O livro Raia, Raianos, Nobres e Malteses, da autoria de Manuel Fernandes Vicente, foi apresentado publicamente na passada segunda-feira, dia 01 de Dezembro, no Cineteatro São João, no Entroncamento.

A obra, que se foca na realidade diversificada e contrastante das terras que do Minho ao Alentejo e Algarve separam (mas também unem) Portugal com Espanha, foi analisada e discutida por diversos oradores convidados e suas respetivas intervenções.

“Hoje celebramos com especial regozijo esta obra.  Raia, Raianos, Nobres e Malteses conduz-nos a uma viagem histórica, humana e geográfica, que nos aproxima das raízes das comunidades raianas e das narrativas que atravessam séculos”, proferiu Nélson Cunha, presidente da Câmara Municipal do Entroncamento.

O autarca salientou que “a vida cultural de uma cidade não se constrói apenas com equipamentos, mas sobretudo com pessoas, historiadores, investigadores, leitores, cidadãos que alimentam o pensamento crítico e preservam a identidade coletiva”, manifestando o desejo de que a mesma “continue a ser um espaço onde a criação literária encontra abrigo, onde as ideias circulam e onde autores, como o professor Manuel Fernandes Vicente, sentem que têm uma casa para partilhar o seu legado”.

Já Helena Rodeiro, leitora da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, referiu: “Esta obra é, na minha perspectiva, um retrato multifacetado da Raia – a fronteira luso-espanhola – entendida não apenas como limite geográfico, mas sobretudo como espaço humano, psicológico, cultural e histórico riquíssimo”.

A docente da Universidade de Coimbra prosseguiu, elogiando a organização do livro em ensaios curtos cada um dedicado a um tópico: contrabandistas, malteses, brandas e inverneiras, a indústria da seda, os cães de Castro Laboreiro, entre muitos outros.

“Estes textos funcionam quase como crónicas etnográficas, com forte componente histórica, testemunhal e pessoal”, afirmou.

A professora conclui a sua intervenção, salientando a proximidade e o diálogo da presente obra com o universo torguiano.

“Esta visão aproxima este livro de uma visão telúrica da existência das comunidades raianas na sua autenticidade e, num mundo cada vez mais plástico, rápido, descartável em que tudo é perecível, é reconfortante saber que muitas memórias do que somos e do que a Raia é, ficam seguras, perenes e imortalizadas nas páginas deste livro do Manuel Vicente”, declarou.

O Presidente da Câmara do Entroncamento, Nelson Cunha, ladeado pelo autor e por Helena Rodeiro

Raia, Raianos, Nobres e Malteses é um livro com um tema mas com muitos episódios. Mas não é uma novela. É um percurso pela geografia física e humana da raia entre Portugal e Espanha”, observou logo no início da sua intervenção o tenente-general António Mascarenhas, acrescentando que a Raia “é a linha de fronteira e mais a faixa de um e do outro lado e onde se misturam e separam os dois povos – os raianos”.

Passando em revista alguns conteúdos do livro, o historiador António Matias Coelho aludiu ao “engenho dos fojos do lobo”, aos “cães e lobos em Castro Laboreiro”, à “ cultura da amoreira e do bicho-da-seda e a preparação artesanal da seda desde a Idade Média”.

Por fim, o historiador notou que “este percurso pela raia, da foz do Minho à foz do Guadiana, mostra bem que, como tudo, a ideia de raia evoluiu: de zona de conflito a território de solidariedades (contrabando, Guerra Civil de Espanha) e agora de cooperação transfronteiriça e valorização da Cultura raiana”.

Fazendo uma detalhada referência à herança portuguesa de Olivença, uma das referências abordadas no livro, e aos “passos do que aconteceu na cidade, “uma comunidade esquecida”, o designer oliventino José Antonio González Carrillo referiu, entre outros aspetos, “a proibição da Língua Portuguesa no território [oliventino], incluindo igrejas, escolas, outras instituições e Câmara Municipal, entre 1805 e 1840”, a hispanização na ditadura de Franco, o desaparecimento de várias ermidas e brasões de armas portuguesas, vaticinando que o “‘português oliventino’” vai desaparecer nos próximos 10 anos, e já “começa a ser chamado de maneira depreciativa, como Portuñol e Chapurreo”…

Por outro lado, Mário Rui Rodrigues, antigo presidente do Grupo dos Amigos de Olivença, notou que se continuam a publicar livros sobre a cidade e la cuestíón de Olivenza, continua a suscitar pelo menos perplexidades e contradições em série.

“Portugal não reconhece a soberania espanhola sobre Olivença, e juridicamente Olivença é portuguesa”, declarou, esclarecendo que, constitucionalmente, é um território histórico da nação, e o Estado [Português] não aliena qualquer parte do território.

Por fim, Manuel Fernandes Vicente, autor do livro, apresentou algumas imagens de temas sobre os quais reflete no livro, como as chegas de bois no Barroso, a ponte da Mizarela, os fojos do lobo, a gíria e o contrabando de Quadrazais, o viver de Rio de Onor, a língua mirandesa, os pauliteiros e o mirandês, a antiga prisão de Marvão, a importância do Castelo de Almourol, o humanismo do Tenente Seixas e de Rui Nabeiro, entre outros aspetos.

“Quis também com ele [o livro] falar do desprezo que em Portugal tem sido dedicado ao Interior, e a Raia é mesmo o interior mais profundo do país e a parte de nós mais afastada do terreiro do Paço, era o espaço desprezado que até servia até para criarem dantes os coutos dos homiziados”, concluiu o autor.

 

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