As instituições de resposta social da região, em particular as de apoio aos idosos, prepararam, com antecedência, planos próprios de contingência face ao novo coronavírus, tendo em conta as orientações da Direcção-Geral de Saúde (DGS). A ministra da Saúde, Marta Temido, tem deixado claro que a “preocupação central” do Governo se foca, agora, nas estruturas residenciais para idosos, independentemente da sua tipologia. Na região, a tutela tem deixado elogios à forma como as instituições têm reagido, salientando que existe “prontidão na resposta e que os meios estão preparados”. O Correio do Ribatejo contactou quatro instituições que estão na linha da frente da protecção aos mais frágeis: Centro Social Interparoquial de Santarém, Misericórdia de Pernes, ARPICA e Fonte Serrã que explicam as medidas tomadas para combater a Covid-19.


Amélia Silva e Alexandra MoedasCentro de Repouso e Lazer Fonte Serrã

“Os sorrisos passaram a andar escondidos por máscaras”

Alexandra Moedas – Directora Técnica do Centro de Repouso e Lazer Fonte Serrã

Que medidas preventivas foram tomadas face à pandemia do COVID-19?
De acordo com o nosso Plano de Contingência, (o qual foi dado a conhecer a toda a Equipa para que a mesma tomasse noção da situação e se consciencializasse da importância dos cuidados a ter, bem como dos procedimentos a seguir numa Situação destas) e seguindo a evolução das medidas e indicações do Governo, fomos adoptando diversas medidas preventivas, nomeadamente, a escolha de um local para zona de isolamento em caso de situações suspeitas; adaptação de quartos para isolamento em casos vindos do Hospital; obrigatoriedade de uso de material de protecção; proibição do uso de fardas para o exterior da Instituição. Por outro lado, tomámos a medida de suspensão de visitas, proibição das saídas ao exterior (excepto urgências), acompanhamento em casos de urgência feito apenas pelos bombeiros. Efectuamos a medição da temperatura de todos os colaboradores ao inicio de cada turno, suspendemos a ‘picagem do ponto’ e as entregas dos fornecedores são feitas em local apropriado no exterior. Também tomámos a medida de redução das presenças da Médica, enfermeiras e fisioterapeuta, a desinfecção calçado à entrada e saída da Instituição passou a ser obrigatória, assim como o distanciamento social dos utentes nas salas e dos colaboradores mesmo durante as refeições.
Em termos de organização interna, adoptámos o método de trabalho em espelho: foram criadas duas equipas fixas (onde estão incluídas duas técnicas em cada), que fazem 12 horas de três em três dias, de forma a garantir uma equipa de segunda linha.

Quais são as maiores dificuldades sentidas?
As dificuldades mais sentidas prendem-se, sobretudo, com o pessoal e com os utentes, nomeadamente, a redução dos quadros de pessoal (devido às baixas já sentidas anteriormente e agravadas pelo fecho das escolas que obrigou alguns colaboradores a irem para casa), o que poderá colocar em causa o funcionamento do Lar em caso de contágio.
O manter a equipa estável, gerindo o medo e a ansiedade que acabam por ser transversais a todos, onde se inclui o combate ao desgaste físico e psicológico.
Igualmente, a ansiedade e preocupação dos familiares tem sido uma situação delicada: é uma luta diária pela estabilidade emocional dos utentes, porque estes estavam habituados a ser visitados ou a saírem diariamente.
Também sentimos a falta de apoio das Entidades externas competentes, e a incerteza (até quando, quando, como….). E ,sobretudo, o medo do contágio que que pode afectar tantas vidas.
É realmente uma grande responsabilidade para todos nós e uma questão que teima em tirar o sono a quem “veste a camisola”.

Em termos de equipamentos de protecção dos trabalhadores, como conseguiram resolver esta questão, visto que há escassez no mercado?
Por ironia do destino, por sorte, ou devido à boa relação que temos com diversos parceiros, um deles, há uns tempos tinha-nos oferecido cerca de 80 máscaras cirúrgicas. Relativamente ao desinfectante de mãos, desinfectante de superfícies, aventais descartáveis e luvas, além de termos sempre em grande quantidade, os fornecedores já habituais têm desenvolvido um excelente trabalho e têm assegurado, até à data, a entrega de todas as encomendas. A desinfecção do espaço exterior tem estado a cargo da Junta de Freguesia, assim como a doação de algumas máscaras reutilizáveis. Bem-haja aos que nos apoiam diariamente.

Concorda que a prioridade deveria ser “testar, testar, testar”?
É importante testar atempadamente assim que existe alguma suspeita, porém, neste momento, não vejo necessidade de testar todos os colaboradores e utentes, pois, além da ansiedade e, consequente, instabilidade na equipa, não acho necessidade de sujeitar uma pessoa idosa e tão frágil a uma análise tão desconfortável. De qualquer forma, quando nos contactarem para fazermos os testes, claro que os faremos.

