Mário Silvestre, Comandante Operacional Distrital, garante que toda a estrutura de Protecção Civil está a trabalhar em conjunto para responder e “antecipar ao máximo” os potenciais problemas que se adivinham num futuro próximo. No entanto, cada um deve fazer a sua parte, seguindo as orientações das autoridades: “se o número de novos casos estiver dentro dos limites de resposta, a nossa capacidade instalada não será ultrapassada e isso será a diferença entre a vida e morte”, avisa.
Oficial do Exército durante oito anos e director financeiro no extinto Estabelecimento Prisional de Santarém, Mário Silvestre, licenciado em gestão de empresas e pós-graduado em higiene e segurança no trabalho, foi comandante dos Bombeiros Municipais do Cartaxo durante 7 anos, antes de liderar o CDOS de Santarém.

A Covid19, tem criado uma preocupação crescente a nível global. No âmbito da Protecção Civil Distrital o que está a ser equacionado?
A pandemia causada pelo COVID-19, representa um desafio enorme para todas as organizações e para todos os cidadãos do mundo – não apenas de Portugal – que, de uma maneira ou de outra, têm que responder à mesma. Todos tivemos e temos que nos adaptar, que nos reinventar, desde a forma como vivíamos, trabalhávamos, etc, e tudo isto em muitos poucos dias, o que torna a situação ainda mais complexa. A protecção civil é uma actividade feita por todos e para todos, baseia-se na capacidade de cada um dos seus Agentes de Protecção Civil e acima de tudo na capacidade e na disciplina dos seus cidadãos, o primeiro e o mais importante Agente de Protecção Civil do País.
Estamos a trabalhar num mundo novo, com regras novas, com novos paradigmas e num desafio permanente, que nos coloca perante perguntas difíceis e dilemas diferentes dos habituais, que nos têm tirado todo o tempo disponível. Coloco um particular ênfase na palavra “nos têm”, porque desde há muitos dias, desde o início do mês, que se realizam reuniões de coordenação diárias por videoconferência – até a isto tivemos que nos adaptar e acreditem que não é a mesma coisa que uma reunião presencial – que envolvem muitas pessoas e organizações.
Numa base diária, estão em reunião os directores e os responsáveis das principais estruturas Distritais envolvidas no processo de mitigação do problema, da pandemia. Com efeito, desde os Corpos de Bombeiros, à saúde pública, à PSP, à GNR, ao INMLCF, aos Hospitais, à PGR, ao Presidente da Comissão Distrital de Protecção Civil, aos presidentes das comunidades intermunicipais, à CVP, ao INEM, aos ACES – espero não me ter esquecido de ninguém – todos com o seu papel especifico, desde a componente técnica até a componente política, todos juntos em prol da resolução do tal novo problema.
E é isto que é Protecção Civil, a conjugação de esforços na procura de soluções, a interpretação do problema, visto aos olhos de pessoas com diferentes percepções e sensibilidades, tudo com apenas o intuito de conseguirmos chegar à melhor solução possível para garantirmos a salvaguarda do nosso concidadão.
Portanto, e respondendo à segunda parte da pergunta, equacionamos tudo, tentamos antecipar ao máximo potenciais problemas – dentro das limitações legais e técnicas existentes – sempre com um único e final objectivo, minimizar ao máximo o impacto que o COVID-19 possa ter na nossa sociedade.

