A propósito do Dia do Trabalhador, que hoje, sexta-feira, dia 1 de Maio, se assinala, O Correio do Ribatejo esteve à conversa com Valter Ferreira, coordenador da União dos Sindicatos do Distrito de Santarém. Nesta entrevista, o sindicalista de 37 anos, natural da Azinhaga do Ribatejo, faz o retrato da situação sócio-laboral na região, considerando que “políticas de austeridade e ataque aos direitos e rendimentos dos trabalhadores serve apenas os interesses de um punhado de pessoas, não se apresentando nunca como uma solução para os problemas”.
Operador de Armazém na Dia Portugal, no armazém de Logística em Zibreira-Torres Novas, Valter Ferreira é dirigente nacional do CESP – Sindicato do Comércio, Escritórios e Serviços de Portugal desde 2012, tendo assumido a função de coordenador desta estrutura nas regiões de Santarém e Leiria entre 2014 e 2019. É dirigente da União dos Sindicatos de Santarém desde 2011, tendo assumido a coordenação em 2019, por ocasião do XI Congresso desta estrutura, ocorrido em Outubro desse ano, na vila de Alpiarça: “aceitei a tarefa com a missão de garantir que esta União vai continuar a fazer o bom e insubstituível trabalho que tem a vindo a desenvolver junto dos sindicatos e dos trabalhadores no distrito”, garante.
Que retrato faz do movimento sindical nacional? E no distrito?
A CGTP-IN, onde estou inserido, é o movimento sindical unitário e de classe de todos os trabalhadores em Portugal. É uma organização de massas, fundamental para a defesa e a conquista dos direitos de quem trabalha, e tem um papel insubstituível na regulamentação das relações de trabalho no nosso país.
É a maior organização social do país, e está profundamente enraizada nas empresas e locais de trabalho, junto dos trabalhadores, onde deve estar.
Tem também um papel muito importante na defesa das populações, dos serviços públicos e é ainda um agente reivindicativo de melhores políticas, que sirvam os interesses dos trabalhadores e do povo.
A situação no distrito é um reflexo do resto do país. Os trabalhadores continuam a confiar na CGTP-IN e nesta União. Prova disso foi o nosso XI Congresso, que contou com a participação de mais de 100 delegados dos vários sectores e de todo o distrito, e onde elegemos uma nova direcção, que manteve os alicerces da anterior, mas que se reforçou com muitos novos quadros sindicais, a maior parte deles com menos de 40 anos de idade.
Na sua percepção, o sindicalismo tem vindo a perder força?
Apesar das tentativas de descredibilização perpetradas pelos agentes do patronato, o sindicalismo mantém-se forte, dinâmico, e acima de tudo, reivindicativo.
Apesar dos ataques ao movimento sindical unitário por parte dos sucessivos governos, com todas as medidas danosas para os trabalhadores que têm vindo a incluir na legislação laboral, tentando afastar os trabalhadores e seus representantes dos centros de decisão, continuamos a ser a única voz activa na defesa dos interesses e aspirações dos trabalhadores, e os únicos a transmitir realmente as suas reais preocupações, anseios e aspirações.
Isso pode observar-se pela confiança que os trabalhadores continuam a depositar nos sindicatos da CGTP-IN. Mais de 100 mil sindicalizações entre 2016 e 2020 comprovam que é na CGTP-IN e nos seus sindicatos que os trabalhadores decidem organizar-se quando se dispõem a lutar por melhores condições de vida, de trabalho e de salário.
Considera que os sindicatos estão a responder adequadamente às necessidades dos trabalhadores?
Os sindicatos são aquilo que os trabalhadores quiserem que eles sejam. Um sindicato não é um prestador de serviços de apoio aos sócios.
Um sindicato é a estrutura em que os trabalhadores se organizam para desenvolver a acção reivindicativa nos seus locais de trabalho. E isso pode passar desde a exigência pelo aumento geral dos salários até à exigência de mais casas de banho para os trabalhadores.
É claro que, para melhor desenvolvermos a nossa actividade, têm de existir um conjunto de condições para apoio jurídico, contencioso e de serviços aos sócios e dirigentes para fazer face às diferentes necessidades do dia-a-dia.
