A Escola Superior Agrária de Santarém (ESAS) é herdeira de uma tradição secular de ensino agrário, constituindo-se como uma das mais antigas e prestigiadas do País. Com história de vida singular, a ESAS tem marcado de forma indelével o ensino das Ciências Agrárias no país e no mundo onde, ao longo de 133 anos, colocou milhares de técnicos que impulsionaram e impulsionam o desenvolvimento do sector nas suas diferentes vertentes e fileiras. A propósito desta efeméride, O Correio do Ribatejo esteve à conversa com o director da instituição, António Azevedo, que nos fala dos desafios de uma Escola que se tem “reinventado” continuamente, continuando a afirmar-se como uma instituição de referência, alicerçando a sua actividade num projecto educativo ímpar. Segundo António Azevedo, o projecto de Escola une as vertentes pedagógica, científica e empresarial, envolvendo diversos agentes da região. O objectivo é, também, fomentar a veia empreendedora dos alunos, aproveitando as estruturas que tem: a queijaria, uma oficina tecnológica de carnes, uma adega industrial, vinhas e pomares.

Quais foram os resultados do concurso nacional de acesso este ano? Como é que avalia esses mesmos resultados?
Se considerarmos em termos absolutos, e se compararmos com o universo do Instituto Politécnico de Santarém (IPSantarém), os nossos números estão muito aquém daquilo que é a procura de outras escolas. Por outro lado, comparando com escolas da mesma área, nos cursos agrícolas, de agronomia e zootecnia, os nossos cursos têm mais alunos do que as outras escolas do ensino politécnico, todas juntas.
Temos mais alunos que a Universidade de Trás-os-Montes. Quando perguntamos aos alunos porque é que eles optaram pela nossa escola, verificamos que grande parte da razão é o contacto pessoal, o passa-a-palavra, o boca-a-boca. São os alunos que são os nossos embaixadores: portanto, é toda a nossa comunidade que se revê no ensino que praticamos.
Claro que isto nos deixa satisfeitos, sabendo, contudo, que, em valores absolutos, são valores modestos.

Estamos a falar, em concreto, de quantos estudantes?
Tínhamos como objectivo, em 2018, atingir 800 alunos em quatro anos. Neste momento, estamos com 820/830 alunos, três anos depois do início do mandato e em situação de pandemia. Nós não fomos sequer à terceira fase do concurso nacional de acesso porque não tínhamos, neste momento, instalações – cumprindo a segurança – para poder receber mais alunos.
De reforçar que a escola que tem mais alunos neste subsistema politécnico é Coimbra, que conta com cerca de 950 alunos e já tiveram 1300. Neste momento, aqui na ESA, para termos mais alunos precisamos de ter outra estrutura.

Quais os principais desafios que a escola enfrenta na actualidade?
Um dos desafios é precisamente esse: para crescermos precisamos de alterar a estrutura. Outro desafio tem a ver com o nosso corpo docente. Entre 2022 e o início de 2023 temos sete docentes que se vão aposentar. Dois já se aposentaram este ano, o que significa que vamos ter que renovar o corpo docente.
Temos, naturalmente, que abrir concursos, mas planificando aquilo que vai ser a nossa oferta formativa no futuro. O ramo agrícola tem uma procura muito grande, desde mestrados a licenciaturas, aos cursos profissionais. Temos a área do agro-alimentar, que está muito fragilizada, e vamos diversificar para o próximo ano com curso de biologia e biotecnologia que está para acreditação. Estamos a pensar num curso de enfermagem veterinária, mas não podemos deixar cair o sector agro-alimentar, porque é um sector que, mais cedo ou mais tarde, vai ter uma procura exponencial. Há uma grande falta de quadros nas empresas nessa área específica. Isso implica que temos que ir às escolas apresentar estes cursos (biologia e biotecnologia), para além dos cursos de dieta mediterrânica que temos, e qualidade alimentar, um curso de tecnologia e gestão agro-industrial, que estamos a pensar oferecer integrado na oferta formativa da Escola de Gestão.
Não é realista pensar que cada escola pode fazer o seu caminho sozinha. Em termos de estrutura, temos que reduzir custos, temos que harmonizar planos, objectivando um plano que não pode ser a quatro anos, tem que ser a dez.

