Chamusca – Quinta-feira de Ascensão – 18 de Maio de 2023 – 17 horas. Corrida Mista. Cavaleiros: António Ribeiro Telles e João Moura Júnior; Matador: Manuel Dias Gomes; Forcados: Amadores da Chamusca e Aposento da Chamusca, capitaneados, respectivamente, por Nuno Marecos e João Saraiva; Ganadaria: Manuel Veiga (485, 510, 450, 465, 440 e 435 kgs.); Director de Corrida: Marco Cardoso; Médico Veterinário: Dr. José Luís Cruz; Tempo: Ameno; Entrada de Público: Cerca de ¾ da lotação disponível da Praça.
Em tarde festiva para a castiça vila da Chamusca o centenário tauródromo registou uma boa entrada de público, como que consagrando a opção empresarial pela corrida mista, algo que cava fundo na reconhecida tradição local. António Ribeiro Telles iniciava nesta tarde em Portugal a temporada comemorativa do 40.º aniversário da sua alternativa de cavaleiro, o que acontecia depois do seu debute na Maestranza de Sevilha, onde elevou bem alto a tradição marialva do toureio equestre. Na Chamusca António Ribeiro Telles sente-se em casa, por razões de afinidade familiar, o que sempre impõe uma atitude de acrescido respeito pela afición local, que o admira.
Frente ao seu primeiro oponente – bem-apresentado como o estavam praticamente todos os toiros do ganadeiro goleganense Manuel Veiga – António Telles não logrou expender toda a sua tauromaquia, posto que o toiro carregava muito bruscamente e adiantava-se em alguns terrenos, tocando nas montadas e dificultando a colocação da ferragem. Para honrar o seu estatuto, António Ribeiro Telles teve de porfiar imenso, submetendo as suas montadas a terrenos incómodos, do que resultou inclusivamente uma escorregadela com o cavaleiro a ser projectado no solo, felizmente sem consequências de maior. Não foi a lide sonhada pelo marialva da Torrinha, nem por nenhum dos seus indefectíveis admiradores, pois até parecia que nada saía a contento.
Lá veio o segundo do seu lote, toiro sério, bonito e com poder, que se sujeitou ao mando do maestro que rubricou uma lide perfeita, ao seu nível habitual, elegendo adequadamente os terrenos para consumar cada sorte, colocando a ferragem de alto a baixo, com reuniões justas e emotivas, e rematando-as com alegria, pois o toiro transmitia muito e emprestava a emoção que tanta falta faz na maioria das corridas de toiros em Portugal. António Ribeiro Telles abriu o compêndio e ofereceu-nos mais uma grande lição de toureio, que o público muito justamente premiou com calorosas ovações.
João Moura Júnior está um senhor toureiro. Pouco tem a provar quanto aos seus recursos técnicos e artísticos, que são imensos, e em cada lide afirma-se mais categoricamente pois encontra soluções para todas as dificuldades. Quando um toureiro atinge esta dimensão o público rende-se perante tanta técnica, tanto valor e tanta arte. As sortes à tira (frontais) com que cravou a ferragem comprida foram magníficas, pois estas sortes têm mais dificuldade do que aparentam, exigindo que o cavaleiro ajuste o andamento da sua montada à investida do toiro, sem nunca lhe perder a cara, para que a colocação do ferro ocorra frontalmente nos terrenos do toiro. Após mudar de montada, João Moura Júnior lidou muito bem o seu oponente, colocando a ferragem em poderosíssimas sortes frontais, quarteando-se na cara do toiro e cravando os curtos em terrenos de muito compromisso.
No quinto toiro da tarde, João Moura Júnior voltou a encantar o respeitável, pois tudo saiu na perfeição. Colocou correctamente a ferragem comprida e após mudar de montada desenhou uma lide magistral, assente no toureio frontal, sério e valoroso, citando o toiro de frente, galopando na sua direcção para lhe provocar a investida e quando entrava nos terrenos da jurisdição do toiro, quarteava-se mesmo na sua cara, colocando a ferragem curta em sortes fantásticas, superiormente rematadas com a arte e a elegância da expressão mourista, herdada de seu pai. Esta actuação do ginete de Monforte roçou a perfeição, e justificou a conquista do troféu em disputa para a melhor lide, mais valorizada ainda pela lide anterior de António Ribeiro Telles, que também fora excelente.
