Eduardo Oliveira e Sousa tem uma vida inteira dedicada ao sector agrícola. À conversa com o ‘Correio do Ribatejo’ revisita memórias, abre-nos as portas da Companhia das Lezírias (CL) e valoriza as pessoas que vivem da terra e na terra. “É agradável saber que faço parte dessa forma de estar. E daí a ligação às coisas mais tradicionais, aos animais, ao campo, ao cavalo, a uma vida que eu sinto que em termos profissionais foi grata”, começa.

Lembra a passagem por instituições que lhe “encheram o peito”, como a Associação de Regantes do Vale do Sorraia e a Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP), e admite, sem rodeios que teve “sucesso” por todos os sítios por onde passou. Admite-o “sem vaidade, com sentido de satisfação e do dever cumprido”, até mesmo na breve passagem pela política: “eu nunca fui um apaixonado pela política, mas acho que todos temos um bocadinho de política cá dentro. Um espírito de bem-fazer pelo seu país e de defender causas de uma forma nobre. Já fui tarde, em termos de idade. Tem de haver tempo para a frente para nós podermos desenvolver esse projecto. E eu não tive esse chamamento enquanto jovem. Por isso, achei que não tinha muito cabimento continuar esse percurso e por isso regressei àquilo que eu acho que sei fazer melhor, que é dedicar-me às coisas do campo e integrar isso na minha actividade do dia-a-dia”.

Eduardo Oliveira e Sousa nasceu no Restelo, em Lisboa, mas grande parte do tempo passa-o em Salvaterra, terra natal do pai. “Eu costumo dizer que sou de Salvaterra e foi lá que eu ganhei o ‘bichinho’ pelas coisas do campo”, admite.

Estudou Agronomia e, concluído o curso, estagiou em Elvas com o Eng. David Crespo, “uma enciclopédia viva”, hoje com 90 anos, com quem ainda pretende estabelecer um protocolo no âmbito do melhoramento das pastagens da Companhia das Lezírias (CL). 

“Ele foi o autor da carta de solos da Companhia”, esclarece.

Apreciador de tudo o que é tradição, Oliveira e Sousa dá muito valor à herança enquanto legado cultural. “Não podemos alimentar a ideia de que é possível passar de uma geração para a outra sem que haja uma ligação entre uma e outra”, sustenta. “Isso é desvalorizar o nosso nome. Eu gosto de saber porque me chamo Sousa, Oliveira, ou porque me chamo Drummond”, nome escocês ao qual poucos o associam embora fosse assim chamado na escola. “O mundo rural vive disto”, observa.

O “casamento perfeito”

A CL é uma empresa detida pelo Estado, o que obriga a uma constante preocupação com a sustentabilidade. Contudo, o gestor reconhece que “não é pelo facto de ser Estado que temos de fazer diferente. Temos a obrigação de lhe dar relevância”, advoga. 

A CL é, por assim dizer, o casamento perfeito entre agricultura, floresta e pecuária extensiva. Dá preferência à pecuária, não só extensiva, mas também à exploração de duas raças autóctones, a mertolenga e a raça preta, vulgarmente denominada como o “gado da terra”. 

Existe ainda, num “sentido mais comercial”, o cruzamento com raças de outro cariz produtor, como a limusine, o charolês, ou até o próprio angus, “para introduzirmos cruzamentos que nos propiciem rendimentos um pouco mais elevados, mas sempre numa perspectiva de extensividade. Nada de utilização intensiva de áreas de pastoreio, seja na zona de Montado, seja também na zona da Lezíria”, esclarece o administrador da CL.

Tirar partido da terra e manter os animais num ambiente que pela sua amplitude tem condições de conforto ou de bem-estar animal bastante elevadas, é um imperativo, norteado por práticas tradicionais e até ancestrais. 

“Nós ainda utilizamos a transumância feita à antiga, com campinos a fazer a movimentação dos animais e isso leva-nos a manter os campinos, como sendo uma profissão activa e não apenas folclórica. Temos uma meia-dúzia de campinos permanentes, porque, como se sabe, tratar de animais obriga a presenças assíduas e é preciso trabalhar sábados, domingos e feriados”, assegura.

