O objetivo desta trilogia é analisar os efeitos das reformas implementadas por Mariano Gago correlacionadas com a implementação do processo de Bolonha no ensino superior em Portugal. Na primeira parte foram abordadas as principais modificações no ensino superior resultantes destas medidas. Na segunda parte foram abordadas a internacionalização e a divulgação científica, como principais vetores das reformas implementadas por Mariano Gago. Na divulgação científica o foco foi dado à publicação de artigos e foi analisado o racional subjacente. No final ficou a seguinte questão, que serve como pergunta de partida para esta terceira parte: Qual o efeito real que esta tipologia de divulgação científica tem na academia atual?
Conforme divulgado pela a comunicação social, o número de inscritos no ensino superior público em Portugal baixou, entre 2024 e 2025, cerca de 50.000 alunos. O que significa este indicador? De uma forma simplista, podemos desde logo enumerar algumas razões: a questão demográfica, que leva a que menos jovens terminem o ensino secundário e estejam em condições de entrar no ensino superior, a atratividade dos cursos Técnicos Superiores Profissionais (CTeSP), que se fundamentam numa componente mais prática e com saídas mais rápidas e orientadas para a vida profissional, os custos associados à frequência do ensino superior, nomeadamente o incremento dos custos com habitação para os alunos colocados nos grandes centros académicos e populacionais e, last but not least, a opção por estudar no estrangeiro, cada vez mais comum nos jovens portugueses.
Por outro lado, Portugal é o 9º país da União Europeia com mais estudantes estrangeiros no ensino superior, com cerca de 10% do total dos alunos. No entanto, 4 em cada 10 destes alunos são africanos, provenientes de países de língua oficial portuguesa. Para além disso, menos alunos colocados conduz à partida a uma maior eficácia, pois mais alunos serão colocados na sua primeira escolha. Desta forma, com alunos portugueses satisfeitos e com mais alunos estrangeiros a reforçar a multiculturalidade tão benéfica aos desenvolvimento dos jovens estudantes, tudo parece estar bem na academia portuguesa. Será mesmo assim?
Segundo dados da DGEEC, existiam 448.235 alunos no ensino superior em Portugal em 2024. No mesmo ano e segundo a mesma fonte, o número de docentes neste grau de ensino era de 42.395, o que corresponde a uma média de 11 alunos por docente. Ao detalhar o número de docentes, verifica-se que 42% são professores auxiliares/adjuntos (doutorados). Na esfera dos alunos os principais desafios do ensino superior em Portugal colocam-se hoje em 2 planos: a retenção e o sucesso académico, por um lado, e a adaptabilidade do ensino superior a estudantes mais velhos.
No que respeita à retenção e sucesso académico, ainda são poucas as escolas que possuem programas de mentoria personalizada dos alunos recém-chegados ao ensino superior. Este modelo, muito utilizado nas escolas anglo-saxónicas, tem provas dadas no entrosamento dos novos alunos, em termos da cultura da escola (o conhecido “espírito académico”) e sobretudo na adaptação e interiorização da operativa específica de cada escola, como forma de focar o trabalho dos alunos naquilo que lhes permita maximizar o seu aproveitamento. Algumas escolas possuem modelos pedagógicos específicos e bem elaborados, mas estes são difundidos sobretudo junto dos docentes, como suporte pedagógico da sua atividade. Os alunos e seus representantes, emboras frequentemente envolvidos nestes processos, acabam por agir passivamente sobre os mesmos, com prejuízo do seu próprio sucesso académico.
Não é linear que o sucesso académico seja apenas condicionado pela maior ou menor aplicação dos alunos. Uma elevada fatia de professores do ensino superior não possui formação pedagógica, ao contrário do que acontece no ensino secundário. Muitos programas encontram-se ultrapassados, não acompanhando a evolução da sociedade e por vezes até das próprias áreas de conhecimento lecionadas. Esta realidade, transversal a uma boa parte das escolas, é um motivo de desmotivação dos alunos e de abandono dos estudos. Segundo a DGEEG, 13,2% dos novos alunos deixam de estudar, existindo mesmo 11 cursos em que todos os estudantes desistiram e 146 cursos em que mais de metade dos alunos abandonou, dos quais a maioria são cursos de mestrado. Cada vez mais um curso é entendido pelos alunos como uma ferramenta para o mercado de trabalho e, se não cumpre este objetivo, então não interessa.
Focados no mercado de trabalho e nas saídas profissionais, muitos alunos preferem a entrada nos cursos Técnicos Superiores Profissionais (CTeSP) em vez do acesso direto às licenciaturas, pois se tratam de cursos vocacionais e técnicos de curta duração, com formação prática e específica e uma saída profissional rápida e clara. Este modelo de ensino choca com o modelo académico tradicional, mais teórico e no qual a componente prática se resume muitas vezes aos trabalhos feitos pelos alunos.
Outro aspeto a ter em conta são os modelos de avaliação. Díspares de escola para escola, quer no formato quer no grau de dificuldade, são por vezes condicionados pelo tipo de conteúdos disponibilizados em cada disciplina, bem como pela disponibilidade (ou falta dela) de alguns docentes para esclarecer dúvidas ou para estudo acompanhado. Estas situações têm impacto direto na saúde mental dos alunos e, de acordo com o estudo “Ecossistemas de Aprendizagem Saudáveis nas Instituições de Ensino Superior em Portugal” (Tânia Gaspar, Universidade Lusófona, 2025), mais de metade dos estudantes universitários encontra-se em burnout e 40% consomem psicotrópicos.
Em jeito de conclusão, observa-se em Portugal uma Academia em termos gerais bastante formal, centrada em modelos teóricos algo desfasados da realidade política, económica e social, incapaz de dar respostas concretas aos problemas dos seus principais clientes, os alunos. Os programas são com frequência antiquados e desajustados face à realidade atual. O foco na produção científica relega o acompanhamento dos alunos para segundo plano, deixando a atividade letiva de ser o core business do professor. Por outro lado, as fragilidades pedagógicas distanciam os docentes dos alunos, tornando o ambiente escolar mais frio para este segundo grupo. A falta de uma gestão especializada leva muitas escolas, sobretudo públicas, a lutas pelo poder entre os docentes, com perdas de eficiência e insatisfação. Neste contexto, a Academia fecha-se em si mesma e torna-se incapaz de cumprir o papel social que lhe está destinado.