José Ramos – Encenador do Veto Teatro Oficina

José Ramos tem um percurso de mais de seis décadas de teatro: aos 13 anos fundou o seu primeiro grupo, com 15 elementos, que estreou no Ginásio do Seminário a 14 de Abril de 1955 com as peças D. Alcachofra e Milagre de Santo António. Embora estudasse à noite arranjou tempo para entrar, em 1957, para o Grupo de Teatro de Ensaio, do Círculo Cultural Scalabitano, dirigido pelo Mestre do Conservatório Nacional, Prof. Carlos de Sousa. Passou, primeiro, por dois anos de formação, com estudo aprofundado do Manual de Arte e Dizer, de Carlos de Sousa, submetido a exames anuais, perante o júri constituído pelo Prof. Carlos de Sousa, Maestro Joel Canhão e Prof e Maestro Fernando Cabral e estreou-se a uma segunda feira, 2 de Março de 1959, na peça o Auto do Bom Pastor, contracenando com João Moreira, Virgílio Barrera, Nuno Neto de Almeida, José Maria e Helena Monteiro.
De 1963 a 1965 esteve na Guiné, como militar, e em Outubro de 65 foi viver para Aveiro, onde entrou, de imediato, no CETA, Cento Experimental de Teatro de Aveiro, desempenhando a função de assistente de encenação na peça “O Gebo e a Sombra” estreada a 17 de Junho de 1966 no Teatro Aveirense.
Em 1967, regressou a Santarém, e com Abel Prado, fundou o Grupo Ribalta premiado em 1968 no Concurso Nacional do SNI, com a peça “Há uma Luz que se apaga”. O Grupo durou apenas dois anos e meio, representando ainda “O Troca Tintas”, encenado por si, e terminando, depois, das representações da peça “O Oiro”, também premiada no concurso de 1969, encenada poor Nuno Netto D´Almeida.
O Grupo Ribalta, do Grupo de Futebol dos Empregados no Comércio terminou, amarguradamente, por falta de espaço para ensaios. “Malhas que o Império tece…”, como diz.
No final de 1969, o teatro no Círculo Cultural estava inactivo e José Ramos, juntamente com cinco amigos reactivou-o, representando aos domingos às 11h00, para crianças, com entradas grátis.
Embora em 1980 tenha ido viver para Cascais, José Ramos nunca se desligou do Veto Teatro Oficina, envolvido nesta paixão “doentia”, como lhe chama. E, pelo meio, ainda lhe sobrou tempo para frequentar um curso de seis meses, dirigido pelo mestre Carlos Avilez.

Idealmente como seria celebrado o Dia Mundial do Teatro?
Afastado o contexto de anormalidade, o ideal seria a manifestação artística de todos os grupos amadores e companhias profissionais, de teatro, junto dos estabelecimentos de ensino, primário e secundário. Para melhor enriquecimento da sociedade, o teatro terá de se tornar num hábito.

Os palcos de Portugal e do Mundo viveram o último ano em confinamento, A internet foi um meio alternativo para a apresentação e divulgação de projectos, os espectáculos on-line vieram para ficar?
Embora o mundo tecnológico avance, o teatro, e falo restritamente de teatro, não deverá ficar na modalidade de on-line. A essência do teatro, inevitavelmente, permanecerá. Ela assenta em duas vertentes: a Espectacularidade, que nasceu com o homem primitivo, nas manifestações religiosas e de lazer, e a osmose com o Literário, que apareceu cinco séculos a.C., na Grécia. É muito interessante ver-se uma produção na televisão, mais a ausência da riqueza presencial do público na sala, empobrece a comunhão, anula a existência da empatia, que tanto apaixonou Aristóteles, com a sua obra “Poética”, estudo e análise da tragédia.

