Livraria preferida dos portugueses em 2020, a “Aqui Há Gato”, é muito mais do que uma livraria: é, antes, um espaço de criação, nas artes cénicas, teatrais e plásticas, onde os livros são escolhidos a dedo para crianças de todas as idades, para onde se é conduzido por patinhas de gato coladas na calçada das ruas do centro histórico de Santarém.
“Ao longo de 15 anos, fomos dando um passo de cada vez. Estamos a construir um caminho” a partir de “um sonho muito desejado”, diz Sofia Vieira, promotora do “Aqui Há Gato”.
Sofia nasceu em Santarém, em 1979. Licenciada em Psicologia Educacional pelo Instituto Superior de Psicologia Aplicada (Lisboa) e formada em Educação pela Arte e em Arte Terapia, decidiu lançar mãos à obra e construir, de raiz, este projecto inovador.
“Depois de terminada a licenciatura, tive a sorte de começar logo a exercer (escolas, jardins de infância, Aldeia SOS da Guarda, Centro de Emprego de Moura). No entanto, em todos os contextos, eu sentia que apesar de trabalhar muito, nunca era o suficiente para sentir o meu contributo como verdadeiramente eficaz. Aliado ao meu gosto pelas Artes e pela literatura infantil, a psicologia foi sendo complementada com formação em Arte Terapia e Educação pela Arte, surgindo o sonho de criar um espaço onde pudesse reunir as três vertentes: Psicologia, Arte, Literatura Infantil e assim surgiu este projecto”, conta.
Assim, desde 2007, é impulsionadora do projecto “Aqui há Gato” (www.aquihagato.org), uma associação com um plano educativo e artístico dinamizado em jardins de infância, escolas, bibliotecas e teatros, com várias valências, entre as quais livraria infantil, companhia de teatro, e oficinas de arte para bebés e crianças até aos 12 anos.
“A “Aqui Há Gato” é fruto do gosto partilhado pela Arte e pela Educação. Para além de ser uma livraria especializada na infância, onde os livros têm um lugar muito especial, as crianças podem descobrir a arte através das diversas oficinas artísticas (teatro, música, dança, escrita criativa, pintura, escultura. A realização deste projecto surgiu da necessidade de reconhecer a importância do Livro Infantil na educação das nossas crianças, bem como de incentivar a criança enquanto ser Criativo e Artístico”, reforça.
A Livraria, implementada no Centro Histórico de Santarém, assume-se, assim, como um “espaço mágico” onde a Literatura Infantil, a Psicologia, a Educação e Arte caminham lado a lado com um único foco… o bem-estar da Criança.
Por isso mesmo, a “Aqui Há Gato” é muito mais do que uma livraria: além dos livros infantis, alguns deles de editoras “muito pequeninas”, há sessões de histórias, oficinas de artes e noites temáticas.
Um “lugar muito especial” que conquistou os que seleccionam as livrarias “Emblemáticas de Portugal” e tem estado entre as “preferidas dos portugueses”.
Sofia salienta a importância do livro infantil recorrendo a técnicas dramáticas, permitindo às crianças entrarem no mundo mágico e deixarem-se estimular pelas personagens que habitam nos livros infantis.
“Considero que se lê cada vez mais, e que o livro infantil deixou de ser visto como livro “apenas” para crianças. A leitura é fundamental para muitas áreas, mas, sobretudo, a nível emocional. Com uma boa história, aprendemos a viver”, diz, com um sorriso.
Foi, por isso, com muita emoção que Sofia Vieira recebeu a notícia que a “Aqui Há Gato”, foi, finalmente, eleita a “Livraria Preferida” dos portugueses, depois de vários anos a estar entre as quatro mais votadas.
Sofia Vieira mantém o lema de se reinventar constantemente, não escondendo o alento que representa o reconhecimento de “uma pequena livraria independente”, numa cidade como Santarém.
“Este é um reconhecimento das pessoas. São elas que votam. Não há outros critérios. E quando são as pessoas individuais, muitas que nem conheço, fico muito feliz”, confessou.
Para a psicóloga educacional, actriz e contadora de histórias, a distinção é um “reconhecimento pelo serviço público” prestado, sobretudo durante a quarentena imposta pela pandemia da Covid-19.
O prémio foi também “um reconhecimento de que a vida das crianças fica diferente” com o contar de histórias, disse, salientando não ter sido a única a fazê-lo nestes tempos difíceis.
“Sem cultura teriam sido dias ainda mais difíceis”, afirmou, sublinhando que “um país que não valoriza a cultura não pode ser feliz”.
