A direção da Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários Torrejanos (AHBVT), em Torres Novas, demitiu-se hoje em bloco alegando “conluio” contra o seu projecto de “reestruturação”, e um “clima de intimidação” que culminou na convocatória de uma Assembleia Geral de destituição.
“A Assembleia Geral extraordinária requerida por um grupo de sócios e convocada pelo presidente da Mesa para destituir a actual direcção”, agendada para sábado, dia 17 de fevereiro, configura um “golpe de estado” e “é o culminar de uma situação de constantes e sistemáticas ameaças, difamação e injúrias, num ambiente aterrador que resulta da não renovação da comissão de serviço do actual comandante e de uma participação judicial que a actual direcção fez por alegada fraude fiscal da anterior direcção”, disse hoje à Lusa o vice-presidente da direção da AHBVT.
Segundo Gabriel Neves, a decisão da “demissão em bloco” da direção da AHBVT, hoje anunciada em conferência de imprensa, “tem efeitos imediatos”, ficando os seus elementos “em comissão de gestão até à tomada de posse de uma nova direção”.
O dirigente disse que, no sábado, “face à situação que se vive na corporação”, houve uma “tentativa de encontrar uma solução que apaziguasse os ânimos”, através de uma “proposta de acordo que visava adiar oito meses a assembleia para destituição da direção, até que os processos em tribunal chegassem a um desfecho”, mas sem sucesso.
“Por trás desta assembleia que visa destituir a direção só pode estar o escopo de substituir rapidamente a direção e meter alguém em funções para ir junto dos tribunais retirar os processos que esta direção intentou e, desta forma, denegar a justiça”, afirmou Gabriel Neves.
O presidente da Assembleia Geral da AHBVT, Arnaldo Santos, já havia confirmado à Lusa a marcação de uma sessão extraordinária para destituição da atual direção, numa ação originada pela suspensão do comandante da corporação.
“A Assembleia geral extraordinária foi solicitada por um grupo de sócios e sou obrigado a convocar. Está marcada para dia 17 de fevereiro e vai discutir os pontos apresentados pelos sócios, entre eles a destituição da atual direção”, disse à Lusa o dirigente, que foi duramente criticado pelo presidente da direção demissionário.
Em comunicado, a direção da AHBVT, presidida por Nuno Cruz, visando a “defesa do bom nome da Associação (…) e atendendo aos “mais recentes acontecimentos”, afirmou “repudiar toda a corrente de desinformação que (…) grassa na opinião pública”, num processo que teve origem na não renovação do atual comandante e que culminou com um pedido de destituição da direção.
“A recente convocatória de Assembleia Geral Extraordinária que visa destituir a direção da associação em funções, só pode ter por escopo fazer ocultar uma eventual fraude fiscal na ordem de meio milhão de euros, apurada pela atual direção e alertada pelo Conselho Fiscal à anterior direção da associação desde há anos, naturalmente apontada às gestões anteriores que tinham como presidente da direção Arnaldo Santos”, afirmou o dirigente.
Segundo Nuno Cruz, “a atual direção, após a sua tomada de posse, ao tomar conhecimento de tais ilegalidades, procurou restabelecer toda a legalidade e impor condutas de rigor e transparência na gestão, que está e deve estar, sempre subordinada ao escrutínio da aplicação de dinheiros públicos”, com as participações a seguirem para a Procuradoria Geral da República (PGR) e Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Leiria.
Questionado pela Lusa, Arnaldo Santos, que disse desconhecer a que se refere Nuno Cruz, rejeitou as acusações, tendo afirmado que a direção dos bombeiros “é um órgão colegial”, onde “todos têm as suas competências e responsabilidades” a desempenhar e assumir.
“De acordo com os estatutos, são competências do tesoureiro tudo quanto diga respeito à contabilidade e finanças da associação e nunca o tesoureiro falou ou deu qualquer informação sobre eventuais fraudes fiscais, portanto, não sei a quer se quer referir”, assegurou, tendo feito notar que “o tesoureiro da direção que quer acusar seja o mesmo de hoje”.
O litígio começou depois do comandante dos Bombeiros Voluntários Torrejanos ter sido suspenso preventivamente de funções em janeiro, com processo disciplinar, por atitude “negligente” e outras acusações.
“Obstrução às orientações” da direção, “conflitualidade”, “abandono de funções para parte incerta sem nomear substituto” e “oposição a todas as mudanças” definidas pela direção foram alguns dos motivos, sendo-lhe atribuída ainda responsabilidade na “desmotivação e desunião do corpo de bombeiros”.
Segundo a AHBVT, “por estas e outras razões, entendeu a direção não renovar a comissão de serviço do sr. comandante José Carlos Sénica Pereira, que terminava no passado dia 19 de dezembro de 2023”, tendo o comandante recorrido da decisão para uma comissão arbitral, presidida por Arnaldo Santos, e que lhe deu razão, e com a AHBVT a responder com um processo disciplinar e com um processo judicial, que decorre.
Nuno Cruz, que tomou posse em maio de 2023 para um mandato de três anos, disse à Lusa que o seu projeto de reestruturação da AHBVT assenta (…) no apoio às populações, ao socorro e à emergência”, em “propósito que só pode ser cumprido se a gestão for feita de forma transparente, justa, e garantir, por meios próprios, que a associação gera a autonomia financeira indispensável para a melhoria do socorro, da emergência, do apoio às populações e das condições de trabalho dos Bombeiros”.
Hoje, o vice-presidente disse que a direção “entende que não estão reunidas mais as condições para continuar em funções, com o cenário que temos, e apresentámos a demissão em bloco. Há aqui um conluio grande entre o comandante e o presidente da Assembleia com o qual esta direção não pode mais compactuar”, concluiu.