Ana Bernardino foi eleita coordenadora das Mulheres Socialistas do Cartaxo, em eleição que apresentou uma única lista. Natural da Ereira, freguesia do Cartaxo, é também deputada municipal, eleita pelo Partido Socialista e no anterior mandato era vereadora eleita, embora sem pelouros, no executivo liderado pelo PS. Entrou na vida política por achar que é uma missão, e por considerar que quem está na política está mais perto de conseguir melhorar o mundo.
A candidatura às Mulheres Socialistas, nasce da vontade de querer combater e mudar as desigualdades de género que ainda se sentem na sociedade. Confessa-se chocada com alguns números, que refere nesta entrevista, especialmente no que toca às descriminações que as mulheres são vítimas no mundo do trabalho.
Está ainda ligada ao mundo associativo, através do Grupo Herêra, que tem como objectivo dinamizar a freguesia da Ereira desenvolvendo actividades culturais e lúdicas, e da Sociedade Filarmónica Ereirense. Na carreira profissional é jornalista na rádio M80.
Qual é a função das mulheres socialistas?
As mulheres socialistas têm como missão dignificar o papel de ser mulher. Temos a preocupação de alertar para as desigualdades salariais, para as desigualdades de género, para muitas desigualdades que atingem não só as mulheres, mas também aos homens. Esta estrutura não é apenas defensora de mulheres, é defensora da igualdade e dos direitos. Estamos a falar de direitos humanos e quando falamos neste tema importa a homens e a mulheres. É esse o objectivo desta estrutura das mulheres socialistas. É o alerta, é a necessidade que temos de capacitar as mulheres para assumirem em pleno tudo aquilo a que têm direito.
Como é que aplicam isso na vida política do concelho do Cartaxo?
Temos como objectivo aproximarmo-nos cada vez mais das mulheres que fazem parte do nosso projecto, o projecto socialista, fazendo com que elas nos digam e nos permitam perceber as grandes dificuldades que existem no nosso concelho, sermos complementares à concelhia, estarmos próximas da população, através de reuniões de trabalho quer no mundo do trabalho directo com as empresas, para perceber o que é que se pode fazer e o que elas podem fazer e o que eles podem fazer.
É importante esta ideia de que as mulheres não estão sozinhas. Só se consegue ser progressista, só se atinge o objectivo da igualdade de género, da igualdade salarial, da igualdade que está na base de tudo se conseguirmos unir homens e mulheres. É essa a base da minha moção, saber que temos que trabalhar juntos para conseguirmos o que todos queremos: garantir os direitos humanos.
Que iniciativas é que vão promover durante este mandato?
Para já é estabelecer reuniões de trabalho com todas as mulheres que deram a cara por nós. É importante não esquecer quem esteve sempre connosco. Perceber quais são as dificuldades, saber quais são as esperanças, saber o que pretendem também para o futuro.
Queremos capacitar as mulheres para que a política ou o movimento associativo, que também é muito importante, percebam qual é o futuro e como é que as mulheres podem continuar a fazer o excelente trabalho que fazem. Temos excelentes mulheres à frente de associações do concelho do Cartaxo. Perceber como é que podemos trazer ainda mais mulheres para o mundo associativo, para a política e para a sociedade civil.
É muito importante também fazer chegar a nossa voz à sociedade civil. Não precisamos de ser militantes para partilhar valores, nem de estar dentro da política para mostrar o nosso valor. É isso que queremos transmitir: juntas e juntos conseguimos trabalhar em prol de um Cartaxo melhor e sempre a pensar no que é o melhor para o concelho.
O que a levou à candidatura a coordenadora das mulheres socialistas do Cartaxo?
Todos nós temos uma missão. A política é uma missão. Basta olhar para alguns números que existem e que são chocantes. Quando se faz alguma pesquisa, não é preciso grande coisa, uma pesquisa simples na internet e em alguns estudos que existem. Ficamos a saber que 2157 podia ser um número qualquer, mas é o ano em que o problema da desigualdade desaparece. Ou seja, daqui a 135 anos e seis meses é que vamos ter igualdade salarial entre homem e mulher. É muito tempo. Nenhum de nós, que estiver a ler esta entrevista, vamos ver algo que parece tão natural. Outro número que também é, no meu ponto de vista escandaloso, o fosso salarial aumentou de 10.9% para 11,4% de 2019 até 2020. Muito já foi feito nesta matéria, mas continuamos a ter um retrocesso.
Não faz sentido nenhum, porque cada vez mais há mulheres capacitadas, com cursos superiores, com as mesmas capacidades que os homens e mesmo assim, infelizmente, têm salários inferiores para as mesmas funções. Outro número que nos choca e que tem de nos chocar, é a taxa de risco de pobreza, que agravou com a altura da pandemia. Houve um crescimento significativo na mulher. O sexo feminino vive este medo de pobreza de forma mais intensa porque há um aumento de 2,5 pontos percentuais de 2019 para 2020. Isto está num relatório que é muito interessante de se ver, que é o “Portugal: Balanço social 2021”, da Universidade Nova SBE, que faz estudos muito interessantes sobre estes problemas.