Floresta e biodiversidade

O departamento de gestão florestal da CL é um dos principais, atendendo aos cerca de 10 mil hectares de área de floresta, incluindo montados e zonas arborizadas. 

No capítulo da biodiversidade existem quatro espécies que são exploradas comercialmente: o sobreiro, as duas variedades de pinheiros, o bravo e o manso, um para madeira, o outro para pinhas e os eucaliptos. Existem ainda umas manchas de choupos, carvalhos, e até azinheiras. mas sem grande expressão.

“Temos um cuidado especial em combater as invasões de espécies que são nocivas, como sejam, por exemplo, as acácias. Temos o cuidado de as ir eliminando à medida que surgem. É uma gestão cem por cento profissional, certificada pelo FSC e com práticas de silvicultura associadas à preservação da biodiversidade, seja ela vegetal, ou animal”, garante.

Como exemplo dessa preservação, Oliveira e Sousa destaca a águia-de-Bonelli, presente no território. “Temos medidas de contenção de práticas agrícolas ou florestais em determinadas épocas para salvaguardar o período da sua reprodução”, assegura.

“Até a própria gestão cinegética salvaguarda a proximidade das zonas onde essas aves procuram nidificar. Não fazemos uma exploração do montado separada do interesse da biodiversidade animal que está associada. Assim se consegue uma harmonia que permite ter os selos da sustentabilidade e da certificação”, destaca. 

A Companhia das Lezírias é um laboratório natural onde as universidades portuguesas vão beber conhecimento. 

Financia e promove projectos de investigação junto da ecologia, da biodiversidade, dos símbolos de cultura, serviços de ecossistemas, alterações climáticas, temas sempre ali debatidos.

“Em todos esses processos nós intervimos de forma activa”, explica referindo-se à conservação do solo, protecção de recursos hídricos, introdução de inovação, como a intenção de levar o pastoreio para determinadas zonas de montado, para que haja uma simbiose entre as árvores, a fertilidade e a conservação do solo. 

“Ponderamos entrar também no comércio do carbono, valorizar a sua retenção e transformá-la em valor. Trazer essa mais-valia para as contas da própria exploração, tirando partido da dimensão e da forma como fazemos a gestão dos nossos recursos”, anuncia.

Na CL o valor é a procura constante, não de uma forma isolada, mas de uma forma integrada, “mesmo que isso não promova o potencial máximo da produção que estamos a visar”, nota. 

“O pinhal é conduzido num misto de gestão ajardinada, escolhem-se os indivíduos que são para ser retirados e, pelo contrário, preservam-se os que são bons pais, os que asseguram a regeneração das zonas envolventes. Tudo isso é feito de forma pensada”, revela.

“Aqui as coisas são pensadas para um horizonte de 100 anos. E se eu, que não vivo 100 anos, estiver a pensar assim, estou a dar continuidade e a respeitar aqueles que cá estiveram há 100 anos”, afirma.

“Cortiça tem a sua própria sustentabilidade”

Eduardo Oliveira e Sousa é bem claro: “se a rolha natural deixar de ser utilizada por os produtores de vinho necessitarem de reduzir custos, isso vai reflectir-se em cadeia até chegar à produção de cortiça. Como nós temos as duas coisas, sabemos do que estamos a falar. E, por isso, o momento não é fantástico, nem no vinho, nem na cortiça”, assegura. 

O facto de a CL ter a dimensão que tem, consegue fidelizar pessoas para lá trabalharem. “Quando se consegue criar uma ligação com um determinado conjunto de pessoas que se transformam em profissionais qualificados, o trabalho depois tem maior rendimento e maior qualidade. E na extracção da cortiça eu senti isso”, nota o presidente da CL.