Este novo paradigma pode levar novos públicos ao teatro físico quando tudo isto passar?
Tenho muita pena na descrença, mas não vejo que este novo paradigma angarie mais público. O teatro é um espaço de religiosidade, de amor, apelando à interioridade do espectador, e esta, tem de nascer “do berço” e cultivada até à adolescência. A obrigatoriedade é toda do Estado. Será que cada país tem o teatro que merece?

Criativos por defeito que são os encenadores, sairão novas ideias para peças deste isolamento?
Não tenho dúvida que sim. Toda esta situação que estamos a viver é trágica, e a tragédia foi o início do texto teatral.

O mundo possivelmente vai entrar numa profunda crise económica depois desta crise de saúde. A Cultura é dos primeiros sectores a sentir a falta de apoio. É possível não sentir angústia? Como é que acha que poderiam ter mais apoio?
A minha vivência de mais de sessenta anos no teatro, é apenas na vertente de amador. Contudo, pela relação pessoal com o Teatro Experimental de Cascais, conheço angústias de jovens actores. Infelizmente, o mecenato, nascido com Caio Mecenas, em Roma, por cá não abunda. E na Grécia Antiga, inicialmente, também eram os abastados que financiavam as produções teatrais,

Seria importante a criação, por exemplo, do estatuto de artista que reconhecesse esta categoria profissional e exigisse a devida protecção social?
Acho que sim. Esta epidemia destapou coisas que estavam péssimas, como lares para idosos e a fragilidade de todos os intervenientes da cultura. Torna-se urgente reparar estas duas áreas. Já chega de os actores serem considerados, como o foram até à revolução francesa, de personas non grata.

As salas podem não esgotar sempre, mas há público. Como desafiar mais gente para assistir ao Teatro?
Na Grécia Antiga, os teatros levavam 15 000 espectadores, ao ar livre, e era uma festa com cortejo e tudo. A ida ao teatro era entendida como educação do cidadão. Torno a repetir-me que: “De menino é que se torce o pepino.”

O que é que deseja para o Teatro nacional? O passado abre ou potencia o futuro?
Que cresça e seja uma obrigatoriedade de estudo nas escolas. Nos novos caminhos e estilos criativos temos qualidade. Quem conheça a programação e assista a espectáculos no Teatro Nacional ou Teatro da Trindade, e outras companhias, por Lisboa, não sai envergonhado.

2020 foi o ano do Centenário de Santareno. Falta o reconhecimento devido?
Entendo que sim. O dramaturgo e a sua imagem são demasiado grandes, para uma curta lembrança anual Com a minha amiga Fernanda Narciso, em 2007 escrevemos a peça biográfica “Bernardo Santareno… nos Tuneis da Liberdade”, que foi representada no mesmo ano no Teatro Sá da Bandeira, Santarém, Teatro da Trindade, Lisboa, e outros Teatros Municipais. Da Fundação Bernardo Santareno nem uma palavrinha do senhor presidente da edilidade, da época, que fez jus a moita carrasco.

Que medidas deveriam de ser tomadas para efectivar esse reconhecimento?
Muito lacónio direi: juntar os grupos de teatro para amadores, da região de Santarém, e outras individualidades de interesse, para falarem sobre refundação da Fundação Bernardo Santareno.

Texto publicado originalmente na edição impressa do Jornal Correio do Ribatejo de 26 de Março de 2021.

Leia também...

“No Reino Unido consegui em três anos o que não consegui em Portugal em 20”

João Hipólito é enfermeiro há quase três décadas, duas delas foram passadas…

O amargo Verão dos nossos amigos de quatro patas

Com a chegada do Verão, os corações humanos aquecem com a promessa…

O Homem antes do Herói: “uma pessoa alegre, bem-disposta, franca e com um enorme sentido de humor”

Natércia recorda Fernando Salgueiro Maia.

“É suposto querermos voltar para Portugal para vivermos assim?”

Nídia Pereira, 27 anos, natural de Alpiarça, é designer gráfica há seis…