Beatriz Martins
Ainda faz sentido celebrar o Dia da Mulher?
O Dia Internacional da Mulher celebra-se a 8 de Março, desde 1977, proclamado pelas Nações Unidas. Foi implementado no sentido de dar visibilidade às lutas feministas por melhores condições de vida e trabalho, e pelo direito ao voto. Parece algo distante, mas, na verdade, é bastante recente. Em Portugal, as mulheres só viram o direito ao sufrágio reconhecido no dia 2 de Abril de 1976. Ou seja, há menos de 43 anos. De lá para cá, a evolução da sociedade esperava-se acelerada. Mas será que evoluiu assim tanto? Numa época em que os direitos de igualdade entre géneros estão, mais do que nunca, na ordem do dia, ainda faz sentido assinalar e celebrar o Dia da Mulher? Colocámos a pergunta a quatro mulheres – de várias áreas de intervenção e faixas etárias – para percebermos a resposta.
Licenciada e mestre em direito, Beatriz Martins tem 24 anos e está a terminar o estágio da Ordem dos Advogados num escritório da cidade. É actualmente líder da JSD de Santarém, onde, neste mandato, coloca em primeiro plano a formação política e autárquica dos jovens, a solidariedade, os problemas sociais do concelho, e o combate à abstenção dos jovens.
O que é que o levou a aproximar da política e sobretudo a fazer parte dela?
Uma razão muito simples: eu acho que a política tem que ser participada. Se não for assim, não é política. E, sem política não há democracia, ou dificilmente existe democracia. e acho que nós não podemos ficar do lado de fora, a fazer de espectadores e olhar para a política como se fosse um trabalho das outras pessoas. Acho que temos que ser nós, enquanto cidadãos, que nos temos que envolver na política e, se achamos que efectivamente existe alguma coisa que tem que mudar, ou que podemos fazer alguma coisa de positivo em prol do nosso concelho ou comunidade, em geral, acho que nos devemos envolver. E eu, desde muito cedo, que sempre estive muito interessada nesses problemas das pessoas, nas questões sociais, nas questões políticas, tanto que eu, desde pequenina, enquanto as minhas colegas queriam ser cabeleireiras, eu queria ser juíza. portanto, estas questões sempre foram do meu interesse. Aos 14 anos, decidi integrar uma juventude partidária por convite e incentivo de uma amiga minha e, desde então, faço parte, orgulhosamente, da JSD.
Como avalia o interesse dos jovens pela política?
Eu acho que os jovens estão distanciados da política porque a política também não está virada para eles. Isto começa, desde logo, pelas chamadas ‘bandeiras’ partidárias, que não têm em conta, em particular, os jovens e as suas problemáticas. Penso que existe um distanciamento que é também potenciado por causa da comunicação. Eu penso que há uma falha na comunicação dos partidos, que não está adequada à comunicação que os jovens estão receptivos.
E é isso que cria o maior fosso entre a política e os jovens. Por outro lado, a juventude tem actualmente outros interesses que não são iguais aos dos nossos pais, por exemplo. Os nossos pais e avós, lutaram por haver um Sistema Nacional de Saúde, pelo voto, pelo ensino generalizado e aberto para toda a gente e nós já temos tudo isso como um dado adquirido. ou seja: acabamos por não ter, propriamente, nada por que lutar. E isso acaba por criar um grande distanciamento entre os jovens e a política. Por isso é que é necessário que os partidos, sobretudo aqueles que fazem parte do arco da governação, peguem em ‘bandeiras’ com as quais os jovens se possam identificar.
Como inverter, então, essa tendência?
É, sobretudo, uma questão de comunicação. Na JSD achamos – e é uma das nossas maiores preocupações – que a chave está na comunicação. A nossa questão é sempre, como vamos comunicar e cativar os nossos militantes e a população em geral. A nossa dificuldade é sempre como fazer chegar e passar a mensagem do que queremos dizer. Nós temos que perceber quais são os meios de comunicação que são utilizados actualmente e quais são as formas de comunicação que as pessoas absorvem e acho que é, sobretudo, a partir daí, e passando mensagens muito claras, sem subterfúgios e sem aquelas mensagens já muito gastas dos partidos. Acho que há que desmistificar um pouco a política, transformando-a num exercício que deve ser praticado por todos. Penso que é assim que conseguimos chegar, não só aos jovens, mas também cumprir a nossa grande missão, que é combater a abstenção jovem.
Quais os objectivos a alcançar e os pontos a tocar pela JSD neste seu mandato?