“Quem faz a extracção da cortiça na CL são, todos eles, peritos naquilo que estão a fazer. Alguns jovens acabam por ir com os pais, até senhoras e raparigas este ano eu vi fazer algumas operações. Antigamente os tiradores de cortiça paravam à hora de almoço e tinham uma refeição quente que era cozinhada na hora, no terreno, através do chamado fogo de chão. Era feita uma fogueira em plena charneca, com potes de barro, cada pessoa tinha o seu que era utilizado por uma ou duas cozinheiras. Isso desapareceu. Hoje em dia, as mulheres estão a fazer aquilo que nunca tinham feito antes, que é carregar a cortiça, por exemplo. Tirar a cortiça do chão e ajudar a pô-la nos camiões. Vi mulheres a fazerem essa tarefa com brio e com empenho. Na CL, no âmbito das práticas de sustentabilidade e da certificação, cada vez que há uma ferida numa árvore, há uma pessoa que traz um produto, um anticéptico, que vai colocar nessa ferida. É uma espécie de “serviço de enfermagem” que só com uma exploração com dimensão permite incorporar nos custos da extracção sem agravar o preço”, observa.

A própria extracção da cortiça também já sofreu alguma mecanização. Hoje em dia já há máquinas que fazem algum do trabalho do tirador, como o abrir a cortiça.

“A cortiça tem a sua própria sustentabilidade, atendendo à dimensão e chega a atingir 50 mil arrobas, como aconteceu este ano”, contabiliza. Um ano em que “o volume foi bom, mas o preço foi mau”, admite. 

Um dos problemas actuais dos produtores é serem vítimas do furto da cortiça. 

“Roubo de cortiça sempre houve, mas era esporádico, perfeitamente ocasional, de alguém que entrava numa propriedade onde havia cortiça extraída e fazia um furto. Agora não. Existe um roubo de cortiça arrancada das próprias árvores, em total desrespeito por estas e pela idade da cortiça”, lamenta, admitindo mesmo haver “destruição de valor de património”, apesar de a CL possuir um sistema de protecção e de vigilância, 24 horas por dia.

Caça enquanto “produto natural”

A CL possui, na sua área da Charneca, três zonas cinegéticas. Duas associativas e uma turística. A caça assume-se igualmente como um “produto natural”. 

“Na CL não há caça intensiva. Se há recurso para ser explorado, pratica-se a actividade cinegética, se não há, não se pratica. Está a acontecer neste momento um período negro, por exemplo, na população do Coelho Bravo, não só na CL, mas em todo o país. Estamos, neste momento, a fazer um esforço brutal para recuperar a população do coelho bravo, afectado por uma doença que chegou ao país há cerca de 20 anos e que quase dizimou a espécie. Há regiões do país onde a recuperação já está em curso, felizmente para o lince, na região de Mértola, que permitiu o sucesso do Programa de Salvação dos Linces. Nós estamos a tentar dar uma ajuda com um programa que está a ser desenvolvido com as organizações científicas, nomeadamente a Universidade de Aveiro, e com a organização da qual somos sócios, a Associação Nacional de Proprietários, Gestão Cinegética e Biodiversidade – a ANPC – que nos ajuda a desenvolver esses projectos”, explica.

Vinho está “sob ataque”

A Companhia das Lezírias é, também, uma referência neste sector. O vinho é feito com uvas ali produzidas e isso faz toda a diferença. 

“A Companhia não vai comprar nem vinho nem uvas ao mercado. As casatas presentes são maioritariamente as portuguesas, mas também as internacionais mais emblemáticas, como o Syrah ou o Cabernet”, salienta Oliveira e Sousa que não se escusa de abordar a situação delicada que o sector atravessa: “Estamos numa fase em que o vinho está sob ataque. Querem colocar mensagens nos rótulos das garrafas como fizeram no tabaco e associar a palavra álcool a um comportamento exagerado de determinadas pessoas. O vinho é considerado um produto alimentar. A União Europeia começou bem a reagir a esses ataques, mas agora já está a perder vapor. A questão do rótulo é uma questão interna da União Europeia, não externa. Se a isso juntarmos as taxas ou a agressividade comercial de outras regiões do mundo, o país não é um país muito grande e, por isso, o sector vai sofrer um impacto negativo que leva a perdas que podem vir a ser expressivas e a colocar projectos em risco”, lamenta.