O que pode a ESAS oferecer que leve um jovem a optar pela frequência da mesma?
A ESAS pode oferecer tudo o que se encontra em qualquer escola e oferece mais qualquer coisa: temos uma oferta formativa integrada, ou seja, o aluno pode entrar por um curso técnico superior profissional e, a partir daí, fazer toda a progressão académica na escola, no entanto eu recomendo que, hoje em dia, não se deva fazer toda a formação no mesmo estabelecimento de ensino, muito embora tenha esta possibilidade. Para além daquilo que é a componente da formação académica de uma escola, há uma coisa fundamental, que é as pessoas que conhecemos no processo. E para conhecermos mais pessoas no processo precisamos de mudar de instituição, conhecer outros professores, outros profissionais. Nós temos um campus amplo, dos maiores neste tipo de ensino e temos a capacidade – e já há dez anos tivemos este ‘click’ – de dizer aos alunos que, se eles quiserem ser empreendedores, nós somos facilitadores, e eles podem-se instalar no nosso campus.
A investigação e transferência de tecnologia e o empreendedorismo é diferente, por exemplo, de um curso de gestão. Aqui, é preciso ter equipamentos e instalações, e os alunos não conseguem ter financiamento para abrir a sua própria empresa, porque precisam de equipamentos e instalações, e nós temos. Temos agora, aqui, uma empresa que vai produzir alimentos que usam insectos como fonte proteica: é um projecto que acarinhamos e está agora a começar a funcionar.
Todo este campus tem empresas que encubaram nesta escola, que estão a usar os nossos equipamentos e, para além desta possibilidade de dar oportunidades a quem connosco teve formação, temos a hipótese de fazer uma formação em contexto de trabalho.

No mundo actual já não faz sentido um futuro sem tecnologia. Certamente que o caminho da agricultura passará também cada vez mais por aliar a tecnologia à produção agrícola. Quer dar exemplo de algum projecto que seja mais relevante para a escola neste domínio?
Vai haver um paradigma diferente a nível de produção. Os recursos são cada vez mais caros e escassos. Isto está tudo associado a duas componentes: a biodiversidade – ou os produtos começam a ser valorizados se tiverem práticas a montante que permitam essa tal biodiversidade – e a agricultura de precisão. Nos últimos anos, compramos cerca de 400.000€ em equipamentos. Temos equipamentos de ponta: arrisco dizer que, em termos de equipamentos agrícolas, somos a escola tem o melhor parque de máquinas a nível nacional.
E o que nós não temos no campus, têm os colegas docentes, que também são agricultores, e que disponibilizam as suas propriedades para um ensino tecnológico de ponta. O desafio da escola é fazer o melhor pelos agricultores, e formarmos agricultores de topo.

A Agrária é uma escola que produz, qual a filosofia subjacente a este posicionamento?
Um dos grandes objectivos que temos é o de fomentar o empreendedorismo nos nossos alunos. Queremos não só que eles venham para a Escola adquirir conhecimentos, mas também dar-lhes possibilidade de um dia mais tarde, poderem vir a instalar-se nas infra-estruturas da Escola, criando uma startup com todo o apoio que nós possamos dar, em termos de criatividade, de negócio, e dando-lhes a possibilidade de participar em projectos de empreendedorismo.
Isto para ser um bom investimento público tem que estar a trabalhar todo o ano. Queremos dizer claramente aos alunos e ex-alunos que esta casa é deles; estes são os vossos laboratórios e a Escola está convosco.
A Agrária assume-se assim como parceira destas ‘spin-offs’, pequenos ou micronegócios em fase de arranque, intimamente ligados à inovação, para que, depois de se tornarem sustentáveis, possam ganhar asas.
Temos uma grande área laboratorial com oficinas tecnológicas, que vão desde a carne até ao vinho, que podem ser aproveitadas por quem tiver uma ideia inovadora.
Temos capacidade instalada para produzir com qualidade e agora, queremos saber até que ponto podemos pegar em jovens licenciados, que tenham vocação e espírito empreendedor, e perceber como é que podem utilizar as nossas instalações para concretizar uma ideia de negócio.
Actualmente, a ESAS já produz vinho na sua adega industrial – que tem marca própria, designando-se Polinómio – para além das Oficinas Tecnológicas (OT) de carnes industriais e da Queijaria, e de 5 hectares de olival.
Quais são as Escola que têm marca de vinhos, marca de azeite, presuntos, queijos, e que conseguem comercializar e entrar no mercado… eu não conheço outra.
São projectos que tem dois objectivos: um é a componente da investigação, a vinha que temos aqui não é uma vinha qualquer, é uma colecção ampelográfica, temos ali todas as castas brancas, todas as castas tintas, todas as variedades de uva de mesa, e temos a adega para podermos fazer estudos dirigidos sobre capacidade vinificação, envelhecimento… há aqui uma integração de valor, e há uma manifestação que pretendemos passar para sociedade civil que é dar-nos a conhecer através dos nossos produtos.
Temos azeite, os vinhos, temos colheitas tardias, vinhos de talha, brancos, tintos, roses, de castas que nascem sempre de um projecto a montante de investigação.

