Continua a bom ritmo o restauro da Capela dos Terceiros Seculares da Ordem Terceira de S. Francisco, vulgo Capela Dourada de Santarém anexa à denominada Igreja do Convento de Nossa Senhora de Jesus do Sítio, mais conhecida por Igreja de Jesus Cristo.
Os trabalhos de restauro foram iniciados no dia 8 de Junho e irão decorrer, sensivelmente, até final de Novembro, segundo nos informou a Drª Inês Magalhães da empresa “Água de Cal – Conservação e Restauro”, responsável pela equipa que neste momento vem intervencionando, dentro das várias áreas, todos os trabalhos em execução e que se encontram cobertos por concurso público.
O concurso público surge da candidatura que a Santa Casa da Misericórdia formalizou com o Fundo Rainha Dona Leonor para o seu restauro, um projecto avaliado em cerca de 150.000€. Os trabalhos a executar na capela incidem, particularmente, nas áreas da pintura, talha dourada e escultura. Ficam de fora, a cobertura do tecto e a consolidação dos azulejos, por se ter conseguido já concretizar esses objectivos em épocas anteriores.
A título de curiosidade, diga-se que, o núcleo da azulejaria é composto pelo conjunto de 6 painéis com a representação de cenas da vida de S. Francisco, nomeadamente: “S. Francisco salvando as almas”, “S. Francisco recebendo um jovem pastorinho”, “S. Francisco entronizado dando a Regra da Ordem Terceira”, “Estigmatização de S. Francisco”, “S. Francisco deitado sobre as brasas a ser tentado por uma dama de ‘fontange’”, e “S. Francisco deitado numa roseira”, tudo obra produzida em 1717 pelo ceramista Manuel de Oliveira Bernardes. Intercalando estas representações existem ainda mais 4 painéis de azulejos setecentistas com alegorias sobre a “Caridade”, “Obediência”, “Oração” e “Paciência”.
Por esta Capela passaram já ilustres historiadores da nossa cidade, quer em visita de estudo quer em visita de reflexão, tendo como objectivo a análise criteriosa do património artístico ali existente; são exemplo disso, o saudoso Prof. Doutor Joaquim Veríssimo Serrão, Vitor Serrão, Maria de Fátima Reis, Jorge Custódio, José Meco, Teresa Desterro e, Francisco Lameira.
Nesse contexto de estudo, uma primeira identificação das telas, tinha sido feita em 1865, pelo Cónego Joaquim Maria Duarte Dias, capelão que foi durante muitos anos da Santa Casa da Misericórdia de Santarém. A propósito dessa identificação, veja-se a composição do conjunto das 14 telas e as respectivas dimensões sendo que as de grande formato têm em média 2,12m por 1,46 m, e as de pequeno formato têm em média 1,32m por 1,06m: “Santa Ângela de Fulgino, de Civetelo” (à entrada, do lado esquerdo), “São Fernando, rei de Castela” (formato grande), “Beato Jácome de Laud” (formato pequeno, por cima do altar lateral), “Santo Elziro e Santa Delfina, Condes de Arriano” (formato grande), “Beato Gualtero, Bispo de Treviso” (formato pequeno), “Santa Isabel, Rainha de Portugal” (formato grande), “O Beato Amadeu” (quadro estreito, colocado junto ao altar-mor); o Altar-mor, obra do entalhador Manuel Álvares, tem o Cristo cruxificado na frente da cidade de Jerusalém que lhe serve como imagem de fundo; “Beato Leão, Arcebispo de Milão” (quadro estreito, junto ao altar-mor), “Santa Isabel, Rainha da Hungria” (formato grande), “São Francisco de Assis dando a Regra da sua Ordem” (formato pequeno, acima do arco do altar lateral), “Santa Clara de Monte Falco” (formato grande), “Beato Bartholo de S. Geminiano” (formato pequeno), “São Luís, Rei da França, lavando os pés a um mendigo” (formato grande), e por fim, “Beata Michelina” (ladeando a entrada).
Uma Capela com história
Mas, noutros tempos, outros destinos tinham marcado aquele chão e, o certo é ter existido naquela área, ainda em época medieval, uma ermida denominada da Madalena. Esta Ermida de Santa Madalena terá ali coexistido com o Palácio dos Arcebispos, palácio esse, onde teve lugar a conjura contra D. João II, a qual levou à morte do Duque de Aveiro e dos seus parceiros. Depois desse trágico acontecimento ficaram devolutas as instalações, tendo sido cedidas nos finais do século XVI (1592) aos frades franciscanos.
Foi pois, construída esta Capela por volta de 1666, em pleno reinado de D. Pedro II, tendo servido a população daquela freguesia, e segundo determinados autores, terá servido depois de sacristia, quando o Hospital de Jesus Cristo a partir de 1835, foi transferido para as instalações desocupadas do Convento do Sítio, em consequência da extinção das Ordens Religiosas.
Já na segunda metade do século XX, foi capela funerária do dito Hospital de Jesus Cristo até 1983, ano em que foi encerrada ao público, a pedido da administração do Hospital, dado o seu estado de degradação.
Tem particular interesse a recuperação desta Capela, porquanto é considerada como “obra de arte total ” no conceito da arte barroca nacional.
O estudo monográfico sobre esta Capela, por várias vezes tinha sido composto pelo Prof. Doutor Vítor Serrão sempre com adições actualizadas face a novas leituras, sendo que a penúltima era uma versão parcial e incompleta, coordenada por Pedro Gomes Barbosa, Arte, História e Arqueologia. Pretérito (Sempre) Presente – Homenagem a J. Pais da Silva, ed. Ésquilo, Lisboa, 2007. O estudo final seria editado e publicado pela Santa Casa da Misericórdia de Santarém no ano seguinte, com o sugestivo título que lhe dá agora o nome de “A Capela Dourada de Santarém”, e que se encontra disponível à venda na instituição.
Um projecto ambicionado
Com esta valiosíssima obra de restauro, ficará assim completa e com final feliz, uma séria de tentativas que as sucessivas Mesas Administrativas da Santa Casa levaram a cabo, desenvolvendo os maiores esforços, mas que, infelizmente, nunca conseguiram executar.
De facto, durante muitos anos, as diferentes Mesas Administrativas, tentaram sem sucesso, junto da sociedade civil em geral e, muito particularmente, junto de determinados organismos públicos, promover o restauro de tão necessitada obra, chegando inclusive, mais recentemente, a dirigir apelos a algumas “casas agrícolas”, importantes casas nobres que, nos séculos XIX e XX, já tinham sido benfeitoras directas do Hospital de Jesus Cristo, em maus anos agrícolas.
Numa tentativa de se chamar a atenção das entidades responsáveis da tutela do património nacional, a Provedoria de José Manuel Cordeiro, concretamente através do seu Mesário, José Campos Braz, responsável pela área do património religioso da instituição, tentou incluir nela um núcleo de arte sacra, e dado que a recuperação da capela era constantemente adiada, promoveu-se a transferência desses bens para a Igreja da Misericórdia, onde ali têm lugar expositivo de grande significado.
Assim, ao longo dos últimos trinta e cinco anos, tornou-se um projecto de grande ambição o restauro total (ou mesmo parcial) desta Capela, dado que se estava a perder uma preciosa jóia devido à incapacidade financeira da instituição em levar por diante os seus intentos.
É, pois, uma obra meritória de grande relevo, o restauro de que esta Capela está beneficiando, porquanto se trata de um magnífico exemplar da arte barroca que virá não só dignificar e enriquecer o património da Santa Casa da Misericórdia em particular, mas também, o da própria cidade.
António Monteiro