Um panorama que o responsável garante trazer um impacto negativo a outros sectores como o da cortiça.

Azeite: tradição e modernidade

O azeite produzido na CL atravessa uma fase de alguma estabilização. “Teve um pico de preço que foi muito agradável. É um produto para o qual Portugal tem apetência, saber, know-how e condições. O nosso azeite é muito bom”, admite o administrador da CL que destaca a forma “muito tradicional” de como é produzido o azeite de Alter.

“Antigamente, Alter era vivida com outra intensidade, tinha mais gente, mais possibilidade de cuidar das oliveiras de outra maneira. Sendo uma coudelaria e uma instituição por si só, há que valorizar aquilo que lá está e enquanto lá estiverem as oliveiras temos de cuidar delas e tirar o proveito que elas nos possam dar”, afirma. 

Já o azeite da Companhia está “em fase de modernização”. 

“Vamos aumentar a percentagem de área de olival de maior intensidade, o chamado olival em sebe, e estamos a introduzir tecnologia na produção da azeitona. Para quê? Para que o produto que de lá saia seja um azeite de superior qualidade para estarmos dignamente no mercado, tal como estamos no mercado do vinho”, acrescenta.

O sucesso do arroz 

O arroz é outro produto de extrema importância para a CL, maior accionista do agrupamento de produtores a que está associada – a Orivárzea, detentor da marca ‘Bom sucesso’.

“Uma parte significativa do arroz que vai dentro daqueles pacotes é produzido na CL”, informa.

Na Lezíria Sul a cultura do arroz adapta-se bem aos terrenos com um nível de salinidade com alguma expressão e que não são terras apropriadas para outro tipo de culturas. 

Numa perspectiva de valorização do património e de aumento de produção é a cultura do arroz que se adequa a esses territórios e, por isso, alguma intensificação que se pratica é feita através do arroz.

“Há várias razões que levam à perda de rentabilidade do arroz, não só o preço, mas também, por exemplo, questões sanitárias, principalmente no controle das ervas infestantes que começam a ser resistentes aos produtos que são autorizados. A tendência é para diminuir cada vez mais as matérias activas dos produtos químicos autorizados no controle das ervas e isso dificulta o sucesso da aplicação daqueles que são autorizados. Se os resultados não se forem alterando através do preço ou do surgimento de novas soluções, a cultura também pode ter pouco interesse o que dá origem àquilo que é conhecido na gíria pelo abandono rural, que nós não queremos que aconteça”, garante Oliveira e Sousa.

Voar nas asas do EVOA

Se há um local com cabimento para desenvolver um projecto como o EVOA – espaço de visitação e observação de aves – esse local é a CL. O Estuário do Tejo, hoje área protegida, banha uma parte considerável do seu território. “A presença de avifauna é espectacular e a sociedade chama por exemplos como este que nasce associado ao interesse da CL, a apadrinhar uma ideia que teve alguma coincidência com a construção da ponte sobre a Lezíria, associada à Auto-estrada A10, que motivou a Brisa a disponibilizar uma verba para mitigar os efeitos da construção de uma infra-estrutura daquelas”, conta.

“O EVOA leva-nos à contemplação e observação da natureza que o homem pode explorar sem destruir e conservar sem perder o que pretende produzir. É uma área de conservação, especificamente vocacionada para aves que está paredes meias com áreas de produção intensiva, e que funciona com uma gestão de coordenação que nada belisca a própria produção intensiva”, define.

“Tem de haver conhecimento para mitigar os efeitos da intensificação no que diz respeito à biodiversidade e também os efeitos da conservação dessa biodiversidade, no aspecto produtivo que, no fundo, é o que sustenta economicamente a nossa actividade enquanto humanidade”, nota Eduardo Oliveira e Sousa.

