O advogado e ex-vice-presidente do município, Ramiro Matos, é, desde Junho, o presidente do conselho de administração da Águas de Santarém (AS), empresa municipal responsável pela conservação da qualidade da água do concelho de Santarém, pelo respectivo controlo e pelo desenvolvimento da rede de saneamento. Nesta entrevista ao Correio do Ribatejo, o novo responsável da AS elenca as prioridades da empresa para os próximos anos que passam, nomeadamente, pelo investimento numa nova ETAR, a substituição de condutas mais antigas, reforço da relação com os clientes e apostar em acções de sensibilização ambiental, de sustentabilidade e de confiança. “A qualidade e a excelência da água não podem ser vistas separadamente da qualidade e excelência do serviço global que é prestado por uma entidade gestora”, diz Ramiro Matos, revelando que a AS pretende lançar, em breve, uma campanha de confiança na água da torneira. “Estamos já a trabalhar neste ponto com a criação de uma marca de água, que não é mais do que a água que corre nas torneiras de cada um em casa”, afirma o presidente da Águas de Santarém, empresa constituída a 14 de Dezembro de 2007 com 100 por cento de capital público e que é responsável pela distribuição de água ao domicílio e pela recolha e drenagem de águas residuais do Município.
Quais são as grandes linhas de acção da Águas de Santarém para os próximos anos?
A Águas de Santarém continua a ter diversos desafios de gestão. Elegemos para os próximos anos, como prioridades, o investimento numa nova ETAR de Santarém, a substituição de condutas mais antigas, a reposição de pavimentos danificados nas nossas intervenções, o reforço da relação com os clientes através do uso das novas tecnologias, aproximando-os da empresa e facilitando o dia-a-dia de todos, simplificando procedimentos e ainda levar a cabo acções de sensibilização ambiental, de sustentabilidade e de confiança dos munícipes na nossa água para consumo humano.
Quais os investimentos previstos?
O maior investimento que se prevê é fazer uma grande reformulação, com aumento de capacidade, da ETAR de Santarém, que serve uma grande parte do concelho e acusa já um grande desgaste, sendo um equipamento de maior importância no nosso sistema de águas residuais. A par desse investimento, orçado em cerca de 7 milhões de euros e que terá de ser realizado por fases e, se possível, com recurso a fundos comunitários, temos diversos investimentos urgentes no sistema de abastecimento de água e no sistema de águas residuais, quer de manutenção, quer de melhoria de capacidade. Vamos também investir nas condições de trabalho dos nossos funcionários, apostar em acções de compatibilização da vida profissional com a laboral e criar um novo site e uma aplicação para telemóveis, onde os nossos clientes poderão interagir, sem saírem de casa, com os nossos serviços, celebrando novos contractos, pagando as suas facturas, consultando a sua conta-corrente e fazer o pagamento das suas facturas, comodamente através de multibanco ou MBWay. Vamos, também, investir mais na qualidade – dos nossos serviços e da água – e no controlo das perdas de água.
A redução das perdas de água é algo que preocupa a empresa? Que medidas estão a ser tomadas para mitigar o problema?
As perdas de água são um dos grandes dramas do órgão de gestão de uma entidade gestora de um sistema de abastecimento de água. Temos de reduzir drasticamente o valor das perdas para níveis inferiores. Temos apostado nesta área e vamos investir muito em 2021 em acções de detecção de ligações directas, mas também de perdas motivadas por cedência de condutas, indo aumentar as verbas aplicadas em anos anteriores na contratação de serviços especializados de detecção de furtos e perdas e nas soluções dos problemas. Não é só um problema de eficiência que está em causa, mas também o nível de desempenho ambiental. É muito importante termos sistemas de monitorização das redes que nos permitam agir prioritariamente nos locais onde existem perdas. Temos de fazer um bom exercício de custo/benefício para aferir até que ponto os custos com o combate às perdas não ultrapassam os benefícios totais, e é nesse ponto de equilíbrio que vamos apostar em 2021. Quando conseguirmos atingir valores de perdas baixos (difíceis em sistemas muito dispersos e com muitos quilómetros de condutas como o nosso) conseguiremos um maior equilíbrio na cobertura dos custos, permitindo até uma redução do preço a pagar pelo consumidor.