Neste momento, os nossos pilares na JSD prendem-se, sobretudo, com a formação dos jovens porque eles têm que saber, por exemplo, o que é e para que serve uma Junta de Freguesia, uma Câmara Municipal, uma Assembleia de Freguesia, para poderem votar em consciência e conformidade. Se não souberem quais são as atribuições e competências desses órgãos, nunca poderão votar em conformidade. E acho que essa é uma das nossas principais missões: formar os jovens dentro e fora do partido para que possam votar de forma consciente e livre. outro dos nossos pilares é a sustentabilidade ambiental. O ambiente tem de ser uma bandeira de todos os partidos políticos. e, nesse sentido, a JSD também se propõe a fazer algumas campanhas de sensibilização ambiental, a procurar, junto das empresas o que é que elas fazem que possa ser diferente e partilhado e apreendido por outras empresas por forma a combater os impactos ambientais que muitas indústrias têm e também temos, como outro pilar, o emprego. Na direcção da JSD, actualmente, estamos todos a exercer uma profissão. E achamos que isso é fundamental: nós queremos trabalhar, nas nossas áreas, e em Santarém. Queremos viver e trabalhar em Santarém. Mas, para isso, é preciso que o concelho tenha condições para que nós, jovens, nos possamos fixar.
E, nesse sentido, também temos algumas intervenções planeadas para, no fundo, criarmos uma plataforma onde possamos descobrir e analisar de que forma é que a oferta formativa que existe está adequada ao mercado de trabalho que existe em Santarém.
Tem ambições políticas?
Não. Eu tenho uma profissão. Neste momento, sou advogada estagiária. Tirei mestrado em Direito e pretendo continuar nesta carreira. A minha ambição política passa por intervir civicamente e fazer alguma coisa em prol da minha comunidade, se entender que tenho condições pessoais para isso.
Qual é o papel de uma Jota em termos de intervenção na sociedade?
É ser um agitador de consciências.
Alguma vez sentiu que, por ser mulher, algumas oportunidades lhe estavam vedadas?
De forma nenhuma. Considero que as questões de género, hoje, podem-se colocar em ambientes muito específicos. Eu, pessoalmente, nunca senti que tivesse sido discriminada de forma alguma por ser mulher, em contexto nenhum. Até porque fui durante muitos anos a única neta dos meus avós. Os meus primos são todos rapazes, tenho um irmão mais velho e nunca fui posta de parte: sempre joguei à bola e andei de bicicleta com eles (risos). Na escola, também sempre fiz exactamente as mesmas coisas que faziam os rapazes (as que me interessavam, obviamente).
Acha que, na actualidade, as questões de género já não se colocam?
Claro que ainda existem algumas questões por resolver. É um assunto amplamente falado, sobretudo, em termos da existência de desigualdades salariais entre homens e mulheres. Há coisas que acho que já não fazem muito sentido, mas actualmente ainda persistem algumas situações de discriminação com base no género.
Considera que as quotas partidárias continuam a fazer sentido?
Penso que não. Faria muito mais sentido criarem-se quotas para jovens do que para mulheres. Penso que, neste momento, seria mais vantajoso. É uma não questão. Até porque é desvirtuoso para qualquer mulher sentir que está numa lista a qualquer órgão decisor por ser mulher e não por ser competente.
Na JSD, em concreto, nas últimas eleições, tivemos alguma dificuldade em encontrar mulheres que estivessem empenhadas e com vontade de participar. Apesar de haver muitas com essa vontade, a disponibilidade não era muita. No entanto, a presidente é uma mulher, a secretária-geral também, temos outra na Comissão Política e também na Mesa da Assembleia. Portanto, a JSD é um exemplo paradigmático em como as mulheres estão bem representadas até porque a presidente, a nível nacional, é também uma mulher.
Ainda faz sentido assinalar o Dia da Mulher?
Sim e não. Acho que não porque, enquanto existir um ‘Dia da Mulher’ vai-se fazer sempre uma espécie de discriminação, apesar de positiva. Se pretendemos a igualdade, qualquer tipo de discriminação é contraproducente. Por outro lado, entendo que sim, que se deve continuar a celebrar o Dia da Mulher porque, enquanto sociedade, não nos devemos esquecer que a emancipação da mulher é uma coisa relativamente recente e devemos continuar a lutar por ela porque ainda existem desigualdades – em âmbitos e contextos muito específicos – e qualquer desigualdade está errada e devemos lutar contra ela porque, perante a Lei, somos todos cidadãos iguais e de plenos direitos.
Qual é a personalidade – ou personalidades nacionais – que, na sua opinião, merece um lugar de relevo na história na luta pela emancipação da mulher?
Destaco a médica Carolina Beatriz Ângelo, a primeira mulher a votar no país, nas eleições constituintes, a 28 de Maio de 1911.