O ‘museu vivo’ de Alter

A coudelaria de Alter é uma instituição que fala por si. Está integrada na Companhia das Lezírias, “mas não perde a sua identidade, nem pode perder a sua missão”, sublinha Oliveira e Sousa, para quem a coudelaria tem uma missão diferenciada. Enquanto a CL é uma empresa do sector económico, pertencente ao Estado, mas gerida como empresa, está no mercado, luta por produzir bens e rendimentos, a Coudelaria de Alter não é bem uma empresa, é “uma instituição de cariz histórico, de salvaguarda de um determinado património”, mas também “um museu vivo que carrega consigo um peso histórico elevado”, admite. 

Alter alberga o “património genético e de manutenção” das raças Lusitano e Sorraia. “Foi atribuído ao Estado a responsabilidade de manter algo que é nosso, que faz parte do nosso ADN”, considera.

Enquanto a raça do cavalo Lusitano “está assegurada” a do Sorraia é considerada por muitos como “aquela que maior risco tem de proximidade da extinção”.

A coudelaria de Alter está directamente relacionada com o cavalo puro-sangue lusitano e tem características próprias. “Até mesmo os cavalos que existem na coudelaria de Alter, não são todos iguais, há ali pequenas diferenças, que têm de ser alvo de estudo e de permanente atenção por parte dos serviços oficiais”, defende. 

“Já alertei o senhor Ministro da Agricultura para esta situação que merece revisitarmos a importância deste sector ao nível dos próprios serviços da Direcção-Geral de Alimentação Veterinária, porque a extinção do Serviço Nacional Coudélico, em 2013, deu origem ao desmanchar dessa ligação estreita com a Direcção-Geral e que eu, pelo menos enquanto aqui estiver, tentarei reavivar”, vinca, para que a institucionalização da conservação da raça e dos frutos que se têm vindo a colher possam consolidar-se.

Alter é uma escola e está fortemente ligada ao mundo Académico, nomeadamente à Universidade de Évora e à Escola Profissional de Desenvolvimento Rural que lá funciona.

“É preciso haver um permanente reforço do investimento nessa área. E a escola profissional merece uma atenção especial por parte do Ministério da Educação no sentido de lhe dar consistência e ajuda financeira”, sugere Eduardo Oliveira e Sousa.

Há em Alter um polo de desenvolvimento associado ao saber, à tradição, com base no cavalo e na presença da coudelaria naquela região, reforçado com o turismo de qualidade que o Hotel Villa Galé Collection trouxe para a coudelaria. 

O leilão, sempre no dia 24 de Abril e a entrada ou saída das éguas quando regressam do campo de manhã e quando voltam ao campo à tarde, são exemplos da aposta no maneio, uma das ferramentas e um dos expoentes máximos de quem lida com cavalos e de quem os cria.

“A raça Lusitana tem uma particularidade que é a sua docilidade, e, por isso, são momentos que se transformam quase que num espectáculo sem o ser. “É uma manobra que cativa e uma das atracções do hotel acaba por ser levar os seus hóspedes a assistirem a essa saída e a essa entrada das éguas.

Como novas apostas, o administrador estuda a hipótese de a Coudelaria de Alter “entrar no mercado da barriga de aluguer”.

“Há animais que nós podemos não querer utilizar para a reprodução da raça e que podem ser colocados no mercado das pessoas que querem ter um filho de um cavalo seu e não têm uma égua onde o produzir. 

Outra área a desenvolver “com alguma brevidade” é a cinegética de qualidade elevada que segundo o responsável “ainda não foi devidamente abordada”.

As quatro coudelarias da CL – Alter, Companhia das Lezírias, Coudelaria Nacional e a dos Sorraias – têm actualmente “entre 500 e 600 animais”.

Sustentabilidade vs competitividade

Eduardo Oliveira e Sousa tem uma visão crítica sobre a forma como a Europa vê a sustentabilidade e a competitividade na agricultura e lamenta “a forma lenta” como reage à aplicação das políticas públicas para o sector.