Como é que a empresa tem vindo a garantir um serviço assente em pilares como a qualidade e a excelência da água?
A qualidade e a excelência da água não podem ser vistas separadamente da qualidade e excelência do serviço global que é prestado por uma entidade gestora. Por exemplo, do que valeria ter uma qualidade de água excelente (que temos) se prestássemos um mau serviço ao cliente, ou que existissem muitas interrupções no fornecimento ou se ignorássemos as preocupações ambientais? A qualidade da nossa água é muito boa em todos os parâmetros e isso deve-se a muitos factores, desde uma política de investimento em renovação de redes em que a gestão apostou num passado próximo, a preocupação constante com a monitorização das captações e com a divulgação dos parâmetros, existindo funcionários apenas dedicados a este serviço, bem como o benchmarking de boas práticas nacionais e internacionais. Neste ponto, a constante motivação dos recursos humanos é também um factor de sucesso no resultado final.
Quando se aborda o tema da água, uma das premissas que é amplamente falada passa pela qualidade da água da torneira. É seguro beber água da torneira em Santarém?
Toca num ponto essencial. Conscientes que essa é uma dúvida constante, estamos apostados em lançar uma campanha de confiança na água da torneira. Estamos já a trabalhar neste ponto com a criação de uma marca de água, que não é mais do que a água que corre nas torneiras de cada um em casa. Conscientes, ainda, de que as marcas fidelizam e geram confiança no consumidor, vamos ao encontro dessa premissa. Muito brevemente teremos novidades neste campo. As pessoas vão perceber que encontram na água da torneira precisamente a mesma qualidade do que nas águas engarrafadas e que é muito seguro beber água da torneira.
Mas vemos constantemente as pessoas a reclamarem do valor das facturas da água e das taxas ali constantes…
Todos nós queremos sempre pagar menos pelos serviços e bens de que necessitamos. No entanto, não podemos esquecer que estamos no domínio de um recurso escasso e que se impõe preservá-lo. Daí que a preço por m3 de água aumenta por escalões, como desincentivo ao consumo desregrado e supérfluo. Como pode alguém em Santarém dizer que a água é cara, quando o valor médio das facturas, medido no escalão maioritário, é inferior à média nacional em 20 por cento e também inferior a concelhos vizinhos? Como se pode dizer que um litro de água da torneira é caro, quando o mesmo, tendo por base o primeiro escalão, tem um preço 233 vezes inferior ao da água engarrafada por uma grande superfície como marca própria, isto sem falar no trabalho de transportar as garrafas ou garrafões até casa que não está contabilizado no preço da água engarrafada em comparação (1 m3 equivale a 167 garrafões de 6 litros)? Relativamente às taxas, a maioria reguladas centralmente, a factura da água inclui não só o abastecimento de água, mas também o serviço de tratamento de águas residuais e ainda os serviços de recolha de resíduos sólidos quando a relação receita/custo nestes dois serviços é claramente deficitária. Bastará, também, que os consumidores comparem a factura da água com a energia e as telecomunicações, para perceberem que, afinal, a água não é cara.
Sente que Portugal tem vindo a ganhar consciência da importância da água de uma forma natural? Acredita que faltam campanhas de sensibilização no sentido de consciencializar os portugueses para a poupança deste recurso?
Há um problema com a dicotomia escassez/essencialidade. Custa muito a qualquer pessoa privar-se do consumo de água, seja para consumo humano, seja para lavagens, regas ou piscinas. E tenho plena certeza de que essa essencialidade faz esquecer as pessoas de que estamos perante um recurso escasso e com elevados custos de captação, tratamento e distribuição. Perante estes factos, há efectivamente lacunas ao nível das acções de sensibilização, começando pelos mais novos, nas escolas.
De que forma a Águas de Santarém tem vindo a promover essas acções de sensibilização? Começar pelas escolas é fundamental?
A Águas de Santarém tem cumprido um importante papel na sensibilização e promoção do uso eficiente dos recursos hídricos. Porém, a actual conjuntura desaconselha os contactos pessoais em que assentam as campanhas desenvolvidas. Estamos a preparar campanhas virtuais, com jogos e animações, para podermos estar junto dos mais novos, nos canais que consomem. Brevemente estaremos presentes nas redes sociais que utilizaremos, também, para essas campanhas. Os jovens de hoje são sensíveis a causas e temos consciência que é imperioso tornar a água e a necessidade de um consumo sustentável dela, como uma causa junto das crianças e jovens.
