Se passearmos, em qualquer altura do dia, por qualquer cidade portuguesa, deparamo-nos com uma nova realidade. Grupos de imigrantes indo-asiáticos, maioritariamente masculinos, passam o tempo passeando pelas ruas e praças, conversando, telefonando, jogando uns com os outros os seus jogos tradicionais, de uma forma aparentemente despreocupada. Será?

Em 2020 havia no mundo 281 milhões de imigrantes (3,6% da população mundial) dos quais 60% eram trabalhadores, que transferiram mais de 700 biliões de euros para os seus países (OIM, 2022). 87 milhões deles estavam na Europa, mais 16% que em 2015. Em Portugal o número era de 700.000, um crescimento de 80% face a 2013 (ACM, 2022). De acordo com os censos 2021, na Lezíria do Tejo existiam 18.132 imigrantes e 4.178 em Santarém, o que corresponde a um crescimento de 147% e 165%, respetivamente, face aos censos de 2011 (Pordata, 2023).

Mas isto não responde à questão inicial. Afinal, o que fazem todos estes imigrantes na rua a qualquer hora do dia? Basta um simples questionário para obter uma resposta comum dos inquiridos: procuram trabalho e uma habitação melhor para viver. Muitos destes imigrantes chegam a Portugal durante a época das campanhas agrícolas, destinados às regiões de agricultura intensiva do Alentejo e do Ribatejo. No entanto, no final das colheitas, a grande maioria deles ficam desempregados e sem recursos para regressar ao seu país natal. Por isso procuram, via telemóvel e internet, novas oportunidades de trabalho, nos diversos setores de atividade que são habitualmente deficitários (agricultura, turismo e restauração, indústria mais intensiva em mão-de-obra).

Importa aqui referir alguns aspetos essenciais. Em primeiro lugar, o espírito do imigrante é igual ao longo dos tempos na grande maioria das geografias: trabalhar o mais possível, ganhar o melhor possível, gastar o mínimo possível, enviar para o seu país todo o dinheiro que conseguir. Já foi assim com os emigrantes portugueses das décadas de sessenta e setenta, é assim com a grande maioria dos emigrantes.

Em segundo lugar, os imigrantes que chegam a Portugal são na sua grande maioria pessoas sem formação e sem qualificações técnicas. Por exemplo, na Índia, o mercado de trabalho está esgotado de há muito para este tipo de trabalhadores, cujo destino é vasculharem nas enormes lixeiras das grandes cidades ou trabalharem nos campos por um salário de miséria (menos de um dólar/dia) para sobreviverem. A alternativa é a imigração para os países árabes, onde recebem cerca de 200 dólares mês, ou tentarem a Europa, onde os salários e as condições de vida são melhores. Em terceiro lugar, estes imigrantes não chegam sozinhos. Existe um circuito de contratação nos seus países de origem, onde angariadores os contratam para bolsas de trabalho temporário, normalmente afetas a empresas internacionais. Estas empresas obtêm vistos de grupo junto de consulados e embaixadas, vendendo depois os serviços a outras empresas de trabalho temporário, que, por fi m, os colocam em empresas de diversos países europeus.

Trata-se, como é claro, de um processo eivado de ilegalidades, onde tudo é feito fora do âmbito da legislação dos países de destino dos imigrantes. Daqui resultam as grandes dificuldades que as entidades europeias encontram quando pretendem enfrentar ou desmantelar estas redes.

Por fim, a questão da habitação. Em 17 de julho de 2019, o jornal “Times of Malta” publicou um artigo, intitulado “Inside the Marsa ‘horse hotel’ migrants called home” (Dentro do “hotel para cavalos” Marsa que os imigrantes chamam lar), onde descreve detalhadamenteas condições inumanas em que os imigrantes vivem na ilha. Esta realidade, poucas vezes denunciada mas omnipresente em todos os países europeus da bacia do Mediterrâneo, vive-se também em Portugal, como atesta a recente tragédia ocorrida em Lisboa, na Mouraria. As casas arrendadas a imigrantes estão sobrelotadas, com dezenas pessoas a residirem nelas em más condições: Alugam-se quartos e até colchões por preços exorbitantes para as suas bolsas, perante a passividade das entidades fiscalizadoras.

Esta é outra razão por, muitos deles, preferem estar na rua do que em casa, uma situação que não se verifica nos seus países de origem.

Uma última palavra para os Planos Municipais para a Integração de Migrantes (PMIM), um instrumento fundamental para a integração destas pessoas na nossa sociedade. Segundo dados do Alto Comissariado para as Migrações (ACM, 2023), apenas 14% dos municípios portugueses possuem um instrumento desta natureza, sendo que não existe nenhum nas Regiões Autónomas e apenas um no distrito de Santarém (Alcanena). Uma coisa é certa: com o alargamento da nossa pirâmide etária, precisamos cada vez mais destas pessoas para trabalhar. Urge uma estratégia nacional que tenha estes aspetos em conta.

José Alberto Pereira

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