Aníbal Vieira – Direcção do Centro Social Interparoquial de Santarém

As instituições de resposta social da região, em particular as de apoio aos idosos, prepararam, com antecedência, planos próprios de contingência face ao novo coronavírus, tendo em conta as orientações da Direcção-Geral de Saúde (DGS). A ministra da Saúde, Marta Temido, tem deixado claro que a “preocupação central” do Governo se foca, agora, nas estruturas residenciais para idosos, independentemente da sua tipologia. Na região, a tutela tem deixado elogios à forma como as instituições têm reagido, salientando que existe “prontidão na resposta e que os meios estão preparados”. O Correio do Ribatejo contactou quatro instituições que estão na linha da frente da protecção aos mais frágeis: Centro Social Interparoquial de Santarém, Misericórdia de Pernes, ARPICA e Fonte Serrã que explicam as medidas tomadas para combater a Covid-19.


Centro Social Interparoquial de Santarém: “A regra de ouro é reduzir, proteger e evitar”

Que medidas preventivas foram tomadas face à pandemia do COVID-19?
Logo que surgiram os primeiros casos, no País, ficamos muito atentos, até porque temos, na direcção do Centro Social Interparoquial de Santarém (CSIS), pessoas muito sensíveis a estas questões e que, de facto, perceberam a gravidade do que aí vinha. Se, ao nível do País, tratámos, e temos vindo a tratar isto como uma situação muito grave, também nós sentimos essa obrigação, quase que a dar o passo ainda antes de nos ser mandado dar. Quando começa a vir para público aquilo que seria para fazer, nós já estávamos a pôr em prática uma série de medidas. Elaborámos rapidamente o nosso Plano de Contingência, adoptando diversas medidas preventivas, nomeadamente a escolha de um local para zona de isolamento em caso de situações suspeitas, obrigatoriedade de uso de material de protecção individual e a suspensão de visitas, entre muitas outras que emanam das recomendações da DGS. Em termos de organização interna, adoptámos a divisão de equipas. Cada uma trabalha durante uma semana enquanto a outra fica em casa, de forma a garantir uma equipa de segunda linha. Por outro lado, a valência de Centro de Dia foi encerrada e o apoio domiciliário reorganizado e reforçado: centralizámos, na cozinha do Milagre todo o apoio domiciliário que, neste momento, apoia directamente cerca de 91 pessoas. Nesse local, convém referir que temos a funcionar também a vertente das Cantinas Sociais dando refeições a 21 famílias. Existem pessoas em situações complicadas, com carências enormes, que precisam deste apoio que continuamos a prestar, nomeadamente situações em que a escola não respondeu, durante alguns dias, e nós articulamos com a autarquia de Santarém para que esse apoio não falhasse. Julgo que a actuação do Município, em parceria com a Cáritas, tem sido determinante para que não haja fome.

Quais são as maiores dificuldades sentidas?
Julgo que as dificuldades são transversais a todas as instituições: estamos a gerir uma situação nova e da qual não se vislumbra um fim próximo. A questão dos recursos humanos, quanto a mim, é vital neste momento. Os funcionários estão no limite, numa situação em que só entram de semana a a semana. E, além disso, o facto de o Centro de Dia ter sido reconvertido em serviço de Apoio Domiciliário significa que é preciso mais gente. O que acontece é que, felizmente, com a colaboração das pessoas afectas às valências da educação, conseguimos fazer estas equipas para poder salvaguardar a tal situação de alguma equipa ficar na contingência de não poder trabalhar.
Por outro lado, temos a questão da sustentabilidade. As instituições de cariz social sobrevivem com as verbas que recebem da Segurança Social e da comparticipação dos utentes. Mas, é bom que se tenha a consciência que esse montante não é suficiente para os encargos. As receitas são escassas e a tesouraria está no limite. Agora, com o escalar desta situação, corremos o risco de entrar numa situação de ruptura financeira. De momento, só conseguimos garantir todas as nossas valências de apoio à comunidade porque, para além de uma gestão muito cautelosa e rigorosa, tivemos algumas ofertas extraordinárias significativas, nomeadamente de alguns mecenas e da própria autarquia. Caso contrário ficávamos numa situação insustentável.

Em termos de equipamentos de protecção dos trabalhadores, como conseguiram resolver esta questão, visto que há escassez no mercado?
Comprámos logo no início o mais que pudemos. Entretanto, também nos tem sido oferecido algum material, o que agradecemos. Ainda há bem pouco tempo, os trabalhadores de uma empresa de telecomunicações organizaram-se e deram-nos 100 batas de protecção individual, que são reutilizáveis. São gestos destes que nos sensibilizam muito. Em relação a máscaras, já tivemos ofertas e comprámos também, e o mesmo acontece com as luvas e restante material. Quanto ao gel, temos conseguido um pouco mais caro no mercado, mas conseguimos de empresas credíveis. Temos mantido a clara preocupação de adquirir material a empresas que têm credibilidade.