No plano da reivindicação e acção nos locais de trabalho, tenho a certeza absoluta que, de uma maneira geral, os trabalhadores têm uma resposta da parte da estrutura sindical com que se identificam e que vai ao encontro das suas necessidades. E esta é uma matéria facilmente comprovável se analisarmos o histórico de lutas e acção reivindicativa que se tem desenvolvido um pouco por todo o distrito, ano após ano, desde sempre, com resultados positivos.
Enquanto plataforma de apoio ao sócio, temos também todas as condições, nomeadamente no distrito de Santarém, para ajudar, em diferentes níveis, todos os que nos contactam.
Os trabalhadores ainda manifestam solidariedade com causas colectivas ou recolheram-se mais à sua esfera privada?
Nota-se, claramente, uma tendência para o individualismo em muitas matérias. Não é uma situação inocente, até porque é uma prática recorrente do patronato: isolar os trabalhadores, influenciando-os no sentido se preocuparem unicamente consigo, esquecendo os outros. O chamado dividir para reinar.
Somos confrontados com esta realidade em muitos novos locais de trabalho onde vamos. Mas a experiência e a demonstração dos resultados da luta colectiva que vamos desenvolvendo rapidamente altera a maneira de pensar de muitos trabalhadores, que rapidamente percebem que para garantir mudanças sólidas na sua condição de trabalhadores, só em unidade colectiva e através de processos de luta são possíveis de alcançar.
E se mais fosse necessário dizer, basta observarmos as diferentes reacções das empresas à crise do novo Coronavírus. É um facto que nos locais de trabalho onde há tradição de luta e trabalhadores sindicalizados, as empresas mais rapidamente tomaram medidas de contingência, prevenção, segurança e saúde dos trabalhadores.
A crise que se avizinha poderá afectar direitos?
É uma obsessão do patronato e dos seus representantes aproveitar tudo para roubar direitos aos trabalhadores. A nossa história recente comprova isso mesmo.
Mas comprova também duas coisas: a primeira é que políticas de austeridade e ataque aos direitos e rendimentos dos trabalhadores serve apenas os interesses de um punhado de pessoas, não se apresentando nunca como uma solução para os problemas fundamentais do país, antes pelo contrário, na medida em que agrava os problemas económicos e sociais, aumentando as desigualdades, o desemprego e a pobreza. A segunda é que os trabalhadores portugueses estão conscientes e disponíveis para lutar, porque sabem que só através de soluções que passem por dignificar o trabalho e os rendimentos poderemos sair de qualquer crise.
Observemos a crise de saúde pública que passamos, também está a ser resolvida por quem trabalha. Pelos profissionais da saúde, tantas vezes desvalorizados e destratados pelos governos, pelos trabalhadores dos serviços, da agricultura, dos transportes, do comércio, etc., tantas vezes maltratados pelo patronato, uma grande maioria com salários de miséria e condições de trabalho altamente precárias. São eles que estão na linha da frente do tratamento da doença e são eles que permitem que o país não pare.
Antes, agora e sempre, dizemos que está na hora de definitivamente respeitar e valorizar quem trabalha.
Quais são as principais reivindicações dos trabalhadores hoje?
Na altura extremamente específica que falamos, obviamente que as principais reivindicações dos trabalhadores podem considerar-me mais preocupações do que reivindicações.
As condições de segurança e saúde para quem continua a trabalhar são hoje uma reivindicação constante, uma vez que existem muitas empresas que não estão a cumprir total ou parcialmente com as medidas recomendadas pela Direção Geral de Saúde. Temos vindo a intervir em várias empresas e conseguido, infelizmente a conta-gotas, garantir melhores condições de saúde e segurança a muitas centenas de trabalhadores no distrito.
Outra reivindicação importante neste momento é o direito ao trabalho. Há milhares de trabalhadores em situação de lay-off que estão preocupados com o futuro do seu local de trabalho. Esta reivindicação está claramente ligada com a desastrosa medida de simplificação do lay-off decretada pelo governo, que mais não fez que permitir às empresas despedir trabalhadores com vínculo precário (muitas vezes ilegal), e aplicar de forma selvagem a suspensão da prestação do trabalho, sem justificação e sem qualquer informação aos trabalhadores, que se viram de um dia para o outro em casa, sem saber se vão ter salário no fim do mês, que salário vão receber e quem é que lhes vai pagar. Os sindicatos têm sido fundamentais para esclarecer os trabalhadores nestas situações e para servirem de ponte de diálogo entre os trabalhadores e as empresas que se julgam no direito de não ter consideração por quem trabalha e lhes enche os bolsos.