O papel da Escola Superior Agrária de Santarém deveria ser potenciado?
Eu vejo que temos parceiros, temos pessoas que acreditam seriamente no produto regional, um é o presidente da Académica, que é uma pessoa que acredita no produto regional, e com a qual estabelecemos uma relação de parceria muito interessante, e acho que vamos conseguir aqui desenvolver um projecto desportivo que só foi interrompido por causa da questão da pandemia.
Outro, tem a ver com o antigo director regional que, neste momento, é vereador na Câmara, e tem assento no nosso Conselho Geral do IPSantarem, portanto temos aqui um facilitador, que pode ajudar numa situação que tem tido dificuldade que é fazer um caminho conjunto com a autarquia. Temos que ter capacidade de agarrar nas forças da região. Actualmente, estamos a investir num campus mais sustentável e mais amigo do ambiente. Já substituímos as lâmpadas, e vamos fazer um projecto ao nível da energia fotovoltaica.
A escola, enquanto unidade isolada com certeza não vai conseguir desempenhar o papel que potencialmente pode. Há momentos em que é preciso pensar a dez anos, definir qual é o objectivo que a sociedade civil tem para a Escola Agrária. Para isto, é preciso as pessoas falarem, é necessário que a imagem que o instituto tem na sociedade civil se reforce.

Temos várias instituições, vários actores, e cada um tem que fazer o seu papel e dar resposta à questão: ‘Santarém dispõe dos recursos humanos especializados, ou não?’
A minha opinião é não. Tenho contactos de empresas e, quando queremos indicar alguém chegamos à conclusão que a pessoa não está na disposição de trabalhar na região.
Precisamos de uma agenda cultural e desportiva, de forma a “prender” os alunos à região. Muitos deles não são de cá, os horários facilitam que eles cheguem à segunda e vão embora à quinta… para podermos cumprir em plenitude a nossa obrigação tem que haver aqui um facilitador.
Há, neste momento, alguma colaboração com algumas instituições, mas seria importante criar condições para mais e melhores colaborações, poderíamos ter aqui um mestrado com outra aspiração, por exemplo, se podermos ter aqui os investigadores do Instituto Nacional de Investigação Agrária e Veterinária (INIAV) que se disponibilizam mais para colaborar com a Universidade de Lisboa do que connosco.

Se perguntarmos, em Santarém, se as pessoas querem os seus filhos no Politécnico de Santarém a resposta de muitos é não… e porquê?
É preciso o tal planeamento a dez anos, perceber o que queremos para a região. O papel da escola que, sem parcerias, nunca será o que poderia ser…

Que marca quis deixar na Escola durante a sua presidência?
Queremos deixar uma escola que seja sustentável. Temos várias componentes: ensino, investigação e prestação de serviço. O número de alunos aumentou, os alunos e docentes são embaixadores da escola e a escola é vista de uma forma positiva. Criar um espírito de empreendedor nos estudantes, temos uma cultura científica, temos um financiamento com parcerias, infelizmente a pandemia não nos deixou fazer mais.
Acho que o ser humano só se consegue realizar enquanto comunidade. A maneira como as pessoas se conseguiram adaptar e dar uma resposta em tempos de pandemia e, depois, a maneira como as pessoas largaram as pantufas e vieram dar aulas presenciais numa altura em que não havia vacinas e tudo era dúvida e a forma como as pessoas se associaram à direcção em todas as medidas, foi extraordinário e demonstrativo que esta é uma escola viva, que se reinventa, que pensa a sua oferta formativa, atenta às necessidades de mercado.
Crescemos a nível de alunos, temos projectos, vamos alterar o campo de rugby e temos uma série de projectos: é preciso que as pessoas se revejam na escola.

Numa altura de aniversário perspectiva-se o futuro, como será o futuro na escola? Onde é que gostava de ver a ESA daqui a 10 anos?
Somos uma escola com uma forte implementação e créditos no mercado. Em termos de investigação não estamos no ponto em que devíamos estar. Na componente de prestação de serviços à comunidade também não. Mas na componente de empreendedorismo, acho que estamos muito à frente das outras escolas. No futuro, gostaria de melhorar os indicadores em termos de investigação, com publicações em revistas e, de facto, temos que melhorar o financiamento científico. Para isto, temos que nos reorganizar internamente.
Gostava de ver a escola com o centro de investigação com melhor avaliação. Temos que acrescentar valor à sociedade civil. Temos 40 docentes, grande parte especializado numa determinada área cientifica, que não está a cumprir a sua potencialidade, porque muitos estão a dar disciplinas de base que podiam ser ministradas por outros docentes.

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