Tenho a sensação – e sei que é apenas isso – de que o tempo está a correr depressa demais. Atrás de anos, anos vêm como se o tempo tivesse pressa de chegar à meta para finalizar a corrida que, em bom rigor, nunca finaliza. Há, apenas, quatro metas volantes durante as etapas desta volta que é a vida: o Carnaval, a Páscoa, as férias grandes e o Natal. Pautamos as nossas vidas por elas. Aproveitamos para brincar, rezar, descansar e confraternizar. E depois é sempre a acelerar.
Já estamos no mês em que, havendo uma menor incidência dos raios solares, os dias são mais pequenos e as férias vão de férias. Inversamente proporcional é a grandeza de alguns acontecimentos deste mês de setembro; uns típicos, outros atípicos, mas que se estão a tornar igualmente típicos, tal é, infelizmente, a regularidade com que têm acontecido no nosso país, em particular, e no mundo, em geral.
O principal, o previsível, o típico e o mais relevante acontecimento é, na minha opinião, o regresso à escola. É ela o catalisador da vida porque aumenta a velocidade de reação da sociedade que gira em seu redor. Qual relógio suíço, recomeça, sem falhar e com poucas oscilações temporais. De uma previsibilidade absoluta.
Prevaleço-me da oportunidade para cumprimentar, efusivamente, todos os pais, colegas professores, assistentes operacionais e alunos – bem como todas as comunidades educativas -, fazendo votos de que seja um excelente ano letivo para todos.
Na escola aprendemos – se nos envolverem e cativarem – as estórias da História e as contas, para que tudo bata certo na nossa vida. E aprendemos a desenhar as letras. Depois juntamos os desenhos e construímos palavras. E vamos aprendendo o que elas querem dizer: Primavera, Verão, Outono, Inverno.
Havia – o verbo no passado aqui é com um propósito – quatro estações do ano, ensinavam aos miúdos. Sabíamos de cor as suas caraterísticas e era tudo bem definido e devidamente balizado. Sabíamos quando guardar os casacos e tirar os calções de banho dos armários. A professora perguntava “Quais são as quatro estações do ano?”. E nós respondíamos, papagueando em coro: “Primavera, Verão, Outono e Inverno!”
Se nos privassem de todos os calendários e relógios, o estado do tempo, por si só, dizia-nos em que estação do ano estávamos.
E aprendíamos que havia diversos tipos de clima, típicos de cada zona do planeta e da altura do ano. O clima foi sempre um fator preponderante que tem uma influência decisiva na qualidade de vida das pessoas. Assim, temperaturas moderadas e estações regulares ofereciam a previsibilidade necessária para sabermos quando semear e colher. Pelo contrário, temperaturas extremas e estações irregulares – provocadas pela rebelião do sol, do vento e do mar, face à ação do Homem – só nos trazem fenómenos climáticos cada vez mais esquisitos, raros e imprevisíveis. Estes têm a capacidade de desorganizar a vida das sociedades porque a luta contra tsunamis, furacões, inundações e fogos é absolutamente desigual. E, por isso, também aprendemos, mesmo sem ir à escola, que “mais vale prevenir do que remediar”, uma sabedoria universal de agir com antecipação. São lutas que não podemos ganhar e – quase – todos perdemos.
No final de agosto, ouvi uma reportagem, na TSF, sobre a gestão dos fogos: ganhos e perdas, responsáveis por esta desgraça, meios e alegada inoperância do Ministério Público na análise dos processos dos fogos. Fiquei perplexo e indignado com o que ouvi. Há responsáveis – especialmente grandes empresas que lucram com os fogos – e não houve indemnizações às pessoas a quem ardeu tudo e que ficaram sem nada.
Note-se que não houve indemnizações, nem devia ter havido, uma vez que todos os processos foram arquivados!!… Não houve “prova deduzida” – acho que é assim que se diz. Deduzo que não interesse a alguns que se faça justiça. Sobrepõem-se os interesses económicos, hoje e sempre.
Em Espanha, num caso idêntico, uma empresa de energia elétrica (concorrente no mercado em Portugal), foi condenada a pagar quase nove milhões de euros às vítimas. Em Portugal, são as vítimas que são condenadas a viver vidas desgraçadas!
Infelizmente, o fogo já passou à categoria de acontecimento nacional; típico, pois já todos sabemos que, em cada verão, vai arder tudo! E não havia necessidade! Por isso, as tréguas dos fogos, sob os auspícios de setembro, são outro acontecimento relevante. Um mês mais temperado, com a humidade e as orvalhadas a substituir bombeiros exaustos, afasta-nos dos extremismos do tempo, ajudando o Homem a sarar as feridas.
Aqui como em todo o mundo, nas duas últimas décadas, a profusão de fenómenos naturais raros e extremos deixou o Homem sem capacidade de reação pela imprevisibilidade e pela intensidade, aumentando a insegurança das populações. Há evidências científicas de que o aquecimento global está associado aos desastres ambientais em todo o mundo. Um tsunami continua a ser um tsunami, e sempre os houve, dirão alguns. De facto, assim é. Há apenas uma diferença: a magnitude. Apenas! Em 2024 registou-se o maior número de desastres climáticos sem precedentes num só ano, somando mais de 150 casos.
Todos temos conhecimento de casos e mais casos de catástrofes ambientais que provocam desgraças humanitárias, com uma frequência inusitada.
Por isso, sou da opinião que cada um de nós deve contribuir com a sua ação para a prevenção dessas tragédias humanitárias provocadas pelos fenómenos naturais, raros e extremos.
No regresso à escola, sendo professor de português, promoverei debates e discussão de ideias com os meus alunos sobre as alterações climáticas e contar-lhes-ei histórias que os façam pensar e que os estimulem a mudar comportamentos e atitudes. Cabe-lhes também a eles, jovens, no futuro, prevenir as tragédias, uma vez que todos já vimos que remediar não é possível, mesmo com a abnegação de bravos bombeiros que morrem para defender o indefensável.
Contar-lhes-ei a história de uma mulher cabo-verdiana que perdeu tudo na sequência de um fenómeno climático raro e extremo na ilha de S. Vicente. Numa ilha onde pode haver períodos de vários anos sem chover, recentemente, durante sete horas, chuvas diluvianas provocaram o caos na bonita baía do Mindelo. A ajuda humanitária chegou – há sítios onde não chega, apesar do mundo assistir a mortandades e genocídios – e foram levar bens alimentícios a uma senhora idosa. Levaram-lhe arroz. Então a senhora perguntou para que queria ela o arroz, se não tinha um simples tacho para o cozinhar.
Poderei contar aos meus alunos a história de pessoas que perderam tudo nos fogos deste verão porque, se calhar, um cabo descarnado de baixa tensão, com o vento, terá batido num ramo de árvore e provocado uma ignição ou que há pessoas capazes de acender isqueiros não só para acender cigarros.
Poderei narrar-lhes histórias de tsunamis devastadores no Oriente, em que o Adamastor foi revisitado.
Mas, essencialmente, terei de os por a pensar nas soluções para estes problemas para que um dia, professores do futuro, não tenham de contar histórias aos seus alunos de um país, o nosso, onde se passavam ótimas férias em praias tricotadas que o mar engoliu.
A omnipresença das imagens sobre os fogos e outras tragédias não ajuda a sonhar com as múltiplas possibilidades de se resolver o problema.
Sendo positivo, mas não querendo ser irritantemente otimista, quero acreditar – e fazer acreditar os mais novos, agora que começa a escola – que estamos a tempo de acalmar o tempo, controlando a poluição que provoca a sua destemperança.
Haja vontade e coragem!