Continuamos hoje a falar de sacerdotes missionários que, pertencentes ao Padroado Ultramarino Português, assinado entre o Rei e o Papa, iniciaram a sua atividade logo nos inícios da Expansão, acompanhando inicialmente os comerciantes e exploradores portugueses. No início do século XV, o Padroado Ultramarino abrangia as igrejas católicas do Norte de África e da Madeira, sendo que no seculo XVI, o Padroado começou a abranger todas as igrejas católicas do Império com os seus clérigos e missionários  subordinados ao rei de Portugal. Se na última crónica referimos alguns em aspetos como inovar, proteger e lutar, falemos hoje de outros que se destacaram no Império pela sua erudição, coragem e outros ainda pela sua participação revolucionária. Alerto, porém, que as meritórias intervenções não se limitaram aos poucos que para aqui trago, mas a muitas centenas, sendo que muitos pagaram com a vida a propagação da sua fé. 

1.Em 1583 dois padres deste Padroado Ultramarino, os padres Matteo Ricci e Michele Ruggieri, saídos de Macau, estabelecem-se na cidade de Tchao-King no interior da China. Esta missão foi o primeiro passo da expansão missionária por todo o império chinês. A criação em Macau do Colégio de São Paulo, em 1594, fez com que todos os jesuítas, que viessem prestar serviço na China, passassem sempre primeiro por aqui, onde aprendiam a língua chinesa e outras disciplinas do saber chinês, incluindo as doutrinas confucionista e taoista bem como os costumes locais, estabelecendo contactos com os nobres e intelectuais chineses. Matteo Ricci ensinou matemática, astronomia e geografia. Pelo seu conhecimento de astronomia, conseguiu estabelecer-se em Pequim em Janeiro de 1601, pois a astronomia ocidental estava mais adiantada que a chinesa e alcançava resultados práticos que os orientais não obtinham, nomeadamente na previsão dos eclipses, desempenhando um papel importante na reforma do calendário chinês, um instrumento básico de uniformização da vida civil, da coleta de impostos, da organização das colheitas para uma sociedade com uma população já de muitos milhões. Outros serão chamados pelo Imperador para Pequim pelos seus conhecimentos de astronomia, geografia, cartografia, matemática e até música, sendo que o Imperador os faz mandarins da Corte. Tiveram como missão reconstruir, equipar ou integrar o Observatório de Pequim, o Observatório Astronómico, o Tribunal das Matemáticas, etc. Destaco o padre Tomás Pereira e o padre André Pereira, respetivamente em 1672 e 1689, o primeiro porque músico e poliglota participou no Tratado de Nerchinsk entre a China e a Rússia, o segundo porque se tornou astrónomo e matemático da corte e foi promovido à presidência do Tribunal Astronómico. Estes “padres da corte imperial” introduziram desde o início conceitos ocidentais de bem-estar social, estabelecendo os primeiros hospitais de modelo ocidental na China, dispensários, orfanatos, instituições de caridade, etc. Mesmo depois do édito imperial de 1724, que expulsa os cristãos da China, são autorizados a residir em Pequim e continuaram a ocupar lugares de relevo.  Alcançaram eles tal influência política que foram várias vezes decisivos na defesa das posições portuguesas em Macau. É bem possível que esta cidade tenha sobrevivido na imensidão da China graças à presença destes sacerdotes jesuítas em Pequim. 

2.Falemos agora de alguns padres que se destacaram pela sua bravura, não em campos de batalha como o padre luso-goês António de Noronha, em S. Tomé de Meliapor que foi território português de 1530 a 1662, que com o seu brio militar, combateu liderando os portugueses contra os britânicos, voltando a distinguir-se militarmente, na conquista da fortaleza de Mordongod e das praças de Pondá e Zambaulim, então na posse da Confederação Marata, ou ao serviço do Grão-Mogol que o elevou a nababo com o título de “Xamadur bahadur dilavargenga”, isto é “espada invencível de coração guerreiro”; ou o padre oratoriano José Vaz, um brâmane cristianizado, que liderou e fortaleceu a resistência dos católicos de Kandy contra os holandeses calvinistas conquistadores de Ceilão. O que pretendo destacar é a bravura de uns poucos em introduzir-se em espaços inacessíveis para cristianizar e aqui destaco os Padre Francisco de Xavier e António Andrade. Francisco Xavier entre 1542 e 1552 pregou em Manaar, Manapade, Costa da Pescaria, Tuticorim, Halmahera, algumas, áreas de caçadores de cabeças onde aos indesejados se servia comida envenenada e, porque lhe foi sugerido levar um antídoto, respondeu que “preferia colocar a sua confiança em Deus”. António Andrade porque, falando persa e disfarçado de mouro, vencendo a natureza e a crueldade humana, como intempéries, precipícios, e avalanches medonhos, onde perdeu alguns dos dedos, ou vencendo tribos muçulmanas fanáticas e bárbaras, chegou ao teto do mundo em 1624, nos Himalaias, lançando a 1ª pedra da igreja da Virgem da Esperança a 6 000 m de altitude sendo o primeiro europeu a escalar até ao Tibete.

3. Os padres revolucionários que acima referi trata-se de José Inácio Ribeiro de Abreu e Lima no Brasil e os padres José António Gonçalves Divar e  José Custódio Faria  em Goa. José Inácio Ribeiro de Abreu e Lima, foi um dos líderes da Revolução Pernambucana , que contou com 5 padres entre os seus dirigentes e que eclodiu no dia 6 de Março de 1817 em Pernambuco, no Brasil. Revolução de origem maçónica, foi um movimento de caráter liberal e republicano, contra o absolutismo monárquico português e os enormes gastos da Família Real e seu séquito no Brasil, devido às invasões francesas. José António Gonçalves Divar e  José Custódio Faria (depois conhecido como “Abade Faria”) que lideraram vários clérigos, naturais de Goa, e militares, quase todos eles indivíduos sem préstimos e, bastas vezes degredados, todos eles por se sentirem discriminados nas promoções de carreiras, por se dar primazia aos portugueses idos da Metrópole. Denunciada a conspiração em 1787, foi esta exemplarmente reprimida pelas autoridades do Império. Surpreendentemente os dois sacerdotes cabecilhas da revolta conseguiram fugir e os demais implicados, foram trazidos para Portugal e detidos na Fortaleza de São Julião da Barra. Terminado os autos e inquéritos, foram os leigos, julgados por alta traição e condenados à forca, sendo os seus corpos esquartejados. O Abade Faria que escapara para França, estudioso da hipnose, alcançaria aqui alguma fama, que no início lhe trouxe uma enorme clientela e logo uma pronta reação de descrédito, sendo rotulado de maníaco e bruxo. Uma versão ficcionada sua é o de uma personagem do romance “O Conde de Monte Cristo”, de Alexandre Dumas. 

[A. Teixeira (1), A. P. Gomide (2), M. J. Mártires Lopes (3). Por decisão pessoal, o autor não escreve segundo o Novo Acordo Ortográfico].

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