“Critico isso e sinto-o todos os dias. Por cá, também somos um pouco o reflexo dessa Europa e às vezes exageramos com a burocracia que nos consome energia, recursos e nos retira objectividade na abordagem de alguns assuntos”, critica.

“Vejam a diferença entre os Estados Unidos da América a reagirem a qualquer perturbação no sector, quase na hora, e nós aqui no ‘velho continente’, onde cada Estado tem a sua independência, a sua maneira de pensar, a sua tradição, a sua língua, tudo isso. Querer que, de um dia para o outro, se resolva uma coisa e ter de perguntar a 26 ou a 27 se estão todos de acordo com isso, transporta uma inércia que tem consequências”, nota.

Apesar de tudo, Eduardo Oliveira e Sousa considera “positivo” o balanço global, pelo menos para nós portugueses, em fazermos parte da União Europeia. 

À conversa com o ‘Correio do Ribatejo’, o presidente da CL admitiu “altos e baixos” no papel dos sucessivos governos da nação na defesa dos interesses dos agricultores.

“Nós gostamos de dizer que Portugal é um país pequeno, mas mesmo sendo pequeno, somos os maiores produtores de cortiça do mundo, temos a terceira ou quarta posição na produção de azeite do mundo, portanto, não somos assim tão pequenos. E há outros produtos, se formos para as amoras ou para os mirtilos, também estamos bem posicionados, até em quantidade. Se conseguirmos juntar valor àquilo que fazemos, crescemos na dimensão económica”, garante.

Eduardo Oliveira e Sousa recorda que quando foi presidente da CAP passou “a maior parte do tempo à briga com o Ministro ou a Ministra da Agricultura que tutelava a pasta”. 

“Havia ali uma parede, felizmente que agora não é assim”, admite.

“Nós estamos a sentir as consequências de um momento mau que a agricultura está a atravessar. Se tivéssemos o preço do arroz de há dois ou três anos, o da cortiça de há quatro, se não tivéssemos episódios meteorológicos que nos colocaram não sei quantos milhares de árvores no chão, se não tivéssemos cheias, se não tivéssemos nada disto, a CL era uma das empresas mais valorizadas do país com resultados extraordinários. Temos de ter consciência dos contratempos, mas também de sermos capazes de resistir. Se há sector que nunca pode ir à ruína é a agricultura”, lembra.

“Alterações climáticas são uma evidência”

Incêndios, escassez de água, alterações climáticas estão na ordem do dia e são temas recorrentes quando se discute o sector. 

“As alterações climáticas estão aí, sentimo-las na produção e temos de aprender a conviver com elas. Uma coisa que nós sabemos é que mesmo que modifiquemos as nossas práticas do dia-a-dia, combatamos as emissões, mudemos ou não mudemos todos para carros eléctricos, essas mudanças de comportamento vão ter reflexos apenas daqui a dezenas de anos. E daqui até lá temos de continuar a viver, a produzir, a criar riqueza. Nós temos de aprender a viver e saber tomar atitudes”, argumenta.

“Neste momento, estamos a produzir produtos que não se produziam em Portugal e nem se pensava nisso como a pêra abacate, papaia, anona, tudo isso hoje em dia se produz em Portugal. Os produtos que se produziam há dez anos em Beja, daqui a vinte estão a produzir-se em Braga e, portanto, os agrónomos têm aqui trabalho a fazer, os agricultores têm de ouvir os agrónomos, as políticas públicas têm que ajudar os agricultores e é assim que uma sociedade deve funcionar, conscientemente”, realça. 

“Portugal não tem falta de água, mas precisa de olhar para a água que tem de uma forma diferente. Porquê? Porque deixou de chover numa determinada altura e quando chove, chove de uma maneira diferente e nós, pelo histórico, sabemos que a água que precisamos de utilizar durante todo o ano, seja para que actividade for, em termos de volume, ela passa por cá ou está cá. Temos de olhar para a governança da água e dar-lhe um sentido diferente. Puxar pela engenharia, pelo saber que existe, que está disponível e ter arrojo suficiente para tomar as medidas de política adequadas a essas alterações”, salienta. 

