Atravessar uma estrada tem riscos e é matéria da educação básica de segurança rodoviária. Procurar uma passadeira, parar, olhar para a esquerda, olhar para a direita e, se não houver sinal de perigo, atravessar.
Não importa qual a probabilidade de passar um carro naquela estrada; o procedimento é sempre o mesmo, seja numa rua movimentada ou numa rua quase deserta. Assim é com as vacinas: na hora de sermos vacinados tendemos a adotar a atitude de quem atravessa uma estrada.
Independentemente da probabilidade do risco, a atitude que nos guia é procurar o que é mais seguro. É uma atitude humana inata, de proteção da saúde e da vida, não é a resolução racional de uma equação matemática.
Ao insistirem em abordar a recente problemática da vacina de Oxford como se fosse um problema técnico, argumentando estatísticas e apelando a critérios de relativização dos riscos, a generalidade dos investigadores e médicos que manifesta a sua opinião publicamente passou ao lado do óbvio: não estamos perante um problema técnico de aferição da segurança da vacina, discutido em comités da especialidade; estamos perante um problema de crise de confiança nesta vacina.
Confundir o problema é o primeiro passo para equivocar a solução. As estatísticas e detalhes técnicos soam, na população, tão sensatas quanto um apelo para atravessar uma estrada de olhos vendados.
Um ano depois do início da pandemia em Portugal, a Ciência falhou. Não soube interpretar os temores e ansiedade da população. Falou como quem está num congresso de peritos, acenando dados populacionais globais e racionalidades abstratas que perdem sentido quando está em causa a nossa saúde e dos nossos familiares, enquanto casos individuais e únicos.
Podemos estar a falar de problemas que ocorrem em 1 caso entre 1 milhão mas, tratando-se de matéria de saúde, tomamos as dores daquela vítima e esquecemos o alívio dos restantes 999.999 casos. Não interessa se esta atitude faz sentido; simplesmente, é humano. Nem sempre a bússola da Ciência alinha com a complexidade da natureza humana. Nada nem ninguém é perfeito.
Miguel Castanho – Investigador em Bioquímica