O que pensa sobre a implementação de projectos de reutilização de águas residuais? Os portugueses vêm o tratamento e a reutilização da água como algo positivo?
Sem dúvida que é um objectivo muito desejável. É importante que sejam implementadas estratégias de gestão integrada dos recursos hídricos que passem por potenciar a utilização de água reutilizada para usos não potáveis, como a rega, a indústria, ou os usos recreativos, que representam uma maioria dos consumos de água e que têm requisitos de qualidade inferiores aos da água para consumo humano. Porém, os sistemas mais antigos não permitem essa reutilização mais específica, mas apenas o tratamento com posterior depósito em aquíferos ou a utilização das lamas, sobretudo na agricultura. Os técnicos da AS têm implementado projectos piloto nesta área, com bons resultados, mas que apenas com as obras profundas na nossa ETAR principal poderão ser potenciados. Mais uma vez estamos perante um objectivo muito importante, mas onde o custo/benefício ainda é muito desproporcional. Apenas com recurso a técnicas e equipamentos de ponta se conseguem alcançar resultados neste domínio. Também os projectos particulares são importantes, nas nossas casas, através do aproveitamento da água para a lavagens exteriores ou rega.
A gestão eficiente e ambientalmente sustentável dos recursos hídricos passa por que vectores, na sua opinião?
A gestão sustentável dos recursos hídricos passa, essencialmente pela consciencialização da população para que esta seja capaz de fazer frente às suas necessidades actuais, sem comprometer um acesso de qualidade a esses mesmos recursos pelas gerações futuras. Cada um de nós tem de ter um papel activo, contribuindo para minimizar os riscos de escassez hídrica e melhorando as condições ambientais nos meios hídricos, sem pôr em causa quer as necessidades vitais, quer a qualidade de vida das populações e o desenvolvimento económico do país. Uma entidade gestora dos sistemas tem um papel muito importante neste campo, mas o cidadão individualmente considerado não se pode demitir desta função, que é até um dever cívico, promovendo a poupança e a preservação deste recurso.
A inovação é fundamental neste desiderato? Como têm aproveitado as valias da inovação na vossa orgânica diária?
A tecnologia tem-se aperfeiçoado muito nesta área e contribui, como noutras, para uma maior eficiência. A AS tem introduzido novas tecnologias no seu serviço, desde a telegestão (gestão remota dos sistemas), a telemetria (leitura on time dos consumos que permite analisar e resolver consumos anormais nos grandes consumidores), a detecção de furtos e rupturas com recurso a sistemas desenvolvidos de vídeo, entre muitas outras ferramentas. A inovação tem também de ser utilizada para o controlo de gestão, pelo que estamos a adquirir novo software para controlo de empreitadas e integração das diferentes áreas da empresa, mas também devem servir para aproximar a entidade gestora dos seus clientes, facilitando o dia-a-dia de todos e reduzindo os custos de operação. Nos próximos anos vamos assistir a um verdadeiro “choque tecnológico” na nossa empresa.
Quais são, na sua opinião, os grandes desafios que Portugal enfrenta na boa gestão da água?
Como temos vindo a falar, a gestão sustentável da água é o maior objectivo genérico, não só do nosso país, mas do mundo. Portugal tem tido um grande avanço na eliminação de barreiras no acesso ao direito à água, com o incremento substancial das taxas de cobertura de abastecimento, sobretudo com recurso a fundos comunitários. Agora, outros desafios se colocam com prioridade, motivados pelos novos hábitos de vida, sobretudo nas cidades, bem como os elevados índices de poluição e ainda pelas alterações climáticas.
Implementar a gestão integrada de recursos hídricos, proteger e restaurar ecossistemas, fazer uma captação sustentável de água para abastecimento, melhorar a qualidade da água, eliminando a poluição e investir em tecnologias de recolha e armazenamento de água, julgo serem os grandes desafios nos próximos anos.
Filipe Mendes