Coragem que não tem havido. “Se tivesse havido, a “água que une” já estava a funcionar, a barragem do Pisão já estava construída, o projecto Tejo já estava em forma de projecto e por aí fora. Nós somos muito lentos a chegar à conclusão que, afinal, tem mesmo que se fazer”, observa.

“Vejam o que aconteceu com o aeroporto. Levaram 50, 60 anos. Eu fui director da Barragem de Montargil enquanto director da Associação de Regantes do Sorraia, levou 60 anos até ser construída, em 1958. Sabe quem foi a primeira pessoa a aprovar o projecto? Foi o Rei D. Carlos. As coisas prolongam-se no tempo, mas quando há uma emergência como esta que está evidente, temos de deitar mão das soluções que temos já disponíveis para criar um plano. Finalmente, o governo apresentou-o, denominado ‘Água que une’. Mas a coisa está a demorar por ser quase um confronto Norte-Sul. Está explicado que não é assim, as pessoas ouvem a explicação, mas arrumam para o lado. Porquê? Porque querem continuar com a polémica. E essa é a parte negativa de como a política nos envolve”, comenta. 

Quanto aos incêndios, Eduardo Oliveira e Sousa considera o tema “complicado”. “Tem a ver com alterações climáticas, mas tem principalmente a ver com a ausência de pessoas”, constata.

“O território sem pessoas perde valor porque deixa de ter actividade económica o que dá origem a abandono. Isto, conjugado com as alterações climáticas que trouxeram ondas de calor e períodos de menos humidade no ar. A conjugação destes dois factores faz com que seja mais difícil combate-los, por um lado e mais difícil prevê-los”, salienta. 

“Hoje em dia a internet tem uma palavra a dizer. Há 50 anos, quando o engenheiro Camilo Mendonça quis desenvolver um projecto em Trás-os-Montes, levava cinco a seis horas para vir buscar uma assinatura a Lisboa, hoje com a internet nós assinamos digitalmente um documento sem sairmos da nossa secretária. Qualquer local está globalmente integrado através de uma rede que potencia negócios em qualquer sítio”, refere.

A CL tem vindo a apetrechar-se com todas as ferramentas funcionais e tecnológicas disponíveis.

A mais recente, a Inteligência Artificial, está já presente em drones ou sondas ligadas à interpretação de dados. 

“Utilizamo-las na vinha, no olival, no milho, na protecção e na utilização dos recursos hídricos. É necessário que o governo facilite o voo dos drones e a aplicação dos pesticidas através da sua utilização, com benefícios ambientais e diminuição de custos”, salienta Oliveira e Sousa, para quem a legislação que impede determinado tipo de aparelhos de voar tem que ser adequada.

Com a chegada do novo aeroporto à região não estão previstas novas infra-estruturas dentro da área da CL, mas, sobretudo de forma indirecta, a empresa vai ser afectada “para o bem e para o mal”.

“Ou seja, vamos ter mais trânsito aqui à volta, mais emissões. Há determinadas estradas que é impensável que não recebam melhoramentos como a EN118 e a EN119 que têm de ser completamente modificadas”, sublinha, enquanto acredita que o aeroporto traga novas dinâmicas em redor da CL.

“Vai haver maior capacidade, maiores rendimentos, elevação social, o turismo vai ser beneficiado. Podemos tirar partido da proximidade ao aeroporto para desenvolver várias actividades turísticas aqui na região. E a CL há-de encaixar-se nesse modelo de desenvolvimento económico que há-de surgir e que eu espero que seja envolvido num plano integrado de desenvolvimento regional que alguém vai ter que fazer. 

Apesar de tudo, gostava que a CL se mantivesse como um jardim no meio deste desenvolvimento todo que aqui vai acelerar”, conclui. 

João Paulo Narciso

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