Defende que devia haver um apoio extraordinário por parte do Estado para fazer face a esta situação para as instituições?
O facto de o Estado estar a garantir os mesmos valores do subsídio, nesta altura, é já uma grande ajuda. Isso permite-nos um certo espaço de manobra, até para negociar com as famílias que estão incapazes de cumprir com as suas obrigações. Acho que as pessoas deviam perceber essa situação. Depois desta grande tempestade, então teremos que ver o que na verdade pode acontecer. Neste momento, penso que estar a abrir cordões à bolsa demasiado, estar a dar gestos de generosidade, sem que esta seja devidamente ponderada, estaríamos a criar aqui situações complicadas que, no futuro, se tornariam insustentáveis. Ou seja, neste momento, tem de imperar o sentido de responsabilidade e de solidariedade para que, quando tudo isto passar, ou quando abrandar, conseguirmos retomar uma certa normalidade. Só nessa altura é que se poderão ver quais a contas que temos de diminuir, ou os ajustes a fazer. No caso do CSIS, e em concreto em relação às repostas da infância, não existem ainda indicações claras. Não se sabe se vão ou não abrir estas valências a curto ou médio-prazo. Quando existir uma decisão da tutela, aí teremos que analisar e, naturalmente, espero que o Estado esteja atento.
Esta pandemia agora veio baralhar as contas todas. Mas há instituições que não têm já o suficiente para cada dia. Vai ter, certamente, que haver aqui uma forma de garantir a sustentabilidade das instituições, com alteração do modelo., com uniões, por exemplo.

Concorda que a prioridade, nos Lares, deveria ser “testar, testar, testar”?
Os testes, por si, não são garante de nada. Testar quem tem sintomas ou quem esteve em contacto com alguém que está infectado, faz sentido. Agora, fazer testes por fazer, quando ninguém tem qualquer sintoma é só multiplicar, dando uma falsa sensação de segurança: inclusive, a pessoa pode, num dia não ter sinais e, no dia seguinte já ter. O que é fundamental é, na minha perspectiva – e temos pedido isso incessantemente aos nossos colaboradores – que se reduzam o mais possível as relações interpessoais. A regra de ouro é: reduzam, protejam, evitem. Numa situação de alguém ficar infectado, se o número de pessoas estiver bastante controlado, consegue-se saber e estar atento a todos os sinais neste núcleo. E aí penso ser útil testar todos quantos tiveram contacto. Mas testar só por testar não me parece boa prática: só vamos aumentar o tempo de espera, porque aumenta o número de testes, e não há capacidade de resposta do sistema e isso é contraproducente.

Muitos Lares estão a apelar ao voluntariado para fazer face à falta de pessoal. No caso em concreto, como se está a proceder?
Nós fizemos esse apelo nas redes sociais e já temos alguns jovens que se disponibilizaram a ajudar, em termos do serviço de Apoio Domiciliário. Lançámos a mensagem recentemente e temos já um grupo de voluntários. Estamos a caminhar com eles para que se amenizem algumas situações de isolamento de pessoas que estavam em Centro de Dia e agora estão confinadas aos seus lares.

O presidente da Associação Nacional de Gerontologia Social afirma que “só se resolve esta questão nos lares de idosos com um regime de internato dos trabalhadores”. Concorda com este ponto de vista?
Penso que essa situação se coloca quando há desconfiança. Tenho conhecimento de dois ou três casos em que já existiu essa desconfiança. E, de facto, foram os próprios trabalhadores que aceitaram, voluntariamente, ficar nesse regime. De resto, como já referi, penso que o essencial é continuar com as medidas de autoprotecção, cuidado redobrado, reduzir as relações interpessoais. No fundo, seguir as recomendações emanadas das autoridades de Saúde e restantes autoridades.

O que mudou na rotina do Lar?
As mudanças foram várias e de vária ordem. As alterações repercurtem-se em acções mais cuidadas e informadas. Em termos de dinâmica, adaptámos espaços, afastámos mesas do refeitório, afastámos cadeiras, realizamos arejamentos constantes e fazemos acções de desinfestação regulares. Há toda uma rotina que se impõe às pessoas para não estarem próximas umas das outras. Em vez de duas salas de estar, arranjámos três ou quatro. Foram medidas que todos tiveram que fazer. Os espaços tiveram que ser convertidos. No nosso caso, por exemplo, um espaço que, normalmente, era usado para actividade física, passou a ser utilizado como sala de isolamento; o espaço de visitas foi convertido em sala de estar. Foi preciso arranjar alternativas. E, aqui, destaco o papel dos funcionários que, literalmente, andaram com a ‘casa às costas’ para que tudo ficasse preparado.

O que têm feito para diminuir o isolamento dos idosos, impedidos de receber visitas?
Tudo se reinventa, neste momento, mesmo ao nível da comunicação. Logo desde o princípio que procuramos ter, todos os dias, e durante algumas horas, alguém só para fazer as ligações, quer de voz quer por videochamadas, já que muitos se adaptaram a isso. Tem sido feita também a ‘gracinha’ de cada um dar a sua mensagem na página de Facebook da instituição. Há uma série de acções e medidas que tentamos implementar para procurar aliviar este sentimento de isolamento. Mas, felizmente, não temos tido qualquer problema. As pessoas estão calmas e não entraram em pânico, sobretudo porque existe um laço de confiança muito forte que está criado.

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