Na passada quinta-feira, dia 11, o sistema de Bancos Centrais Americanos (Sistema de Reserva Federal – Fed) viu-se confrontada com o anúncio preocupante dos resultados da análise da situação económica dos Estados Unidos. Na verdade, os dados revelam uma conjuntura problemática, combina um crescimento lento da economia com um aumento da inflação. Normalmente, as situações de fraco crescimento estão associadas a uma diminuição da inflação para compensar o provável aumento do desemprego. Ao diminuir o rendimento das famílias diminui o consumo. O presidente americano, Donald Trump, “exige” ao Departamento de Reserva Federal – Fed) uma diminuição forte das taxas de juro. Estranhamente, para atingir os seus objectivos, Trump solicitou ao Senado a inclusão do seu assessor económico, Stephen Miran, para o Conselho de Governadores do Fed e participar nas reuniões do Departamento que poderá decidir a redução da taxa de juro de referência. A credibilidade da instituição pode estar posta em causa. A Reserva Federal encontra-se, assim, num dilema de difícil controlo, se diminui a taxa pode levar à diminuição da taxa de desemprego, mas aumenta a inflação. Se não altera as taxas de juro pode ser acusado de estagnar a economia. Já há várias vozes de especialistas que afirmam que a situação pode ser um indicador do efeito do aumento das tarifas no comércio internacional.
A nível internacional, as posições do presidente americano têm vindo a influenciar a posição do dólar como moeda de reserva global. Por um lado, interessa ao governo americano que o dólar continue a ser a moeda de reserva internacional, por outro, não convém que esteja em valores cambiais elevados. Stephan Miran afirmou: “… por conta da sua posição como reserva mundial, o dólar ‘está persistentemente sobrevalorizado’, levando a desequilíbrios comerciais”. Uma moeda de valor elevado pode originar que a indústria americana não seja competitiva, pois os seus produtos passam a ser mais caros, criando déficits comerciais, também eles elevados, provocando um aumento do desemprego local. Trump não quer um dólar forte porque isso pode levar a um aumento das importações. Ao mesmo tempo, um dólar mais fraco descredibiliza a moeda no mercado global, o que pode provocar uma menor entrada de divisas. Interessante…
Tudo começou em Bretton Woods, em 1944, quando cerca de 44 países assinaram um conjunto de Acordos para a constituição do Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial e considerar o dólar como moeda de reserva global. Estabeleceram um câmbio fixo e cada país fixou a sua taxa de câmbio associado ao ouro ou ao dólar americano. Os Estados Unidos comprometiam-se a converter as reservas de dólares, no exterior, em ouro (35 dólares a onça de ouro ’31,1034768 gramas’). Em quase três décadas o excesso de dólares no exterior e ainda os consecutivos déficits na conta corrente americana levou à dificuldade dos Estados Unidos de não conseguirem converter os dólares em ouro. Em 1971, o presidente americano Nixon acabou com a convertibilidade do dólar em ouro. A moeda passa a ter um valor baseado na confiança. As taxas de câmbio passam a ser variáveis de acordo com o mercado.
O problema reside nesta relação de reserva global com os déficits públicos. Por um lado, o dólar necessita de emissões elevadas para satisfazer as necessidades de liquidez internacional, mas por outro, exige déficits permanentes na economia. Em 1959, Triffin tinha alertado o Congresso Americano para esta situação, a que se chama hoje “Dilema de Triffin”.
O próprio Robert Triffin afirmou em 1960 “Uma reforma fundamental do sistema monetário internacional já devia ser feita há muito tempo. A sua necessidade e urgência são ainda mais destacadas hoje pela ameaça iminente ao outrora poderoso dólar americano”.
Curioso! São muito actuais as palavras de Triffin…
Parece evidente que a existência de uma moeda global necessita, principalmente, de confiança.
É possível uma “desdolarização” da economia mundial?
São vários os países que sugerem uma diminuição da hegemonia monetária, económica e política dos Estados Unidos. Os países designados, actualmente, do “Sul” ou países emergentes pretendem que exista uma menor dependência em relação à política americana. O conjunto dos países “BRICS alargado” é, especialmente, um dos que promovem essa autonomia alegando que se tornariam mais protegidos das flutuações financeiras e cambiais.
No entanto, o processo de “desdolarização” global da economia provocaria uma mudança geopolítica que o Mundo ainda não está preparado. Actualmente, ainda não existem moedas nacionais que possam assegurar um mercado alternativo porque a maioria dos países ainda dependem do dólar na realização das suas transações financeiras e económicas, incluindo a Federação Russa e a China. A dificuldade em estabelecer um mercado cambial alternativo é evidente.
A Presidente do Novo Banco de Desenvolvimento (NBD) dos BRICS, Dilma Rousseff afirmou “Eu não vejo, claramente, nenhum sinal de desdolarização. O que eu vejo é muitos países a usar as suas próprias moedas para comercializar. Acho que está a haver muita diversificação e quem decide isso é o mercado […] e até onde eu saiba, o mercado financeiro internacional continua dolarizado“
Estará a China disponível para assegurar que a sua moeda (Renmimbi-Yuan) se transforme em moeda de reserva global?
O novo sistema internacional monetário será lento e gradual. É evidente que vários países já estão a promover políticas para diversificar as suas reservas de divisas, mas o processo será lento até que sejam aceites como moeda de comércio internacional. Alguns países já realizam transações bilaterais nas moedas locais. No entanto, o dólar continua a ser a moeda de reserva global nos mercados internacionais e parece ser possível vislumbrar uma alteração rápida do sistema de trocas.
Mesmo que fosse possível a China assumir a emissão de moeda de reserva global, seria necessário alterar toda a estrutura de produção e alterar os objectivos económicos. A economia chinesa é fundamentalmente superavitária, ou seja, é uma economia de exportação e de baixo consumo interno. A procura de divisas em Yuans levaria a uma valorização da moeda que podia reduzir a competitividade dos produtos chineses e consequentemente a diminuição da produção.
Será este o objectivo da China? Não parece!
Com os diferentes projectos de desenvolvimento “multipolar” criados na última década pela administração chinesa não vislumbramos que exista uma mudança de objectivos económicos. “Esperamos desencadear novas forças econômicas para o crescimento global, construir novas plataformas para o desenvolvimento mundial e reequilibrar a globalização para que a humanidade chegue mais perto de uma comunidade de destino comum“, disse o presidente chinês, Xi Jinping.
Outro argumento a favor da dificuldade na desdolarização reside na dívida pública dos Estados Unidos. A dívida do país está, actualmente, em mais de 120% do PIB, segundo o Tesouro dos EUA. A dívida pública americana é detida em cerca de 30% por investidores estrangeiros, o Japão, o Reino Unido e a China
Nos últimos anos, a República Popular da China tem diminuído a sua participação nos Títulos de Tesouro americanos substituindo-os por ouro. Não os vendem, mas não os renovam. A (des)confiança parece ser um indicador importante para esta posição.
O dólar e a dívida dos EUA continuam a ser seguros?
Por enquanto, a economia americana ainda é a mais forte do mundo apesar da desvalorização da moeda e do aumento dos juros de dívida, os investidores ainda apostam nesse mercado. No entanto, após a imposição de tarifas, os investidores começam a vender os títulos de dívida e a adquirir ouro (valor em alta).
A geopolítica está a mudar!…