Manuela Reis Monteiro tem um percurso pessoal e profissional ligado ao mundo das letras. Natural de Vale de Prazeres, uma aldeia situada na Beira Interior, e residente em Azambuja, formou-se em Línguas e Literaturas Modernas na Universidade de Lisboa, exercendo, desde então, a profissão de professora nas disciplinas de Português e Francês. É fundadora do grupo de teatro Contra-Regra, no qual é dramaturga, encenadora e actriz, contabiliza já perto de uma dezena de peças levadas, por si, à cena, em igual número de anos de actividade do grupo. A obra “O homem que vendia mel e outros contos” marca a sua estreia literária. Trata-se de um livro que reúne um conjunto de narrativas centradas em diversas personagens e nas suas particularidades.
Em que altura da sua vida descobriu a vocação para a escrita?
Não houve um momento, a escrita foi surgindo, crescendo e foi ficando. Começou com a escrita de textos dramáticos, para peças de teatro que encenei em algumas escolas onde tenho leccionado e posteriormente para o grupo de teatro Contra-Regra. Paralelamente fui escrevendo poemas, contos e crónicas, que foram ficando na gaveta, e com alguns desses participei em concursos literários. A pouco e pouco os textos foram-se acumulando e com eles a vontade e a necessidade de cada vez escrever mais.
Como é o seu processo criativo?
Há um acerta impulsividade na minha forma de escrever. Há sempre algo que desencadeia uma certa vontade, uma necessidade que me faz querer agarrar numa caneta . Pode ser uma frase que surge, uma imagem, ou apenas uma palavra, ou uma sugestão de alguém. Esse , digamos, estímulo, surge e leva-me a sentar e a deixar sair as ideias, seja nos contos ou no texto dramático, que normalmente são escritas de uma assentada, porque a dimensão o permite. Depois, claro, há o processo seguinte o de reler, corrigir e, no caso de ser um texto mais longo, de lhe dar continuidade.
O que inspirou esta sua obra ‘O homem que vendia mel e outros contos’?
Quase que poderia dizer a vida. As personagens de cada conto são muito “humanas”, isto é, apresentam as fragilidades, os desejos, as emoções que nós também temos no nosso quotidiano e os espaço onde elas vivem são idênticos aos de todos, sejam eles urbanos ou rurais.
O que é que retrata?
Cada conto é uma história independente das outras, logo as temáticas são variadas, tal como as personagens e os espaços onde eles se movem. Em cada conto há um universo novo e se uns contos abordam , por exemplo, a problemática das relações a dois, outros há em que tudo gira em torno de uma viagem sonhada, ou de um assassino profissional, reformado e que tem problemas de consciência. Como disse na resposta anterior, este livro, no fundo, retrata a vida, ficcionada, obviamente.
O que representa para si a escrita?
É um prazer a escrita e, neste momento, quase uma necessidade. Sinto-me muito bem nessa relação entre as palavras e o papel e chega mesmo a surpreender-me, pois o modo como as frases surgem fazem-me descobrir que há outras formas de dizer ,de comunicar e para mim, pessoalmente, são também uma descoberta.
Tem algum tema predominante nos seus livros?
Só tenho um livro publicado, embora a gaveta tenha muita coisa escrita ali guardada, por isso não sei se posso falar já de temas dominantes, mas se olhar para o conjunto das peças de teatro e deste livro em particular diria que não. Tudo pode ser posto em livro.
Que livros é que a influenciaram como escritora?
Como escritora, aliás esta palavra ainda me pesa, nem sei se a posso associar a mim, mas há livros que me marcaram, muito até, pelas histórias narradas e pela forma como estão escritas, não sei se como escritora, mas como pessoa sim, sem dúvida. Há vários, mas destaco: Um Deus passeando pela brisa da tarde, de Mário de Carvalho; Amor em tempos de cólera, de Gabriel Garcia Marques, O barão trepador, de Italo Calvino; A insustentável leveza do ser, de Milan Kundera e toda o obra de Eça de Queirós.
Considera que um livro pode mudar uma vida?
Não sei, isso é muito pessoal, a relação entre leitor e livro… Mas que os livros têm poder , isso sim, o poder de nos fazer pensar, de nos divertir, de concordar, discordar, de nos abrir caminhos. Nessa perspectiva, têm o poder de interferir , de mexer connosco, se isso gera mudança, uma mudança de vida… talvez.
Tem outros projectos em carteira que gostaria de dar à estampa?
Como já disse, tenho já outros textos escritos , a tal “gaveta” tem um romance , novelas e outros texto começados. Os textos para teatro são os únicos que vão surgindo anualmente e que se tornam visíveis mal são escritos, através das peças que todos os anos são levadas à cena pelo grupo de teatro Contra-Regra, que dirijo.
Um título para o livro da sua vida?
Acho que ficaria em aberto, porque o que poderia ser hoje o tal título, amanhã provavelmente já não o seria. A impulsividade de que falei no início e o gosto pela imprevisibilidade fazem-me ter dificuldade em definir um título.
Viagem?
Qualquer lugar seria excelente. Todos os locais têm a sua beleza, o viajante é que tem de estar predisposto a captar o que esses lugares nos dão, pelo que só o facto de sair, de ir, já me encanta.
Música?
Sempre. Jazz, rock, clássica, reggae. A música tem a capacidade de nos envolver e , para mim, ela cabe em todos os lugares e em todos os momentos.
Quais os seus hobbies preferidos?
O teatro e a escrita. No teatro tudo, a escrita, a encenação e a representação. O prazer de criar e de ver crescer a peça e depois, nas atuações, o ambiente que nasce da cumplicidade entre o público e os atores e a peça são algo de único.
Acordo ortográfico. Sim ou não?
Ambos. Sou professora de profissão e de português, por isso tive de aceitar o acordo ortográfico, é uma inerência da docência. Porém, no teatro já não foi assim. A escolha do nome do grupo aconteceu precisamente na altura em que o acordo se discutia e entrava em vigor e nós decidimos manter a grafia Contra-Regra, que não respeita o acordo ortográfico. Aliás, o próprio nome surge como quase um trocadilho, se por um lado se refere à função de contra-regra, profissão que faz parte do teatro, por outro, foi uma forma também de dizermos que não nos identificávamos com o acordo e contra-regra ficou.