Porventura, haverá ainda quem não tenha dado conta de que estamos já a dois anos de passar um quarto do século XXI, ele que foi apontado, por quem se ocupa de fazer previsões, de ser o tempo da modernidade absoluta, o tempo em que iríamos, definitivamente, entrar no século do futuro.
Pois então aqui, neste cantinho à beira-mar plantado, a realidade não conseguiu ultrapassar a ficção, quanto mais caminhar a par dela. É certo que hoje temos acesso a mais informação, que se fazem mais relatórios e o resultado é que também a nós, cidadãos comuns, chegam notícias que nos deixam inquietos, já que o que hoje toca a uns, com muitas probabilidades nos poderá também atingir, porque afinal estamos todos no mesmo barco e o assunto é de todos.
Tivemos à frente da pasta da saúde uma senhora que era completamente alérgica a qualquer reparo feito à sua pasta, já que o apontar desses erros tinham, segundo as suas reacções, apenas e só como fim a destruição do SNS, que o mesmo é dizer Serviço Nacional de Saúde.
Antes de avançar no meu raciocínio, quero dizer que considero o SNS como uma das coisas mais importantes que se criaram em Portugal, depois do 25 de Abril e que os males que hoje se lhe apontam não podem ser, de forma nenhuma, imputados aos profissionais que ali trabalham – médicos, pessoal de enfermagem e de apoio, mas sim aos políticos que, desde 1979, ano da sua fundação, começaram imediatamente a prometer que ali estava “a última Coca-Cola do deserto”.
Foram eles que, ao longo dos anos nos foram “anestesiando” de mentira em mentira, prometendo e nunca cumprindo, sempre arranjando justificações para a sua falta de jeito para gerir a coisa pública. E a tal ponto, que agora nos deram outro ministro da Saúde, que tem uma táctica completamente diferente. Deixou de ser agressivo e passou a compreensivo. Diante dos microfones e convocado para a existência, por exemplo de tempos de espera para consultas, afirma que esse é um assunto que o preocupa muito, que não dormirá bem enquanto ele persistir e, logo de imediato, bombardeia o micro com as coisas que já conseguiu desde que ocupou a cadeira.
Bem poderá o pobre ministro tentar pintar o céu de azul e de esperança, que ele continua negro e a anunciar tempestade.
Entre nós, para dar a sensação que se está a tratar de um problema sério, cria-se uma sigla. Peguemos nesta. TMRG. Sabe o amigo leitor o que é?
Tempo Máximo de Resposta Garantido. O governo instituiu que o TMRG para a primeira consulta de especialidades nos hospitais do SNS. Para os doentes com a prioridade normal, não pode ser superior a 120 dias. E pronto. O problema está resolvido por decreto, deixando de haver motivos para críticas.
Só que a estes pensadores loucos a realidade acaba por mostrar-lhe coisas muito diferentes. Hospital da Guarda, 1400 dias de espera para uma primeira consulta de Cardiologia; Portimão 1127 dias para oftalmologia… etc… etc… A situação repete-se em mais de vinte unidades hospitalares do país.
O hospital de Santarém também está referenciado na especialidade de gastroenterologia onde os casos prioritários, que têm no TMRG 60 dias, estão ali referenciados com 410 dias.
Para quem quiser saber do desastre total, recomendamos a consulta do portal do SNS e também a toma de uma embalagem de ansiolíticos, para deixar de se ralar com o assunto.
Quando estão à porta das urgências do hospital de Faro uma dezena de ambulâncias durante mais de quatro horas à espera que lhe sejam devolvidas as macas onde transportaram os sinistrados ou doentes para aquele local; quando, por esta circunstância, fica comprometida a assistência a novos casos, por falta de ambulâncias; quando a justificação para isto nos é dada por falta de equipamento (macas) no próprio hospital, estão estamos a falar de quê?
Competência de gestão? Capacidade de resolução destes temas que podem ser ainda mais graves, porque causadores de outros desenlaces por falta de socorro? Inevitabilidade?
A realidade é outra, infelizmente. Os problemas foram “empurrados com a barriga” – muito ao que é também o jeito de resolvermos os nossos problemas particulares – a degradação foi-se alargando e o buraco negro está instalado. Esperar mais de mil dias por uma consulta, é um record de livro e não sei porque ainda não pedimos a sua certificação oficial.
O problema é sério e devia envergonhar-nos enquanto povo. Dir-me-ão que há alternativas. Certamente que sim. Ao alcance de poucos, porque não devemos esquecer que mais de quatro milhões têm rendimentos abaixo do limiar da pobreza e que só por transferências ditas sociais é possível baixar este número para 1,9 milhões de almas. São os dados da Prodata de 2020, onde Portugal está no primeiro terço dos mais pobres da UE.
É por estas e por outras que, as telenovelas que nos vão soltando aos soluços sobre as TAP’s desta vida, nos deixam revoltados.
Dão-se chorudas gratificações a quem nos indicar onde estão os políticos que consigam reverter estas situações e as urnas para votarmos neles.
PS – A apresentação do questionário é obrigatória e acompanhada de um certificado de sanidade mental.