Embora continuem a receber valores inferiores comparativamente aos pares masculinos, as mulheres têm os níveis mais altos de escolaridade. O ensino superior tem vindo a expandir-se com várias áreas. As mulheres cada vez mais frequentam o ensino superior e se nos centrarmos nas faixas entre os 25 e os 34 anos as mulheres são mais propensas a frequentar o ensino superior, a ter uma carreira universitária. Em Portugal estamos a falar de 49% das mulheres nesta faixa etária, que tinha um diploma universitário em 2021, em comparação com os 35% que os homens têm. O que significa que as mulheres estão verdadeiramente capacitadas para determinados cargos e mesmo assim é de alguma forma impedida. Desde 1986 há mais alunas matriculadas no ensino superior, em determinadas áreas como educação ou ciências sociais, do que nas engenharias, por exemplo. Ainda outro número que me escandaliza, apesar das mulheres serem mais propensas a concluir a formação universitária, as taxas de emprego são muito mais baixas. Há menos probabilidade de a mulher assumir um cargo na área que se formou. Apenas 65% das mulheres, entre os 25 e os 34 anos, com qualificações inferiores ao 12º ano estavam empregadas, em comparação com 80% dos homens.
Isto são diferenças de género. São descriminações. Basta fazer esta pesquisa eu sentir necessidade de fazer o meu papel, que é alertar para estes problemas. Não sou a única, existe a nível nacional e mundial estruturas que o fazem e assumindo esta missão de no concelho do Cartaxo também alertar, capacitar e falar com as empresas e com o mundo associativo, ajudar de alguma forma, fazendo propostas, fazendo alertas para que algo mude, porque tem mesmo de mudar. Sempre em parceria com o Partido Socialista e com a Juventude Socialista porque acho muito importante o papel dos jovens nesta luta.
Numa altura em que há cada vez mais estruturas a chamar a atenção para estas desigualdades, não seria de esperar uma mitigação destas desigualdades em vez de aumentarem?
Tivemos um factor mundial que foi a pandemia. A mulher assume quase sempre um papel de cuidadora. E também aqui mostrou e assumiu esse papel, deixando para trás muitas outras funções e atingiu menos objectivos do que era suposto. Assumimos o papel de ficar com os filhos, de os acompanharmos e de acompanharmos os mais velhos e neste tempo de pandemia notou-se bem qual foi o papel da mulher.
Com o que é que se identifica no partido socialista?
Nós somos um partido humanista, progressista e eu identifico-me com os valores que são transmitidos pelo Partido Socialista e que representa. Pela componente social, pela componente de aproximação ao outro. Temos muito essa componente do social do olhar pelo outro e da preocupação com o outro. São esses os valores com os quais me identifico.
Integrou o último executivo como vereadora, neste mandato foi eleita para Assembleia Municipal, o que é que a levou à vida política?
Acredito que temos uma missão. E é uma missão que a política nos permite atingir. Podemos chegar mais longe com propostas, com ideias e mudar nem que seja um bocadinho o mundo que nos rodeia. Teve um outro factor, que se chama Francisco Pereira, que foi presidente da Câmara Municipal do Cartaxo. A forma desprendida, no sentido que para ele era uma missão também, ser político para poder ajudar o outro. Esses valores que ele me transmitiu ficaram.
Eu tinha 19 ou 20 anos, e estávamos num jantar com várias pessoas e ele tinha muito essa abertura, essa simplicidade, e foi naquilo que ele falou nesse jantar, de forma bastante informal e a personalidade do Francisco Pereira que me levou a dizer: É este o partido, é isto que eu quero. Se eu puder ajudar o outro através da política já tenho cumprido um objectivo. É um bocado lírico, eu sei.
Esses valores de que fala, regem todos os que enveredam pela vida política?
Se não regem deviam (risos). É um privilégio. Somos eleitos para fazer alguma coisa. Se somos eleitos temos a responsabilidade de responder e de ir ao encontro do que essas pessoas precisam. Mas é como qualquer outra área. Em todas as áreas existem boas e más pessoas. Acredito que maioritariamente, há pessoas excelentes com óptimas capacidades e excelentes valores dentro da política, independentemente do partido.
Como membro do Partido Socialista, estava à espera deste volte face nas autárquicas?
É entrar num campo em que acho que deve ser o presidente da Concelhia a responder. Mas acho que após mais de 40 anos à frente dos destinos do Cartaxo, é normal as pessoas quererem alguma mudança. O que nós temos de fazer agora é trabalhar para devolver a confiança que os cartaxeiros têm no Partido Socialista. E o PS tem essa confiança. Uma coisa que prometemos é continuar a trabalhar para fazer o melhor que pudermos em prol da população do Cartaxo.
Além da vertente política também faz parte do mundo associativo, com o Grupo Herêra. Como é que consegue conciliar a vida profissional, pessoal, política e associativa?
É muita coisa. Mas tenho uma agenda que uma amiga me deu que me ajuda imenso. A gestão é sempre difícil. Especialmente gerir os horários. Quando gostamos mesmo das coisas, e eu gosto mesmo muito de realizar. É isso que me permite o Grupo Herêra, é isso que me permite agora a Sociedade Filarmónica Ereirense, da qual também faço parte. Conciliando tudo e sabendo que, o objectivo é fazer algo que mude, que marque a diferença. Pretendo fazer isso nas Mulheres Socialistas também. Se é para estarmos a meio gás nas coisas não vale a pena.
Feliz ou infelizmente tenho disponibilidade pessoal para isso, portanto dedico-me. Ocupo o meu tempo a pensar no que se pode fazer, no que se pode melhorar. Utilizo o meu tempo para pensar nas várias formas de realizar coisas.
Quando é que vai apresentar uma candidatura à Câmara Municipal?
Ainda é cedo para falar de uma possível candidatura pelo Partido Socialista à Câmara Municipal. Até porque o PS do Cartaxo tem excelentes quadros, capazes de assumir esse papel.