Conta-se uma história antiga que bem pode servir de porta de entrada para o tema desta semana. Numa aldeia recôndita do nosso país, em um lugar onde todos se conheciam, numa bela manhã de sol, um jovem de olhar decidido, e armado com um grosso varapau, ia rua acima, com passo decidido e cara de poucos amigos.

Perguntado onde se dirigia, limitou-se a responder, quase entre dentes, que ia ali tratar de um assunto.

Passado algum tempo, eis que torna de volta, mas agora já devagar, roupa rota e em desalinho, queijado partido, algumas equimoses na cara e sinais evidentes de que tinha havido luta grossa. O mesmo inquiridor, voltou a perguntar-lhe o que se passara, porque por ali as novidades eram raras.

– Eu não te disse há pouco que ia ali tratar de um assunto? Olha para mim. Não dei, mas levei. Não interessa. É igual. O serviço fez-se! Assunto tratado!

Antigamente, era assim. Os diferendos, as questiúnculas as desavenças dos lameiros, das terras e até os do coração, cada um tratava dos seus, cara a cara, olhos nos olhos e as coisas ficavam por ali.

Até os reis, combinavam os locais para as suas batalhas, para ficarem a saber qual era o mais forte e o vencedor. Lutavam nos campos, nas planícies, em lutas cruéis mas entre eles, homens da guerra. Batalhas como as do Sado, de Aljubarrota, Atoleiros, Montes Claros, Trancoso ou Linhas de Elvas, entre tantas outras.

Por contraponto, hoje, os conflitos são em directo, nas televisões, com os beligerantes a lutarem em dois locais. Para onde mandam as bombas e nas televisões, com a propaganda e a contra-propaganda que cada um faz das suas acções. O inimigo deixou de ter rosto. Não se luta cara a cara. Não se vê o inimigo. Os olhos poisam apenas nos ecrans que duplicam as imagens dos drones, esses sim, olhos mecânicos, que não reagem ao que captam. Guerra de computador, onde a espionagem e a informação secreta, tem uma importância fulcral na obtenção de resultados.

Na história do mundo, nunca as guerras foram justas. Mas atrevo-me a pensar que hoje são ainda mais injustas, porque os efeitos colaterais são devastadores para qualquer dos lados.

O mais inquietante de tudo isto é o facto de todos nós sermos colocados no teatro das operações sempre e quando abrimos as televisões.

Esta circunstância leva quase à globalização dos conflitos, com manifestações de apoio ou de repudio aos países em desavença, como uma reacção primária, epidérmica, que não faz nenhum sentido.

O que significa em Paris, Berlim ou Lisboa gritar “Eu sou Hamas!”, quando vimos o que vimos de barbárie nos assaltos aos Kibuts ou ao concerto naquela madrugada fatídica?  Pode aquela mortandade ter alguma justificação?

O que significam as bandeiras ondulantes com a estrela de David empunhadas em New York, em Otava ou Sydney, quando vemos saírem dos escombros os corpos arrancados aos esventrados prédios de Gaza?

De um lado e do outro estão vítimas inocentes, que não são parte nesta disputa cega, resultado de um diálogo de surdos, onde cada um se julga superior ao interesse do seu opositor.

O avanço da tecnologia colocou-nos hoje em lugares onde não queremos estar, quase nos obrigando a tomar “opinião”, transformando-nos em correias de transmissão como elementos de pressão, quase sem que nos apercebamos disso.

As televisões, também lutam entre si para obter a primeira e a melhor imagem de uma proposta de invasão, que é anunciada com os ponteiros de um relógio, como se fosse um espectáculo a que iremos assistir de poltrona.

Está louco o nosso Mundo. Louco e muito perigoso.

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