“Até Março de 2020, a “Aqui Há Gato” foi um espaço cultural em Santarém, uma livraria infantil e independente onde as crianças eram convidadas a despertar para a literatura, imaginação e arte, onde foram criativas, curiosas e confiantes! Com uma programação anual na livraria, aos sábados realizava-se a Hora do Conto ou Teatro às 11h30, e as oficinas de Arte às 12h00. Também os bebés não eram esquecidos. Realizávamos sessões de pintura ou de música, e histórias destinadas a eles. Mas o “Aqui Há Gato” queria espalhar mais magia e levava sessões temáticas e artísticas a escolas, bibliotecas, teatros”, conta.
A livraria alimentava-se, pois, de uma estreita relação com o público que a frequentava, das actividades que promovia e de uma oferta criteriosa de títulos.
“Foi sempre difícil, desde o primeiro dia em que abrimos portas. Foi sempre uma luta para sobreviver com a venda do livro presencial e por isso era fundamental procurar sempre livros diferentes, únicos, especiais… livros com autores e ilustradores que merecem ser conhecidos, divulgados e acarinhados pelas livrarias que recebem e cuidam do seu tesouro. Livros que são apresentados ao cliente com o valor que merecem, despertando para novas ilustrações, novos conteúdos”, confessa.
A venda online não era uma aposta e tudo dependia das relações de proximidade, nomeadamente com as famílias que participavam na programação regular e que se tornaram clientes fiéis em busca de qualidade e de conselhos.
Contudo, com a pandemia e o fechar de portas, a livraria teve de repensar o seu modo de chegar a esse público e de manter uma relação tão próxima quanto possível, apesar dos profundos constrangimentos. Aconteceu, então, o que era inevitável: era imperativo apostar no online. E o resultado foi surpreendente.
“No dia 14 de Março, quando todos ficaram em casa, a “Aqui Há Gato” ficou com a sala das histórias vazia, a sala da oficina vazia e a livraria com muitos livros nas prateleiras à espera de serem abertos para ganharem vida… e assim foi. Sabíamos que era importante dar o melhor de nós, e se o melhor de nós era contar histórias, assim fizemos, todos os dias nas redes sociais. Estávamos sozinhos perante dois telemóveis, mas rapidamente percebemos que havia muitos olhos a brilhar do outro lado, ansiosos por ouvir histórias que aquecessem o coração…”, confidenciou.
“Além de quererem ouvir as histórias, as pessoas também queriam que o livro estivesse na sua casa, e as vendas online foram-nos sustentando durante meses a fio. Se alguém dissesse que era possível nós éramos os primeiros a duvidar. Foi um pequeno grande milagre que vivemos. Actualmente, continuamos com as plataformas digitais muito activas e tentamos reinventar-nos, sempre, a toda a hora”, conta.
O retorno foi mensurável não apenas pela sustentabilidade da livraria, mas muito pelo número de pessoas que aderiram às propostas online e que passaram a seguir a livraria nas redes sociais. O seu alcance cresceu e foi possível verificá-lo quando se reabriram portas e o público regressou para comprar livros e visitar o espaço.
“Apesar de tudo, o público que já nos conhecia e o público que nos descobriu e nos segue nas redes sociais tem sido muito generoso, muito companheiro e muito curioso para conhecer livros novos”, diz Sofia Vieira.
As histórias contadas diariamente em directo trouxeram novos amigos de todo o país e também de comunidades portuguesas no estrangeiro e de países de língua oficial portuguesa, dando origem a comentários e a episódios que a emocionam.
“Tenho crianças de todo o país, e mesmo do estrangeiro, que pedem aos pais para virem a Santarém conhecer a livraria, verificar que não é um sonho, que existe mesmo”, disse.
“A aposta é continuar. Continuar a mostrar online e presencialmente tudo o que o “Aqui Há Gato” tem para oferecer, quer ao nível de novidades, de fundos ou de programação: estreitar laços, alimentar a relação com o público e vender livros”, afirma Sofia Vieira, que desenvolve trabalho como actriz, cenógrafa, animadora, contadora de histórias.
Como intérprete, já participou em várias produções, entre as quais “Princesa porque bocejas tu?”, “Trono do Rei”, “200 amigos (ou mais) para uma vaca”, “Pássaro da Alma”, “Nos mares do fim do mundo – de Bernardo Santareno, adaptação para crianças”, “Ninhos, teatro para bebés, “Viagem ao Centro da Terra, Teatro de Luz Negra”.