiu a reviravolta no marcador: Eusébio. O avançado português marcou dois golos de penalti ainda na primeira parte. No segundo tempo, conseguiu o hattrick e o empate aos 57′ e, apenas dois minutos depois, na conversão de outro penalti, fez o 4-3. Quase ao cair do pano, José Augusto fechou as contas e decretou a espectacular vitória portuguesa por 5-3. Uma loucura.

Lembro-me das transmissões das Fabulosas Corridas de Verão do Campo Pequeno nas noites de quinta-feira, dos programas de fado com D. Maria Teresa de Noronha e outros consagrados artistas portugueses, e dos programas de folclore com o poeta e folclorista Pedro Homem de Melo ou com o etnógrafo Michael Giacometti. Igualmente recordo com saudade as séries do Bonanza e do Dr. Richard Kimble (O Fugitivo), os programas de variedades, como o “Zip-Zip” ou a série “25 Milhões de Portugueses”, com cada edição dedicada a um distrito nacional. Enfim, recordo com muita saudade esses tempos, em primeiro lugar porque era um jovem – os anos não perdoam! – e depois porque aprendíamos muito com a televisão. 

A televisão, como anteriormente a rádio e o cinema, contribuíram de forma decisiva para dar a conhecer às populações, especialmente às mais modestas e mais afastadas dos centros urbanos, um mundo que não sabíamos que existia. 

Passaram, entretanto, muitos anos e a tecnologia tem avançado cada vez mais celeremente, ao ponto de actualmente termos acesso a uma panóplia quase infinda de canais e de programas que nos permitem, para o bem e para o mal, saber tudo o que acontece no mundo no exacto momento em que está a acontecer. 

Podemos assistir em directo no conforto das nossas casas ao deflagrar das guerras mais hediondas que devastam a humanidade e dos atentados mais perversos que têm o nefasto efeito de desumanizar a nossa sociedade e de violentar os nossos valores e as nossas referências culturais. 

Consequência de atravessarmos um tempo em que a vivência humana se transformou num autêntico espectáculo, cruel e violentíssimo na maioria dos casos, os canais televisivos, em especial, mas praticamente todos os órgãos de comunicação, apostam numa programação instigadora de atitudes radicais e violentas, sem olhar ao quanto as suas opções podem impactar na (de)formação das atitudes e nas práticas sociais das populações, nomeadamente de uma forma mais grave ao nível das camadas mais jovens.

Por acréscimo, as redes sociais a que hoje todos acedemos com a maior facilidade, em vez de serem um meio privilegiado para reforçar a nossa capacidade de interacção com pessoas de diversos quadrantes sociais e culturais à escala mundial, tem-se convertido num instrumento perverso ao serviço da violência, da mentira, da falta de respeito, da prepotência, da difamação, da maledicência e até do mundo do crime.

O facto de não existir controlo sobre o que se comunica nestas redes sociais – nunca em termos de censura política, cultural ou ideológica, como Trump quer impor nos Estados Unidos da América, obviamente! – facilita o recurso às potencialidades desta ferramenta de comunicação para a propagação das notícias falsas e para espalhar o ódio entre as pessoas, seja a nível cultural, social, económico, étnico ou de género.

Confunde-se, lamentavelmente, o jornalista, vinculado ao respeito pela verdade e pela ética, que lhe impõe actuar sob as regras apertadas de um código deontológico especialmente escrutinado, com o cidadão comum que publica nas redes sociais o que bem lhe apetece, sem rigor nem respeito pela verdade, difundindo mentiras, meias-verdades e atoardas de toda a índole, sem atentar nos danos que podem causar em pessoas ou instituições. 

O hooliganismo e os gangs radicais aproveitam-se desta acessibilidade tão fácil para organizarem atentados de toda a natureza contra os cidadãos e contra o seu património, material e imaterial. Lamentável!

O avanço tecnológico que se constata a um ritmo frenético tem aspectos muito positivos a par de outros mais complexos e até nocivos. O serviço de televisão tem uma infinidade de recursos técnicos, que bem utilizados poderiam dar resposta a quase todas as questões associadas às necessidades de uma sociedade culta, democrática, solidária e livre. 

Há pouco mais de uma década para se fazer uma emissão do exterior era necessário recorrer a uma parafernália de equipamento que mobilizava diversos camiões TIR para assegurar todas as condições para realizar um bom programa televisivo. Hoje fazem-se directos apenas com uma pequena câmara e um telemóvel, o que permite cobrir praticamente todo o país com informação de interesse local e regional, que quase nunca tem espaço nos canais nacionais. 

Porém, esta facilidade técnica quase não é aproveitada, à excepção do programa “Portugal em Directo”, da RTP, pois quase todos os operadores televisivos elaboram a sua grelha de programas em sintonia com a medição das audiências, e que ninguém ouse desviar-se desta orientação. É a ditadura das audiências, ou seja, dito de outra forma, é a prepotência dos interesses económicos que apenas serve a ganância desmedida dos mais ricos e poderosos.

Como o que proporciona maior audiência são os programas sobre guerra, conflitos armados, incidentes urbanos, violência doméstica, discriminação étnica ou de género, crimes sexuais, terramotos e afins, para o que se arregimentou um batalhão de comentadores – que presumem saber tudo de tudo! – ou reality shows que põem a descoberto as fragilidades sócio-culturais de um nicho expressivo da nossa população, é nisso que todos os canais apostam!

É doentio e constrangedor, no entanto, os canais televisivos abdicaram da sua função pedagógica insistindo até à exaustão nos temas fracturantes, o que contribui tão nocivamente para aumentar a percepção da violência, por tantas vezes repetirem a mesma situação. Enfim, temos a televisão que merecemos! 

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