Nos anteriores artigos sobre este momentoso tema, tivemos, sobretudo, a preocupação de historiar, ainda que sumariamente, as diferentes opções políticas em torno da gestão do território nacional ao longo dos tempos, e bem assim as diversas soluções que foram sendo encontradas numa lógica de desconcentração administrativa, mais do que, como tantas vezes, erradamente, se considera, de descentralização.
O actual Presidente da República, Prof. Marcelo Rebelo de Sousa, é um reconhecido especialista em direito administrativo e constitucional, pelo que se torna avisado ponderar o seu posicionamento a este respeito – “no nosso quadro constitucional existem modalidades de desconcentração administrativa (a hierarquia administrativa; a coadjuvação; a delegação de poderes e a delegação tácita) e modalidades de descentralização administrativa (a devolução de poderes; a privatização formal e material; a administração autónoma; as regiões autónomas e a delegação intersubjectiva)”.
A desconcentração administrativa de algumas medidas do Governo da República para as autarquias não tem sido mais do que uma simples delegação de competências, geralmente acompanhadas do respectivo pacote financeiro, sendo certo que as autarquias não têm autonomia para alterar o âmbito nem os procedimentos dessas medidas, e o pacote financeiro associado a essas medidas é quase sempre de valor inferior ao que o Estado teria de despender em exercício de administração directa, o que, como é compreensível, leva muitas vezes as autarquias a não aceitarem essa delegação de competências.
Subjacente à desconcentração administrativa está implícito o reconhecimento de que as autarquias governam melhor do que os Governos, pois estando mais próximas da aplicação dessas medidas podem controlar melhor a sua execução. Esta atitude é, porém, contraditória com a imposição de limites orçamentais às autarquias, como ocorreu há alguns anos, sob o pretexto de combater os sucessivos e incontroláveis défices, o que tem um especial impacto na nossa dívida externa, com todas as implicações daí decorrentes. O que sucedeu é que as contas das autarquias foram adequadas aos seus limites, no entanto, a dívida do Estado tem vindo a crescer para valores nunca antes alcançados. Em Junho de 2021, segundo a “Nota de Informação Estatística – Dívida Pública”, emitida pelo Banco de Portugal, “a dívida pública situou-se em 277,5 mil milhões de euros”, o que corresponde a 132,8% do Produto Interno Bruto (PIB), quando em 2019, por exemplo, se situava em 117,7% do PIB, o que equivale a 249.978 mil milhões de euros.
Assim se constata que os sucessivos Governos, que são, inquestionavelmente, os principais causadores do agravamento da dívida pública, têm andado à rédea solta, e as pobres das autarquias – Câmaras Municipais e Juntas de Freguesia – é que têm de apertar o cinto. Enfim, a história há-de um dia fazer justiça aos nossos Autarcas!
Pessoalmente, não tenho dúvidas de que a regionalização do país, assente em pressupostos justos e adequados, será a melhor fórmula de endireitar as contas do país, ao mesmo tempo que tenderá a promover uma situação mais confortável para todos nós, associada ao desenvolvimento e ao progresso regional, num exercício de grande solidariedade intermunicipal. Agora, como é natural, tudo deve ser muito bem definido, para evitar a tentação de aumentar a máquina burocrática e o despesismo com os “jobs for the boys” e outros gastos supérfluos.
O princípio da descentralização, como princípio da organização e do funcionamento da administração pública, encontra-se definido no Artigo 267.º da Constituição da República. O Prof. Marcelo Rebelo de Sousa salienta que a Lei n.º 75/2013, de 12 de Setembro, que institui o regime jurídico das autarquias locais, aprova o estatuto das entidades intermunicipais, cria o regime jurídico da transferência de competências do Estado para as autarquias locais e para as entidades intermunicipais e aprova o regime jurídico do associativismo autárquico. Muito importante!
A presidente da Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP), Luísa Salgueiro, assumiu no encerramento do último Congresso, que “tudo farei para que o processo da regionalização possa avançar e para que os portugueses e as portuguesas percebam que isso vai ser melhor para todos”.
Considerando que as questões financeiras não são decisivas para se avançar na regionalização, a autarca de Matosinhos destacou ser “importante trabalhar junto das pessoas para entenderem que o objectivo de se criar esta nova organização territorial do país é dar-lhes, com os mesmos recursos, mais respostas. (…) Está demonstrado que a gestão mais próxima das pessoas traz melhores resultados, quer do ponto de vista financeiro, quer de impacto na vida das pessoas”, reforçando a necessidade de “haver um nível de organização intermédio entre a administração central e a local”.
Neste mesmo Congresso foi amplamente maioritária a vontade de se assumir por uma vez o processo da regionalização, consagrado na Constituição da República, tendo os titulares dos principais órgãos de soberania – Presidência da República, Assembleia da República e Governo – afinado por este diapasão. Até o presidente do PSD, Dr. Rui Rio, que anteriormente era contra a regionalização, assumiu agora a sua disponibilidade para apoiar este processo, embora num quadro de equilíbrio e moderação dos poderes a definir para estas novas estruturas da administração pública.
Segundo João Pedro Matos Fernandes, actual Ministro do Ambiente e Acção Climática, “O território tem de estar no centro das políticas públicas. Não podemos continuar a produzir políticas sectoriais como se ele fosse uma pátria onde acontecem fenómenos, mas sim perceber o território como um agente de transformação, do qual temos de saber tirar o máximo partido, e ao qual temos de saber impor limites.”
O Presidente da República afirmou no encerramento do Congresso da ANMP, que “a regionalização até pode ser boa”. Para que tal aconteça, segundo o Prof. Marcelo Rebelo de Sousa, “é preciso que o processo seja desejado pelos portugueses em referendo e que cumpra mais três condições: visão, sensatez e consenso nacional. Se assim for será um serviço inestimável a Portugal”, advertindo, contudo que, uma regionalização “mal concebida, mal explicada, mal concretizada, isto é, sem visão, sensatez e consenso nacional, será matar a ideia de regionalização em Portugal e dará força aos centralismos, aos populismos, aos temores e aos adversários da regionalização. Nesse sentido não servirá Portugal”.
Os dados estão uma vez mais lançados, esperando-se agora pelo desenvolvimento do processo, que só deverá ter o seu epílogo lá para os finais da próxima legislatura. Aguardemos e, entretanto, oxalá possamos ir reflectindo sobre o assunto!
AO CORRER DA PENA… Ludgero Mendes