Como está a ser feita a coordenação ao nível dos diferentes concelhos?
A coordenação com os municípios é sempre feita a dois níveis: o nível político, que está na esfera de competências e influência da Comissão Distrital de Protecção Civil, presidida pelo presidente Miguel Borges da CM do Sardoal, que tem como principal missão fazer a ponte com os seus pares presidentes das câmaras municipais, enviando-lhes orientações e recomendações emanadas pela referida comissão, que resultam do trabalho mencionado na pergunta anterior.
O outro nível de coordenação, com os municípios, é o nível técnico, relacionando-se o comando Distrital directamente com os Serviços Municipais de Protecção Civil, em que é solicitada a elaboração de planos, de listagens, etc. – quem estiver a ler isto e for de um SMPC, vai dizer que se fossem só estas as solicitações, estariam muito sossegados – são muitos documentos é muito o trabalho, que se pede aos elementos que constituem os SMPC’s. Esse trabalho é posteriormente compilado pelo CDOS e é a base da capacidade de resposta Distrital.
A par dos SMPC, o CDOS tem uma ligação muito forte com os Corpos de Bombeiros do Distrito, cabendo-lhes a eles a preparação e a resposta a todas as situações de socorro, eles são sem dúvida nenhuma a primeira linha de defesa quanto tudo o resto falha, sendo crítico para nós a manutenção dos mais altos padrões de resposta possíveis. Alguém disse uma vez que poderiam existir Bombeiros sem protecção civil, mas que dificilmente poderia existir protecção civil sem Bombeiros, afirmação com que eu concordo em absoluto.

O Dispositivo Distrital tem capacidade operacional para responder e assegurar todo o volume de trabalho que se adivinha?
Todos os Dispositivos têm um limite, não conheço nenhum que não o tenha e podem atingi-lo devido a um vasto conjunto de factores e variáveis. No caso do COVID-19, a principal variável, a que irá testar todos os dias esse limite é o comportamento do cidadão, é o respeito pelas regras estabelecidas, é o não sair de casa. Se o número de novos casos estiver dentro dos limites de resposta do referido dispositivo, a nossa capacidade instalada não será ultrapassada e isso será a diferença entre a vida e morte.
Refiro-me ao tal achatamento da curva que tanto se fala.

O facto de Almeirim possuir um comando equipado e moderno vem ajudar na actuação?
Instalações novas, com boas condições de trabalho e com elevados níveis de conforto para os operacionais que lá trabalham todos os dias, são sempre uma mais-valia, pelo que a resposta é decisivamente afirmativa.

Quais serão os principais Desafios que a Protecção Civil, em termos globais, vai enfrentar nos próximos tempos?
O maior desafio para todos os que integram de forma mais directa a protecção civil, nomeadamente os seus Agentes, vai ser a capacidade de resiliência, a capacidade para gerir o esforço e manter os níveis de motivação sempre bastante elevados, por forma a garantir altos padrões de desempenho. Comparada com outras operações, esta é um “Ironman”, não é uma prova de 100 metros nem uma maratona, é uma prova que vai levar ao limite todos os que não podem ficar em casa
Esta capacidade de resistir por parte destes profissionais do socorro, vai ser sem dúvida o maior desafio.

E em termos de equipamentos e recursos humanos? São suficientes, existem carências?
É claro que existem carências de equipamentos, nomeadamente EPI’s, não vale a pena dizer que não. Mas carência não é ausência ou falta completa dos mesmos – se eu tiver carência de oxigénio, não morro, posso ter dificuldades e ter que gerir o esforço, mas estou vivo e na luta. O exemplo pode não ser o melhor, mas facilmente se compreenderá que o mundo – não só Portugal – não estava preparado para os níveis de consumo que actualmente se verificam. Um Serviço de emergência pré-hospitalar feito por um corpo de bombeiros, implica agora, a utilização de três mascaras: uma para o doente e duas para os Bombeiros, se pensarmos que um Corpo de Bombeiros facilmente faz dez emergências dia, temos 30 máscaras por dia só para um Corpo de Bombeiros. Há um mês atrás, esta quantidade de mascaras daria para fazer serviços durante dois meses, hoje chega para um dia. Como já referi, esta situação é em todos os aspectos, uma situação nova.
O que podemos garantir é que estamos a fazer um esforço titânico para encontrar respostas nos mercados que nos permitam mitigar e potencialmente eliminar a referida carência.
Estamos todos – mesmo todos- envolvidos em mais esta luta, na persecução de soluções novas, com uma sociedade que se está a adaptar, com as empresas que estão a configurar as suas linhas de produção para responder aos desafios lançados, com produção de óculos e viseiras de protecção através de impressão 3D, no fundo estamos quase todos a fazer protecção civil e ser agentes activos da mesma.

