Entre 2002 e 2016, o volume de água necessário para regar as terras agrícolas passou de 6.551 hm3 para 3.432 hm3, ou seja, menos 48%. O presidente da Fenareg – Federação Nacional de Regantes de Portugal, José Núncio, não tem dúvidas que a melhoria das tecnologias e dos sistemas de rega está na origem desta evolução positiva, com a rega gota-a-gota a representar mais de metade da área regada em Portugal, o que coloca o País “entre os mais avançados do Mundo, com uma eficiência média de 83% no regadio”.
Mas a eficiência dos agricultores não é suficiente. Os agricultores têm feito o seu trabalho em termos de eficiência hídrica, mas à custa de um maior consumo de energia. Se o uso da água baixou para 1/4, o consumo de energia multiplicou por nove. Por isso, para reduzir a factura energética e a pegada de carbono da agricultura a Fenareg defende o investimento em energias limpas (solar fotovoltaica) para bombagem da água nas redes de distribuição secundária (canais, condutas) e terciária (parcela agrícola). Algumas das associações de regantes filiadas na Fenareg já investiram em energias limpas, “casos-piloto de sucesso que devem ser replicados”.
A agricultura de regadio tem estado na base do crescimento das exportações agro-alimentares nas últimas duas décadas. Quais as prioridades dos regantes para os próximos tempos?
O regadio, além de uma peça fundamental no equilíbrio da nossa balança agro-alimentar, é determinante na adaptação da agricultura às alterações climáticas e para conseguirmos uma agricultura economicamente sustentável.
Defendemos que é necessário desenhar um caminho robusto e sustentável para o desenvolvimento do regadio e por isso a FENAREG promoveu um estudo para uma proposta de estratégia nacional para o regadio.
É uma visão de longo prazo para a modernização do regadio e sustentabilidade da capacidade produtiva nacional, com ambiciosas metas ambientais e que se desenvolve em sete eixos estratégicos, assentes em três pilares: Resiliência, Eficiência e Sustentabilidade, cumprindo os objectivos específicos propostos pela União Europeia: Modernizar o regadio é um elemento chave para economizar água, mitigar os efeitos das mudanças climáticas e podermos dispor de um regadio sustentável no futuro. A médio prazo, até 2030, identificámos ser necessário o investimento de 1.700 milhões de euros e a actual oportunidade dos diversos fundos estruturais e programas de apoio disponíveis não pode ser desperdiçada.
Consideramos que a 6.ª reforma da Política Agrícola Comum provavelmente será a última oportunidade para o investimento em regadio e assim a nova PAC e o Plano Estratégico (PEPAC), que será definido para Portugal, revestem-se da maior relevância para o sector. Mas também outros instrumentos financeiros, como o Next Generation EU ou o Plano Nacional de Recuperação e Resiliência, devem integrar e contribuir nestas matérias.
A FENAREG pediu recentemente um reforço de verbas para regadio no PRR (Plano de Recuperação e Resiliência). A reivindicação foi acolhida?
De acordo com a última versão do PRR, o investimento directo no regadio representa apenas 1,3% (188 M€) dos apoios que Portugal vai receber de Bruxelas, um total de 13.944 milhões de euros em subvenções. O investimento em regadio previsto pelo Governo no PRR cinge-se ao Plano de Eficiência Hídrica do Algarve e da Madeira e à construção do aproveitamento hidroagrícola do Pisão/Crato.
A FENAREG tem chamado a atenção para a importância do reforço dos fundos do PRR para aumentar a capacidade de armazenamento de água e para aumentar a eficiência do uso da água e da energia na agricultura.
Um dos resultados das alterações climáticas é a redução significativa das afluências médias anuais e Portugal tem capacidade para reter apenas 20% da água disponível, o que representa um grave problema para o abastecimento de água à agricultura e às populações. Todos temos presente os problemas graves do Tejo, quer em termos de quantidade como de qualidade da água.
