Na passagem de mais um aniversário sobre a data do seu nascimento, dia 3 de Maio de 1917, lembremos essa figura inolvidável de António Ferreira Madeira Cacho, cuja memória é sempre grata pelo tanto que se deu à nossa terra e às nossas causas, mau grado ter nascido no vizinho concelho da Golegã, de onde veio para Santarém com pouco mais de dez anos, para fazer os seus estudos liceais.
Evocar este ilustre cidadão não é, apenas, preitear o testemunho de amizade e o preço da saudade, é, sobretudo, homenagear um Homem que se tornou uma referência nas diversas facetas da sua vida familiar, social, profissional e cultural.
Esta evocação reveste-se ainda de maior pertinência quando é certo que vivemos um tempo em que os mais fundamentais valores de uma convivência sadia e respeitosa estão postos em causa. Não sou dos que pensam que o futuro é sempre mais negro do que foi o passado, e acredito que as novas gerações hão-de construir um mundo mais feliz e agradável para viver do que o nosso, mau grado que sempre receemos o que possa estar para vir, especialmente quando nos damos conta de tanto radicalismo e de tanta intolerância que marcam a nossa época.
Os conflitos inter-geracionais são de sempre, pois já José Saramago nos lembrava que “Muito sabe o velho o que não pode e muito pode o novo o que não sabe”! Nem mais, com esta tão bela frase Saramago adverte-nos que deveremos conciliar a sabedoria dos mais velhos com a pujança dos mais jovens, não se desperdiçando a experiência dos que começaram a sua caminhada mais cedo, nem o dinamismo dos que estão agora a iniciar o seu caminho.
António Cacho foi um Homem sublime, pautado por uma inteligência brilhante e por uma capacidade de trabalho notável, a quem a vida pouco sorriu, o que não obstou a que se impusesse numa sociedade tão competitiva como a que conheceu.
Tendo ficado órfão de pais ainda muito novo, António Cacho assumiu o governo de uma casa de cinco irmãos, esquecendo-se de si para que nada lhes faltasse. Abandonou o sonho dos estudos e dedicou-se ao trabalho para prover o sustento dos irmãos e poder assegurar-lhes o acesso ao liceu e mais tarde à universidade. Um, o Carlos, haveria de se notabilizar como físico nuclear. Concluiu a licenciatura em Ciências Físico-Químicas pela Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, onde passou a ser assistente. Em 1949 saiu do país para ser bolseiro do Instituto de Alta Cultura na Universidade de Chicago, trabalhando durante quatro anos no Instituto Enrico Fermi. Frequentou, depois, durante dois anos, a partir de 1954, a Universidade de Oxford, contactando nesta época Albert Einstein. Regressou a Portugal em 1956, tornando-se Director-geral da Junta de Energia Nuclear, exercendo mais tarde as funções de primeiro Director do Laboratório de Física e Engenharia Nucleares.
Aos outros irmãos, Francisco e Rui, proporcionou as mesmas oportunidades, que, porém, não aproveitaram na mesma medida, embora todos tivessem uma situação profissional digna e confortável. Contudo, o benjamim da família Cacho, o Manuel, viria a falecer muito novo vítima de tuberculose.
Não obstante as atribulações para garantir aos irmãos os estudos e a estabilidade de um futuro profissional, António Cacho trabalhou de dia e de noite para progredir profissionalmente, tendo obtido um curso de técnico de contas, que lhe abriu novos horizontes e haveria de ser determinante para a sua actividade profissional, na Camionagem Ribatejana, e empresarial, na Gráfica Galdete, Lda. e na Agência Central de Viagens e Turismo de Santarém.
Recordamos com profunda saudade este grande Amigo que derramou as suas excelsas qualidades de Homem de bem, inteligente, culto, íntegro e honrado ao serviço da Associação Académica de Santarém, do Teatro Taborda, do Clube Literário “Guilherme de Azevedo”, da Rádio Ribatejo, dos “Jograis de Santarém”, da Feira do Ribatejo – Feira Nacional de Agricultura, do “Correio do Ribatejo”, com o qual colaborou mais de meio século, da Santa Casa de Misericórdia de Santarém, da Região de Turismo do Ribatejo, da Associação de Estudo e Defesa do Património Histórico-Cultural de Santarém, da APAVT – Associação Portuguesa de Agências de Viagens e Turismo, do Festival Nacional de Gastronomia, a par da dinâmica participação em comissões promotoras de homenagens, entre outras, a Celestino Graça, ao Dr. Joaquim Gonçalves Isabelinha, ao Prof. Doutor Joaquim Veríssimo Serrão, a João Gomes Moreira, a César Marinho e à edificação do Monumento ao Forcado, cuja Comissão Promotora liderou.
Cumpre, também, enaltecer a aptidão de António Cacho para o desporto, notabilizando-se primeiro como praticante e, mais tarde, como treinador de basquetebol, tendo conquistado o título de campeão distrital para a “briosa” Associação Académica de Santarém, clube eclético com o qual muito colaborou especialmente na sua secção cultural, coadjuvando o saudoso Prof. Joaquim Veríssimo Serrão. Entre os anos de 1938 e 1961 António Cacho integrou por diversas vezes os órgãos sociais da “Briosa”, tendo criado em 1945 o Grupo Cénico da Académica, e também esteve ligado à organização de palestras e de interessantes ciclos de conferências até ao ano de 1962.
Mau grado a sua atribulada juventude, devido às obrigações familiares e profissionais, António Cacho representou diversas peças de teatro, fez o Curso de Expressão Dramática e Arte de Dizer, ministrado pelo Prof. Carlos Sousa, integrou, com o saudoso amigo João Moreira, a dupla de palhaços “Tonecas e Juanito”, e fez parte dos “Jograis de Santarém”, com Carlos Mendes, Nuno Netto de Almeida e Virgílio Barrera.
Integrou em diversas ocasiões os órgãos sociais do Círculo Cultural Scalabitano e fez parte da Comissão Executiva da Feira do Ribatejo – Feira Nacional de Agricultura, durante cerca de vinte anos, a convite do seu dilecto amigo Celestino Graça, com quem colaborou igualmente na organização do Festival Internacional de Folclore de Santarém.
Com a sua vasta cultura e imensa perspicácia muito aprendemos sobre a mundividência popular das gentes do Ribatejo, tendo-nos orientado no sentido de desvendarmos aspectos fundamentais da cultura tradicional ribatejana, pois, António Cacho, sendo um cidadão do mundo, pelas dezenas de países que visitou em todos os continentes, era muito sensível às questões da cultura popular, fruto da descoberta das singularidades específicas de cada comunidade e da particularidade das respectivas manifestações sociais, culturais, económicas e políticas.
António Ferreira Madeira Cacho viria a falecer na Cidade de Santarém, onde residiu praticamente toda a sua vida, a 18 de Outubro de 2004, deixando mais pobre a nossa comunidade pelo que representa a sua acção e, sobretudo, o seu exemplo de vida.
António Cacho estará sempre Presente na memória e no coração dos seus amigos que ainda o lembram com infinita saudade.