Muitos Lares estão a apelar ao voluntariado para fazer face à falta de pessoal. No caso em concreto, como se está a proceder?
Tendo em conta que com a entrada de novos elementos, aumenta também o risco do possível contágio, optámos por recorrer a antigos colaboradores que, se encontravam disponíveis e se prontificaram a integrar a equipa novamente.
Estas pessoas não só sentem necessidade de ajudar, pelo sentido de pertença relativamente à Instituição e à proximidade com os elementos, como acabam por ter uma maior responsabilidade no que toca aos cuidados individuais, pois são conscientes da gravidade da situação e do impacto que pode ter na vida te todos, mas, sobretudo, nos nossos idosos.
De salientar, também, que a experiência permite uma adaptação bastante mais rápida, o que facilita imenso nesta fase.
O voluntariado, em momentos como este, onde reina o medo, acaba por não ser de todo viável, até porque são vidas que ficam em risco e, por isso mesmo, a Gerência faz questão de garantir que todas as pessoas que vieram, ou possam vir a reforçar a nossa equipa, fiquem devidamente apoiadas. Assim, são assinados contratos por tempo indeterminado, para que exista um vínculo à Instituição, auferindo de todos os direitos como qualquer outro colaborador. Afinal, não nos podemos esquecer que além da segurança dos nossos utentes, também a de quem cuida é fundamental.

O presidente da Associação Nacional de Gerontologia Social afirma que “só se resolve esta questão nos lares de idosos com um regime de internato dos trabalhadores”. Concorda com este ponto de vista?
Sim, é verdade que com o Regime de Internato o risco reduz automaticamente, no entanto, o risco acaba por persistir, pois existe uma equipa cá fora que ao não cumprir o que é devido, pode acabar por colocar em causa os restantes. Além disso, há que, dentro das medidas preventivas, manter os momentos de distância do trabalho para que cuidemos da nossa sanidade, física e mental, para que possamos continuar a prestar os melhores serviços possíveis, retardando o desgaste dos colaboradores.
É importante que tenhamos consciência que não sabemos até quando viveremos assim, e, o regime mencionado, pode ser extremamente violento, sobretudo num universo de 60 utentes, como é o nosso caso, os quais necessitam das suas rotinas habituais.
Estamos mais unidos que nunca e o nosso foco é, sem dúvida alguma, a protecção dos nossos utentes, mas para isso, também temos de cuidar dos nossos. Cuidar do outro é um trabalho desgastante, por isso, é crucial que também cuidemos de nós próprios.
Aplaudo de pé todos os que estão neste regime, e a Fonte Serrã tem uma profunda admiração por todos, mas cada entidade deve agir de acordo com as suas características e as das equipas, e a nossa é, essencialmente, composta por pessoas com filhos menores. Pessoas estas que fazem de tudo para conciliar a vida pessoal com a profissional para que não deixem de trabalhar e ajudar quem mais precisa neste momento, o que também deve ser reconhecido.

O que mudou na rotina do Lar?
Foram várias as mudanças: os três turnos habituais passaram a dois; as 8 horas passaram a 12… A Equipa Fonte Serrã transformou-se em Equipas: “Tropa da Elite” e “Furacão verde”. A Hierarquia agora é chamada “trabalho ao teu lado” e a Equipa Técnica deixou para trás todo o trabalho de gabinete e dedica-se apenas aos cuidados ao utente e proximidade Familiar. A Farda é igual para todos e a tecnologia ganhou ainda mais importância nos nossos dias. A sala de formação deu lugar a um quarto de isolamento, os sorrisos passaram a andar escondidos por máscaras, os aglomerados foram substituídos por distanciamento social e os abraços foram substituídos por olhares e por lavagens de mãos infindáveis.
As encomendas presenciais passaram a ser feitas por telefone; os levantes dos utentes mais dependentes passaram a ser feitos em dias alternados, passando mais tempo nos seus quartos, as refeições em mesas de quatro foram reduzidas para dois e as visitas presencias da médica foram substituídas por chamadas telefónicas. Os cuidados de enfermagem de diariamente passaram para 2 vezes por semana, assim como os tratamentos de Fisioterapia. A diversão constante deu lugar a momentos de boa disposição, mas assombrados pela preocupação

O que têm feito para diminuir o isolamento dos idosos, impedidos de receber visitas?
Apesar das inúmeras adaptações, temos feito de tudo para que os efeitos do isolamento sejam mínimos. Assim, as animadoras têm demonstrado o que já todos sabíamos: um excelente trabalho, onde se destaca o empenho e dedicação, lutando para que “tudo fique bem”, desenvolvendo inúmeras chamadas e videochamadas, mensagens em vídeo para os familiares, actualização diária do facebook, com registo fotográfico e caminhadas e outras actividades no pátio exterior.
Realizamos também sessões de cinema e visualização de musicais e temos um atelier de leitura, jogos de cultura geral, cuidados de estética e beleza, entre outras dinâmicas. De certa forma, temos tentado colocar em prática todas as actividades.

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