Nascida em Santarém em 1936, Filomena Custódio é uma figura incontornável no panorama artístico português. Licenciada em História pela Universidade Clássica de Lisboa, com formação em Ensino Primário e Pintura, a sua carreira multifacetada abrange a docência em Portugal, Angola e Cabo Verde, bem como a participação activa em diversas expressões culturais, incluindo teatro, dança e vídeo. Amanhã, sábado, 1 de Março, pelas 16h, no Convento de S. Francisco, Filomena apresenta o seu mais recente livro, “A Humanidade – Música para o Século XXI”, uma colectânea que reúne as suas obras de pintura de referência desde a década de 1960. Em entrevista ao Correio do Ribatejo, a artista reflete sobre a sua trajectória, influências e a íntima relação entre a música, a pintura e a poesia.
O seu novo livro, “A Humanidade – Música para o Século XXI”, compila obras que remontam a 1960. O que a motivou a reunir estas obras num único volume neste momento da sua vida?
O mundo, os homens, a humanidade. Sempre tive um olhar atento sobre o que me rodeia. Comecei a refletir sobre a sociedade ainda nos anos em que fui professora primária em Alcobertas. Aí, apercebi-me de que os mais pobres eram muitas vezes tratados com frieza, ignorados ou descartados. Essa observação do mundo levou-me a pintar, a expressar na tela o que via. Foi assim que nasceu um quadro de grandes dimensões, que iniciei ainda antes de partir para Angola. Quando regressei, nos anos 80, percebi que esse quadro continuava actual, que a minha pintura reflectia questões que ainda estavam por resolver. Este livro é um reflexo dessas décadas de observação e de expressão artística.
O título do livro estabelece uma ligação entre a humanidade e a música. Qual é o significado dessa escolha e de que forma a música influenciou o seu percurso artístico?
Sempre fui apaixonada por música, sobretudo pela música clássica. A música acompanha todas as artes, dá-lhes ritmo, significado. Assim como uma melodia pode traduzir emoções profundas, também a pintura e a poesia procuram transmitir sentimentos e despertar consciências. A música está presente na minha vida e no meu processo criativo, sendo um elemento essencial na forma como interpreto o mundo e transformo essa interpretação em arte.
A sua obra é marcada por um olhar atento sobre a sociedade, abordando temas como a desigualdade, a pobreza e a violência. Acredita que a arte pode ser um agente de mudança?
Sim, absolutamente. A arte tem a capacidade de despertar consciências, de gerar reflexão. Ao longo da história, sempre houve artistas que denunciaram injustiças através das suas obras. A pintura pode ser um espelho da sociedade, pode mostrar o que há de belo e de cruel no mundo. Acredito que a arte não deve ser apenas contemplativa, mas também interventiva. Muitas das minhas obras partem dessa vontade de mostrar o contraste entre o belo e o injusto, de despertar uma sensibilidade para o que nos rodeia.
Para além da pintura, tem uma vasta experiência na escrita, nomeadamente na poesia. Como é que estas duas formas de expressão artística se complementam no seu processo criativo?
A poesia e a pintura estão intrinsecamente ligadas. Ambas procuram traduzir emoções, contar histórias, provocar reflexão. Para mim, um quadro pode ser uma poesia sem palavras e um poema pode ser um quadro invisível. Muitas vezes, ao pintar, encontro versos escondidos nas cores e nas formas. O meu processo criativo é fluído, e tanto a escrita como a pintura servem para expressar o que sinto e o que observo no mundo.
Quais são os seus projectos futuros? Pensa em publicar mais algum livro ou realizar novas exposições?
Quero continuar a mostrar a minha obra ao público. Tenho um vasto acervo de quadros que ainda não foram expostos e gostaria de organizar uma exposição que englobasse diferentes fases do meu percurso. A arte nunca está concluída, é um processo contínuo de criação e partilha.