Em termos de Protecção Civil como é que classifica o trabalho que tem sido realizado a nível Nacional, Distrital, Municipal?
Atendo aos desafios que já enumerei, penso que o trabalho tem sido muito bom. A nível do Distrito, tem sido incrível ver a forma como as pessoas estão envolvidas na busca pela resolução dos problemas, cada um à sua maneira, alguns com mais dificuldade de adaptação, mas todos com um empenho e uma dedicação fantástica, isto não quer dizer que não existam problemas, isto quer dizer que estamos a tentar construir a sua resolução. E isto não é apenas para a situação do COVID, está nos genes e faz parte do ADN das pessoas que constituem esta grande família. Não posso deixar de agradecer aos colaboradores do CDOS de Santarém, que me ‘aturam’ de uma forma inacreditável e que estão sempre lá, na “sombra”, sem serem vistos e incógnitos, mas deve-se a eles uma grande parte do trabalho feito e uma grande parte do sucesso das operações de socorro neste Distrito, a eles o meu muito obrigado.

Quais são os principais riscos associados ao distrito?
O Distrito de Santarém tem e pode ser potencialmente afectado por todo o tipo de situações com potencial para colocar em causa a normalidade das vidas das pessoas, sendo os mais normais e comumente abordados, as cheias e os incêndios florestais. Não nos podemos esquecer, no entanto, que estamos numa zona de grande sismicidade, que somos o Distrito com o maior número de Km de autoestradas do país, que somos cruzados pela principal linha ferroviária, com vários ramais também eles grande importância, que temos várias industrias SEVESO, …, enfim e isto só para mencionar alguns.

Considera importante, trabalhar e intensificar uma maior cultura de Protecção Civil no distrito?
Se considero a importante a cultura de protecção civil? Considero-a critica, essencial e fundamental. Um país sem uma forte cultura de segurança, não estará em momento algum preparado para fazer fase aos desafios que lhe são apresentados. Temos um trabalho muito longo a fazer nesta matéria, é um problema geracional em que temos que nos empenhar todos e muito. A sociedade tem que se consciencializar que a sua defesa começa nos seus comportamentos e nos seus actos de cidadania.
Somos um povo uma tendência incrível para andar em contra-ciclo com o que nos dizem, quer se trate de incêndios florestais, cheias e até agora com o COVID-19, em que se tem assistido a imagens tristes e desoladoras de uma sociedade que vai para a praia quando todos lhes dizem para ficar em casa, que teima em muitos sítios deste país, em não perceber que esta situação só se resolve através da disciplina de contacto ZERO, de isolamento social e de respeito. De respeito por todos aqueles que de forma diária vão trabalhar para minimizar a falta e cultura de segurança do seu amigo, do seu conhecido e do seu familiar. Não é preciso bater palmas, é preciso respeitar.
Aproveito para agradecer aos profissionais do socorro, médicos, enfermeiros, bombeiros, Força Especial de Protecção Civil, Cruz Vermelha, PSP, GNR, INEM, trabalhadores dos SMPC’s, cuidadores dos Lares, e a todos os outros – e tantos que eles são – que têm que sair de casa todos os dias para garantir a segurança e o bem-estar dos outros, a minha vénia, a minha profunda admiração, o meu bem hajam.
Aos outros, Fiquem em Casa e cumpram também com a vossa missão.

Que mensagem gostaria de deixar à população nesta altura?
A minha mensagem nos tempos que correm é muito simples – Fiquem em Casa e Cumpram com as indicações das entidades competentes, nomeadamente na higienização das mãos, no distanciamento social e acima de tudo com a indicação que refere que devem FICAR em casa.

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