O presidente da Câmara de Santarém falou ontem, dia 20 de Fevereiro, no tribunal, em irregularidades no processo que envolveu a construção de um parque de estacionamento subterrâneo e pelo qual o ex-autarca Francisco Moita Flores está a ser julgado.
Ricardo Gonçalves falava no Tribunal Judicial de Santarém, onde foi ouvido enquanto testemunha no processo em que Moita Flores está a ser julgado pelos crimes de branqueamento de capitais, corrupção e prevaricação, num caso que envolve a construção de um parque de estacionamento subterrâneo no Jardim da Liberdade.
No tribunal, o autarca, que na altura dos factos era vereador, disse que achou exagerado o valor de 3 milhões de euros relativos às obras na superfície (cafetarias e o espelho de água) do parque de estacionamento subterrâneo, que deviam ter sido realizadas pela câmara, mas foram entregues ao empreiteiro.
“Achei que [o valor] estava muito exagerado”, afirmou.
Ricardo Gonçalves foi questionado sobre assuntos como a não realização da segunda fase da empreitada, a realização das obras à superfície e a indemnização 1,8 milhões de euros feita pela câmara à construtora ABB, na sequência de alterações contratuais.
Em declarações à Lusa, o presidente da Câmara reafirmou que houve “uma série de processos que não correram da melhor forma”.
De acordo com o autarca, “é bem conhecida” a sua oposição “às práticas do Dr. Moita Flores quando o mesmo era presidente da Câmara Municipal de Santarém”.
“Foi essa oposição (…) aos atos que o Ministério Público considera de favorecimento indevido a privados com alegados ganhos pessoais para o anterior presidente, que ditaram que o então presidente me afastasse do processo”, acrescentou.
Lembrando que o município assumiu a qualidade de assistente neste processo”, Ricardo Gonçalves defendeu que a Câmara de Santarém pode ter sido lesada “em milhões de euros”.
A conceção e exploração do parque de estacionamento subterrâneo no atual Jardim da Liberdade foi adjudicada em abril de 2008 à empresa Alexandre Barbosa Borges (ABB), de Braga, numa parceria público-privada que envolvia nove milhões de euros.
Além da construção e exploração do parque de estacionamento, que previa 764 lugares, a empresa ficou ainda com o monopólio do estacionamento tarifado à superfície.
Em causa no processo está a decisão de não realização da segunda fase da empreitada, o que representou uma redução de 764 para 461 lugares de estacionamento subterrâneo, bem como a de entregar ao empreiteiro a realização das obras à superfície, que deveriam ter sido realizadas pela própria Câmara.
Segundo a acusação do Ministério Público (MP), a atribuição destas obras, que estavam orçadas em três milhões de euros, ao empreiteiro terão sido uma forma de compensação pela não realização da segunda fase da empreitada, tendo a empresa ainda recebido uma indemnização de 1,8 milhões de euros da Câmara de Santarém na sequência de alterações contratuais.
De acordo com a acusação, o ex-presidente da Câmara Municipal de Santarém (2005-2012) “recebeu vantagem patrimonial” (300 mil euros) do empresário da construção civil que realizou a obra do parque de estacionamento subterrâneo.
O pagamento terá sido feito “por intermédio de sociedades comerciais ligadas ao respetivo grupo empresarial e ao filho” do antigo autarca, pedindo o MP a condenação solidária dos arguidos no pagamento ao Estado do montante alegadamente envolvido.
Na fase instrutória, a juíza Ana Margarida Fernandes concluiu não existir qualquer documento no processo que comprove que foi efetivamente realizado um serviço de auditoria alegadamente feito pela empresa do filho do autarca, a Introsys, e que justifique o pagamento de 300.000 euros, pagos através da Emasisa, empresa do grupo ABB.
Em novembro de 2022, a juíza Ana Cristina Cardoso remeteu o processo para o Juízo Central Criminal de Lisboa, considerando que o Tribunal de Santarém não tinha competência para acolher a realização do julgamento invocando o facto de o último ato constante da acusação pela prática do crime de branqueamento – o depósito de um cheque de 250.814 euros na conta da Antinomia, empresa da mulher de Francisco Moita Flores – ter ocorrido num balcão do BES em Lisboa.
O processo regressou a Santarém, onde, além do ex-presidente da Câmara, vão também ser julgados o empresário Gaspar Barbosa Borges, a empresa que representa, a ABB Construções, Nuno Moita Flores (filho do ex-autarca) e a sua empresa, a Introsys.
Também em declarações à Lusa, o advogado de Francisco Moita Flores, Ricardo Sá Fernandes, disse que o ex-autarca “está a ser vítima” de um processo “que não tem sustentação” porque não “há nenhuma conduta” do ex presidente da Câmara “que possa ser condenável”.