O nosso país deve, por isso, ter prioridade no investimento em disponibilidade de água, com construção de barragens em locais estratégicos e criar ligações hidráulicas entre esses reservatórios para transferir caudais para as regiões mais carenciadas.
O PRR de Portugal reforçou, por exemplo, as verbas para a gestão da água no ciclo urbano, mas ao que se conhece, não incluiu ainda, da mesma forma, o regadio. Esperamos que esta situação se reverta, à semelhança dos respectivos programas em Espanha e noutros Estados-Membros, porque reconheceram a prioridade e a importância da produção agrícola na recuperação das economias nacionais.
O PRR é uma oportunidade que deve ser aproveitada. Acreditamos que ainda é possível que venha a responder de forma estrutural nos investimentos na agricultura e na água, que são essenciais para a resiliência futura do país.
As barragens existentes são suficientes para o Programa Nacional dos Regadios?
A necessidade de novas barragens para regularizar a disponibilidade de água é em problema estruturante para o país e transversal a vários sectores, que vai muito além do programa nacional de regadios. Veja-se o caso do Tejo, que não está ainda no actual PNRegadios mas que acreditamos, venha a estar.
A capacidade de armazenamento na parte Espanhola da bacia do Tejo é de 100% das afluências anuais, contra os 20% em Portugal. Significa que 80% das disponibilidades de água na parte portuguesa da bacia do Tejo seguem caminho até ao mar. Pedir que Espanha nos dê mais água, quando a deixamos passar directamente para o mar, faz sentido? Julgamos que não. Por isso é preciso encontrar outras soluções.
Para poder gerir melhor a água no controlo das secas e das cheias, Portugal precisa investir na capacidade de regularização das bacias hidrográficas. Desta forma asseguramos água para manter vivos os nossos rios e os habitats associados, ao mesmo tempo que asseguramos disponibilidade para os diferentes usos nos vários sectores: abastecimento humano, turismo, agricultura, produção energética.
Como pode o País garantir o armazenamento de mais água para fazer frente aos períodos de seca?
Nos últimos 20 anos, ocorreram cinco períodos de seca e há agravamento da sua intensidade e duração. Quando chove, escorre de forma torrencial e concentrada, com uma intensidade que causa danos, erosão do solo, inundações e não chega a ter tempo para se infiltrar e recarregar os aquíferos.
O ciclo continuado de escassez de recursos hídricos tem vindo a afectar gravemente o desenvolvimento sustentável do nosso País. Não tenhamos ilusões: sem água para desenvolver a agricultura e fazer face às alterações climáticas, não haverá fixação de pessoas no interior e dependeremos cada vez mais da importação de bens alimentares, além de pormos em risco a coesão e a sustentabilidade futura dos nossos territórios.
Temos casos recorrentes de falta de água em Portugal. É o caso da bacia do Sado, a situação actual mais crítica, mas que tem vindo a intensificar-se e a alargar a mais regiões, como a região do Algarve e também a bacia do rio Tejo, principalmente nas zonas com menor capacidade de regularização.
Para poder gerir melhor a água no controlo das secas e das cheias, Portugal precisa investir na capacidade de regularização das bacias hidrográficas. No Tejo, é necessário construir a barragem do Alvito, no rio Ocreza e no Algarve, a barragem da Foupana. Necessitamos investir também na interligação entre reservatórios para aproveitar a disponibilidade deste recurso, como é o caso da ligação de Alqueva à barragem do Monte da Rocha e outras na bacia do Sado, e a captação no Pomarão para o Algarve.
Além disso devemos continuar a investir no aumento da eficiência através das tecnologias mais actuais e potenciar a reutilização de água.
Como vê o grande projecto de regadio proposto para a região do Ribatejo?
Este grande projecto no Tejo é estruturante para esta região do Ribatejo e também para a do Oeste. A bacia do Tejo é, em termos agrícolas, a mais importante a nível nacional. A rega neste território depende 50% do recurso a aquíferos subterrâneos e 50% de águas superficiais, as quais têm uma elevada dependência do regime de caudais de Espanha. Devemos começar por criar capacidade de reserva de água do lado português e dotar as explorações agrícolas de infra-estruturas de abastecimento de água, através dos sistemas mais eficientes no uso da água e da energia. A solução existe, está a ser estudada e chama-se barragem do Alvito, no rio Ocreza.