Os dois Grupos de Forcados locais cumpriram galhardamente a sua missão, pois empenharam-se em solver o seu compromisso e fizeram-no com muita dignidade, apesar de os toiros chegarem ao momento da pega com muita pata e muito poder.
Pelos Amadores da Chamusca consumou a primeira pega o forcado José Azoia, que fez nesta tarde a sua despedida.
Desfeiteado na primeira tentativa, porque o toiro lhe passou ao lado, consumou depois uma pega muito valorosa, aguentando uma viagem algo agitada, até o toiro rematar nas tábuas, porém o forcado agarrou-se com alma e decisão e nunca vacilou, tendo sido bem ajudado pelo Grupo. A segunda pega do Grupo foi consumada na perfeição pelo jovem forcado Diogo Marques – quem sai aos seus… – que citou como mandam as regras, recuou mandando na investida do toiro, e fechou-se com muita decisão.
Pelos Amadores do Aposento da Chamusca, o Cabo João Saraiva chamou a si a responsabilidade de pegar o primeiro toiro do seu lote. Perfilou-se citando bem e aguentou a investida do toiro, porém sofreu um violento derrote de que resultou momentânea perda de sentidos, tendo sido retirado da arena em maca. Avançou para o dobrar o jovem forcado Vasco Coelho dos Reis, que consumou valorosa pega, quando, entretanto, já o Cabo recuperara e insistia em ser ele a pegar o toiro.
Mas, a coisa já se tinha dado e a missão estava cumprida com dignidade e competência. O último toiro das lides a cavalo foi pegado superiormente pelo jovem Tomás Duarte, que esteve bem em todos os momentos da sorte, a citar, a aguentar a investida, recuando, e a reunião foi valorosa e irrepreensível.
Manuel Dias Gomes é um toureiro com bastos recursos técnicos e artísticos, o que lhe permite aproveitar a maioria dos toiros que enfrenta, algo que constitui uma boa garantia para os aficionados.
Os toiros desta tarde pediam contas e o já conceituado matador teve de porfiar bastante para desenhar duas meritórias faenas. Vistoso e elegante com o capote, brilhando, sobretudo, nas perfumadas verónicas, Manuel Dias Gomes suscitou os primeiros aplausos pelo seu labor.
Ambos os toiros foram bandarilhados pela “cuadrilha”, que esteve digna, pois os toiros apertavam na reunião e empurravam os bandarilheiros, tendo João Pedro “Açoriano” sido colhido aparatosamente na saída do seu primeiro par.
Com a rubra flanela Manuel Dias Gomes rubricou duas faenas muito meritórias. Os toiros não lhe permitiram um toureio harmonioso, pelo que as tandas que foi desenhando eram muito técnicas, cuidando muito bem da investida dos seus oponentes, que não repetiam com o ritmo desejado pelo toureiro. Enfim, os toiros, servindo bem, não foram cómodos, exigiram muito ofício, e, que não haja dúvidas, o jovem matador superou estas dificuldades e empenhou-se muito para dignificar a sua arte.
Os toiros de Manuel Veiga, como já deixámos subentendido ao longo da crónica, serviram muito bem, não foram fáceis, mas transmitiram muita emoção, tinham poder e andamento e impuseram muito respeito aos toureiros e forcados que os enfrentaram. São toiros assim que ajudam a pôr as coisas no seu sítio e quem não os lidar como deve ser, naturalmente, passa momentos de algum aperto.
Direcção correcta de Marco Cardoso, aqui e ali algo excessivo em relação a algumas atitudes, nomeadamente de António Ribeiro Telles, no entanto cumprindo com competência a sua missão.
No início da corrida foi respeitado um minuto de silêncio por um antigo colaborador da praça de Chamusca e em memória de Jesus Lourenço, antigo forcado do Grupo de Vila Franca e crítico taurino. Os troféus em disputa nesta corrida foram conquistados pelo cavaleiro João Moura Júnior e pelo forcado Tomás Duarte, do Aposento da Chamusca. No final o ambiente era muito agradável e os aficionados detiveram-se nas imediações da praça a comentar as incidências da corrida, o que é bom sinal, pois havia muito motivo para conversar.