Apesar de já ter ultrapassado a maior parte do tempo que é concedido para andar por aqui, há realmente coisas que ainda me irritam solenemente, como se fosse uma espécie de urticária. Como sabem, por mais que a cocemos ela não passa, mas apesar disso só paramos quando conseguimos fazer sangue na área afectada pelo mal.

Concretamente, refiro-me a este dilema de esquerda e de direita, que divide a vida política dos povos democráticos e que nos separa, como se o mundo tivesse uma muralha da China a envolver o planeta. 

Sendo que, os que são de esquerda sentem-se iluminados, pensadores predestinados para saber de antemão o que é bom para o povo, mas sobretudo ostentam uma superioridade moral que querem para si em exclusivo, como se tivessem sido tocados com um dom sobrenatural.

Tudo o que é proposto pela esquerda é progresso, mas o que vem da direita é sempre retrocesso. Se uma medida ou um conjunto delas resolve problemas que se vêm arrastando, logo a esquerda chama os microfones para dizer que aquelas soluções eram facílimas de fazer. Mas se era assim porque não as tomaram? Refiro-me à função pública, aos professores, aos médicos, aos policias e lembro os mais mediáticos.

Por que razão é que o fazedor do Mundo haveria de colocar todos os inteligentes à esquerda e os burros à direita?

Entendo que as pessoas podem ter ideias contrárias para a resolução dos problemas e que façam esforços para as apresentar e debater, procurando com isso arregimentar partidários para as suas causas e se o conseguirem melhor para elas. O que me faz a tal urticária é constatar que tudo, mas atentem bem porque é tudo, o que vem sugerido, proposto ou apenas pensado, pelos de direita, não serve, não está bem e é atraso, prejuízo para todos e não serve. O que vem da esquerda aporta progresso, desenvolvimento e inovação. Lá está a superioridade moral a que me refiro.

Vou-lhes narrar um facto verídico, que se passou com o contador da história, decorria o Verão do ano de 1974.

Trabalhava eu então numa empresa de produtos para animais, sendo que um dos donos dessa empresa era um conceituado médico veterinário que, de quando em vez, visitava clientes nas suas explorações pecuárias.

Aquele era um tempo em que se falava de política de manhã à tarde e à noite. Depois de tantos anos sem poder falar dela, quando veio o 25 de Abril, foi um fartote e todos diziam tudo a todos sem problemas. 

Vim a saber que aquele clínico tinha sido e continuava a ser consultor de Álvaro Cunhal para o sector agrícola e pecuário.

Numa saída que fizemos juntos, abordou-se em determinada altura a questão da reforma agrária e a concretização inevitável que era “a de ser a terra para quem a trabalhava” e que a reforma agrária, com as suas ocupações, teria de avançar sobretudo pelo Alentejo.

Aventurei-me então a chamar a atenção ao meu interlocutor, recordando que ele era proprietário de apartamentos em Lisboa e na Ericeira, mas também no Alentejo tinha um monte que, por vezes, visitava. As coisas iriam estar mal para ele.

Com tranquilidade, ele deu-me a resposta que define bem o tema desta crónica.

– Nós, os quadros superiores do partido, temos de ter a mente despreocupada para nos debruçarmos sobre as questões que venham a servir os interesses do nosso povo. Para isso, a nossa vida será o que sempre foi e não tenho receio de que me ocupem nada.

Apenas lhe disse: – Muito bem Doutor. Nunca tinha pensado nisso…

Ele era um ser moralmente superior! Fadado para guiar o bem do povo!

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