Carlos Manuel Oliveira é filho de Carlos Oliveira – O Chona. A propósito do FITIJ que agora decorre em Santarém fomos bater-lhe à porta: “O FITIJ foi uma das várias iniciativas com que o meu pai procurou devolver à cidade de Santarém essa alegria que quem viveu a revolução nunca esqueceu. O seu sorriso era, de resto, bem conhecido. Eu sou um dos vários filhos dessa alegria, e isso fez com que ainda hoje toda a minha vida revolva em torno das artes performativas”, disse.

Mas disse muito mais…

Santarém está a viver mais um FITIJ. Que importância tem, para si, este festival?

Se estou correcto, o Festival iniciou-se em 1993, tinha eu 13 anos. Foi expressão da força de vida do meu pai, que teria na altura 44 e o embalo que as aberturas de Abril trouxeram aos anos 80, durante os quais nunca deixou de fazer teatro, e deste um espaço de encontro, liberdade e democracia. O FITIJ foi uma das várias iniciativas com que o meu pai procurou devolver à cidade de Santarém essa alegria que quem viveu a revolução nunca esqueceu. O seu sorriso era, de resto, bem conhecido. Eu sou um dos vários filhos dessa alegria, e isso fez com que ainda hoje toda a minha vida revolva em torno das artes performativas.

Sendo filho de uma referência do Teatro em Santarém, acha que o legado que o Carlos Oliveira ‘Chona’ nos deixou está preservado?

Antes de mais, há as pessoas que com ele se cruzaram e a memória que trazem consigo. São tantas, praticamente toda a gente na cidade o conhecia. Há pessoas a quem, directa ou indirectamente, mudou a vida. Pessoas que nunca mais deixaram de fazer teatro, por exemplo. Esse é sem dúvida um dos seus legados. No entanto, com o tempo, o meu pai tornou-se profundamente desapontado com a cidade e as suas instituições. Creio que quando o contexto em teu redor não corresponde à potência que a vida te conferiu, a frustração é um efeito recorrente. A senescência do meu pai acompanhou a da cidade, o que diz muito da relação umbilical e afectiva que mantinham. E nota-se que hoje, em Santarém, não há qualquer eco, e por vezes nem sequer memória, de muitas das coisas que nela e com ela fez.

A criação do Arquivo da História das Artes Performativas em Santarém que assenta na vida e obra de ‘Chona’ foi anunciado em Abril. Para quando a sua concretização?

Existe financiamento que a Associação Parasita obteve da Direcção-Geral das Artes para, durante o biénio de 2023-24, inventariar, digitalizar e catalogar o espólio documental que o meu pai deixou, e assim torná-lo público. Para que tal se dê, há, no entanto, a condição de que a Câmara Municipal de Santarém efective um outro financiamento, do qual a execução do primeiro depende e sem o qual os trabalhos tal como estão previstos não poderão começar. A Parasita está desde o início do ano a tentar celebrar o contrato respectivo, mas, por bloqueios na gestão autárquica, sem sucesso. De modo que os trabalhos não só ainda não se iniciaram como também estão comprometidos, visto não se poder fazer em um ano o que estava previsto ser feito em dois. Esperamos que a situação se resolva em breve e que se consiga lançar um website com todos os conteúdos tratados no primeiro trimestre de 2025.

Que importância terá tratar e domiciliar o seu espólio documental, proveniente de fontes diversas, referente a mais de cinco décadas (1964-2021) de artes performativas em Santarém?

Portugal é um país com amnésia crónica e generalizada. Um país sem cultura de inscrição, como dizia o José Gil. E quando a vida de cada pessoa não se inscreve no tecido social, tomando parte na formação de estruturas mnemónicas comuns — sejam instituições, formas documentais oumemórias partilhadas —, ficamos à mercê da ignorância e, com ela, a ter de começar tudo de novo sem qualquer consciência do que já foi feito e se aprendeu. Tornar acessível ao público um espólio documental que dá conta de mais de cinco décadas de história das artes performativas e da cultura no concelho de Santarém tem a importância de devolver a memória e o conhecimento a quem sobre isto não quiser ser ignorante.

Há bons exemplos de políticas e práticas de arquivo no teatro e artes performativas em Portugal?

Há. Mas são uma gota num oceano de descaso, incúria e negligência no que se refere à criação, conservação e partilha do património material e imaterial das artes performativas em Portugal. O facto de, em 2021, a Direcção-Geral das Artes ter lançado uma linha de financiamento, específica e inédita, para o tratamento de arquivos das artes performativas é, como bom exemplo, uma iniciativa que esperamos que se repita e regularize, o que até agora não aconteceu.

A Cultura e nomeadamente as artes performativas continuam a ser o parente pobre do orçamento do Estado no nosso país? Que reais oportunidades têm os jovens que queiram seguir alguma destas áreas?

Não colocar um ponto final em vez de um ponto de interrogação na primeira frase só pode ser gafe. E a resposta à segunda questão é tão diversa que nem sequer vale a pena incorrer em exemplos particulares.

Bastará constatar que a viragem de século trouxe consigo uma multiplicação alucinante de economias nas artes e cultura, e que nunca houve tantas oportunidades para se construir uma trajectória laboral nestes meios. No entanto, isto é tão mais verdade quanto mais se sai de Portugal, por exemplo em direcção ao centro da Europa, onde há um reconhecimento efectivo da riqueza que o investimento nestas áreas gera para a economia em geral.

Que mensagem lhes deixaria?

Não dependam apenas do talento e invistam-se no estudo e trabalho contínuos, disciplinados, sempre em relação com comunidades economicamente bem estruturadas e contextos laborais diversos.

Preservem a curiosidade e o encanto sobre a multiplicidade do mundo a todo o custo. E, diria o meu pai, vivam em serviço de um amor maior que o próprio.

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