Nuno Duarte, natural de Almeirim, dedica-se a tempo inteiro à escrita e ao guionismo desde 1999, após ter dado aulas de Inglês em Santarém e Lisboa. De lá para cá já desenvolveu trabalhos de jornalismo, entre várias publicações para o jornal Público, de tradução e de guionismo em séries como “Bocage”, “Conta-me como foi”, “Bem-vindos a Beirais”, “Inspector Max” e mais recentemente com “Terra Nova”, que entrou recentemente no catálogo de uma plataforma internacional de streaming. A banda desenhada é outra das suas paixões e enquanto argumentista desta vertente já venceu um prémio nacional. Foi nas primeiras visitas à biblioteca da cidade que descobriu o gosto pela leitura, visitas que considera fundamentais para a sua formação como autor.
Em que altura da sua vida descobre esta vocação para a escrita?
A escrita estará sempre ligada com a descoberta da leitura em criança e as primeiras visitas à Biblioteca Municipal de Almeirim, onde cada livro e cada género foram importantes para a minha formação enquanto autor. Este gosto foi acalentado pela família, que sempre valorizou a minha curiosidade cultural e aptidão por criar narrativas, personagens e projectos desde cedo, em áreas tão díspares como a escrita, a banda desenhada ou ainda pequenos filmes caseiros.
O Nuno é guionista e já escreveu várias peças de teatro, animação, banda desenhada, séries, novelas e cinema. Como é o seu processo criativo e como é que se muda o chip da escrita nestas várias vertentes?
O meu processo criativo prende-se sempre com a necessidade de encontrar um ponto de vista pessoal para contar uma história. Independentemente do meio para o qual trabalho, no centro de tudo está sempre uma visão muito íntima sobre determinado tema ou sentimento, que pode ser desencadeado por algo tão simples como uma música, um artigo de jornal ou uma simples conversa de estranhos na rua. Assim que encontro a ideia e o ponto de vista pelo qual desenvolvo a narrativa e as personagens, faço a adequação para o meio ao qual pretendo adaptá-la, levando em consideração que qualquer meio audiovisual é sempre colaborativo e que, quem o interpretar, filmar ou ler, fará sempre uma interpretação pessoal da minha ideia original.
Qual ou quais os projectos que lhe deram mais gozo de realizar até hoje?
Tento que cada projecto seja sempre único, independentemente de ser mais comercial ou alternativo. Dito isto, séries de TV como “Aqui Tão Longe”, “O Mundo Não Acaba Assim” ou “Terra Nova” permitiram sempre um maior controlo e a existência de uma voz criativa mais vincada. Por outro lado, escrever para projectos de humor como o “Inimigo Público”, “Manobras de Diversão” ou desenvolver livros de BD como “A Fórmula da Felicidade”, “O Baile” ou “O Outro Lado de Z”, permite-me explorar nichos criativos que alargam o meu percurso e experiência como escritor.
É mais fácil criar uma história de raiz ou através de uma adaptação?
São formas diferentes de partir para uma narrativa que se quer única e diferenciada. Se partir de uma ideia absolutamente nova levanta dificuldades por não ser reconhecida, permite, porém, uma liberdade maior.
Já uma adaptação é sempre desafiante pela necessidade de encontrar um prisma novo e diferente pelo qual traduzir a obra de outro autor com uma voz com a qual nos identificamos, respeitando no entanto o sentimento do original.
A série ‘Terra Nova’, baseada na obra de Bernardo Santareno, é um dos mais recentes projectos em que colabora. É fácil adaptar a uma obra de um dos maiores dramaturgos portugueses do séc. XX para os meios audiovisuais de hoje?
“Terra Nova” partiu como um desafio do saudoso Nicolau Breyner ao Artur Ribeiro para que escrevesse a adaptação da obra original, que pretendia ele mesmo realizar. Infelizmente o Nicolau deixou-nos cedo demais, mas a centelha do projecto ganhou força para que o próprio Artur passasse também a realizar o filme.
Após meses de pesquisa histórica e de outras obras de Bernardo Santareno, como “Nos mares do fim do mundo”, o Artur entendeu que teria material para muito mais que uma longa metragem e teve a ideia de sugerir algo pouco comum no panorama audiovisual nacional: que a série não fosse apenas uma versão mais extensa do filme, mas sim uma exploração de todo o universo de personagens e acontecimentos que o filme e os protagonistas aludiam. Ser convidado por ele para criar as fundações deste mundo muito próprio, quer através dos plots e das personagens que fomos desenvolvendo e criando, acabou por gerar uma motivação muito especial, dada a envolvência do tema e a excelência dos actores e meios que tivemos à disposição.
Esta produção foi incluída recentemente numa plataforma internacional de streaming, a HBO. O quão importante é para a produção nacional estar neste meios de difusão?
Este projecto nunca teria acontecido sem a aposta e exibição da RTP, mas, simultaneamente, o facto de estar disponível numa plataforma como a HBO Portugal, torna-a não só mais acessível como também prova que os conteúdos de ficção portugueses têm cada vez mais capacidade e qualidade para figurar de qualquer catálogo, especialmente considerando a abrangência que as plataformas digitais de visionamento de conteúdos já têm no nosso mercado.
Que projectos tem para o futuro?
Estando a desenvolver vários projectos para ficção televisiva, banda desenhada e, o que espero, seja o meu primeiro romance, estou, no entanto, sempre atento às dificuldades e vicissitudes do que implica trabalhar em cultura, num país em que os apoios são sempre inferiores a meio por cento do Orçamento de Estado. Viver num meio assim exige disciplina, sofrimento e muito amor pelo que se faz, mas continuo a fazê-lo com esperança que as coisas mudem para as gerações futuras.