Mas a acção reivindicativa é uma matéria que também depende do sector de actividade que estamos a falar. Os trabalhadores das Grandes Cadeias de Distribuição, por exemplo, continuam com toda a legitimidade a ter também como prioridade a exigência de melhores condições de trabalho, horários dignos e aumentos significativos nos salários, na medida em que a sua actividade não parou, antes pelo contrário, e as empresas do sector continuam a acumular milhões e milhões em lucros dos quais uma parte se exige que seja melhor distribuída a quem os produz.
Assim como muitos trabalhadores do sector alimentar. Há empresas no distrito, neste sector, que duplicaram a sua produção, se já se exigiam aumentos salariais, agora também se continuam a exigir.
Com isto não quero dizer que não seja justo exigir aumentos salariais e melhoria das condições de trabalho em todos os sectores, essa continua a ser a nossa perspectiva, mas quando a pergunta é feita num tempo que esperamos ser o mais curto possível, é óbvio que em cada realidade os trabalhadores projectam as suas prioridades, que apoiamos e acompanhamos, como não podia deixar de ser.
Os sindicatos estão mais corporativistas do que já foram?
A CGTP-IN é uma confederação de sindicatos que funciona com um objectivo comum e com orientações colectivas que, adaptadas à realidade de cada sector, servem exclusivamente os interesses dos trabalhadores do nosso país.
Enquanto Sindicatos de classe, consideramos que todos os trabalhadores estão expostos à mesma exploração, e defendemos os seus direitos independentemente da sua filiação sindical, profissão, ideologia, religião ou grau académico.
Sabemos que para atingirmos uma sociedade equilibrada, as condições de vida e de trabalho de todos os trabalhadores têm de evoluir de igual maneira, sendo valorizadas na mesma medida. E com isto digo que cada sector profissional deve ser encarado e respeitado da mesma forma quanto à sua importância na sociedade, não havendo trabalhadores de primeira e trabalhadores de segunda.
Preferimos obviamente funcionar como um todo, estando os sindicatos representados num importante conjunto de estruturas intermédias, discutindo o plano geral em colectivo, pois assim todos aprendem muito com as experiências dos outros.
O 1º de Maio deve ser assinalado na rua?
Sim, sem dúvida. Repare que a pergunta é se devemos assinalar o primeiro de Maio na rua, e não se o devemos comemorar como habitualmente.
A CGTP-IN é uma organização com uma grande responsabilidade social, consciente e responsável pelas suas acções.
O primeiro de Maio na rua será a afirmação necessária da data nas empresas e locais de trabalho, concretizada pelos dirigentes e delegados sindicais em cada sítio.
Será a afirmação visual através de cartazes, pendões e faixas que afixaremos nas cidades do país, desenvolvendo um trabalho como qualquer outro, em condições de segurança e saúde.
Será finalmente uma acção de comemoração do primeiro de maio, onde estarão presentes delegados, dirigentes e activistas sindicais, devidamente protegidos, num espaço que garanta o distanciamento físico a assinalar esta data fundamental para trabalhadores em todo o mundo. Esta acção não terá um risco maior do que qualquer outro local de trabalho a laborar neste momento. Somos exemplarmente organizados e disciplinados, e conseguimos garantir que numa iniciativa onde só estará quem quiser estar, existirão todos os meios e cuidados para estar em segurança.
Repare-se que num momento em que há 350 mil novos desempregados no país, mais de um milhão de trabalhadores em lay-off e uma vaga de ataques aos direitos fundamentais dos trabalhadores, seria uma irresponsabilidade da CGTP-IN não assinalar o 1º de Maio de maneira vincada e afirmativa, em luta, transmitindo uma mensagem de confiança e esperança aos trabalhadores, garantindo que em qualquer adversidade, cá estamos para agir e lutar na defesa dos seus interesses.