É mais urgente do que nunca promover um debate alargado e introduzir na agenda política a necessidade de garantir segurança hídrica na agricultura, para travar a tendência de abandono agrícola e das regiões do interior, garantindo a segurança alimentar.
A redução da factura energética tem sido uma das batalhas da Fenareg. Que avanços foram já conseguidos?
A sustentabilidade energética é uma área que deve ser prioritária no regadio. O consumo de energia está relacionado com a optimização da rega, no uso mais eficiente da água. Temos de ser mais eficientes na utilização de energia, enquanto factor de produção caro e queremos contribuir para a economia de carbono zero.
Com 82% da área nacional de regadio utiliza rega sob pressão, dos quais 54% já é rega de precisão (gota-a-gota ou subterrânea) estamos entre os líderes mundiais no regadio eficiente. Há 20 anos apenas 22% da área tinha rega sob pressão. No entanto, os sistemas de rega de precisão usam “menos água” mas dependem do consumo de energia, um dos factores que mais encarece o regadio em Portugal.
Para aumentar a sustentabilidade energética do regadio, a FENAREG tem vindo a apelar a medidas para compensar o desaparecimento dos apoios à electricidade verde, fundamentais num sector de actividade sazonal como é o da agricultura de regadio, que exige uma potência energética elevada concentrada na época estival – Abril a Setembro. As medidas propostas são: a criação de um programa de apoio específico para substituição das fontes de energia convencionais por renováveis nas explorações de regadio e nas infra-estruturas públicas de abastecimento ade água para rega. Com esta medida os regantes contribuirão para o cumprimento dos objectivos de redução das emissões de gases com efeito de estufa, já que o impacto ambiental das energias limpas é 30 vezes menor que o gerado pelas energias convencionais.
Ao nível da factura da electricidade, tornar possível contratar duas potências eléctricas diferentes ao longo de 12 meses ou, em alternativa, pagar pela potência real registada e não pela teórica contratada. Espanha já avançou com estes contratos de electricidade sazonais para a agricultura, tal como em França, sendo importante o Governo Português criar a mesma, num País onde os preços de electricidade são os mais altos da Europa e mais de metade da factura são custos fixos provenientes de rendas, impostos e taxas.
O reforço de acções de eficiência energética, com programa específico de apoio para o sector do regadio, com o objectivo de reduzir o consumo energético das instalações, através da avaliação de desempenho e substituição de equipamentos existentes por outros mais eficientes.
No âmbito do PDR2020, com os apoios do Next Generation EU, está já em implementação desde Maio de 2021, a instalação de energias renováveis fotovoltaicas nas explorações agrícolas. Esperamos que essa possibilidade abranja em breve também os regadios colectivos e as associações de regantes, através de um anúncio dedicado na operação 3.4.2 do PDR2020, com um objectivo de equilíbrio na sustentabilidade energética dos agricultores em aproveitamentos hidroagrícolas, que representam 40% da área de regadio nacional e nos quais o peso da factura da energia chega a ter um peso de 75% do custo do serviço de abastecimento de água. Para ter uma ideia, as intenções que recolhemos junto dos nossos associados, totalizam 2,3 MW de potência instalada e um valor de 2,5 M€ de investimento.
A FENAREG já reforçou esta necessidade junto do Ministério da Agricultura que acreditamos ser possível e de justa aplicação, para abranger todo o regadio.
Apesar de no ano passado ter havido uma reintrodução da medida da “electricidade verde”, numa tentativa muito modesta e muito aquém do necessário, ficou a promessa da Senhora Ministra para aumentar o apoio para níveis da anterior (entre 40 a 50% da factura de electricidade) e abranger também os agricultores integrados em aproveitamentos hidroagrícolas.