Outrora, por esta época, os campos em algumas regiões do nosso país eram inundados por ranchos de trabalhadores que se dedicavam a colher a azeitona.

Entre estas, o Ribatejo era uma das regiões mais importantes na produção do azeite, e, como nos ensina o provo em algumas das suas quadras, o Bairro de Santarém era, de facto, uma região muito rica nesta produção:


Corri Santarém à volta
Oliveiras, Olivais
Para ver se me esquecia
cada vez m’alembras mais.

Como as gentes ribatejanas não davam conta de tanta labuta, era necessária a contratação de ranchos de trabalhadores que durante semanas a fio, por vezes um ou dois meses, ficavam por cá para fazerem a apanha da azeitona. Vinham de regiões onde não houvesse também muitos olivais, pois nas Beiras interiores e no Alentejo, também predominavam os campos de oliveiras galegas, que ocupavam as gentes locais.

O tempo muito frio e, por vezes, chuvoso, tornava mais difícil e penosa esta faina, que não sendo violenta pelo esforço físico exigido, se tornava ingrata pela contrariedade do tempo. Manhã cedo, o capataz tocava estridentemente o búzio para reunir o rancho, pois, não se admitiam atrasos, porque os dias (solares)eram mais curtos e tinham ainda de fazer a caminhada até ao olival. Os homens com as escadas, os serrotes e os paus de varejar, as mulheres com as cestas e os panais lá seguiam galhofando uns comos outros, pois, para difícil e triste já bastava a má sorte de uma vida árdua de trabalho e de magra féria.

Chegados ao olival, escolhiam um sítio onde acendiam o lume para de vez em quando secarem alguma roupa, que por estar tão encharcada não se suportava no corpo, apesar dos agasalhos de estopa que se punham pelas costas, em jeito de capuz…

Homens e mulheres começavam a apanhar a azeitona do chão, que umas semanas antes tinha sido raspado, de modo que a erva não encobrisse os bagos que sempre iam caindo, após o que estendiam os panais para aparar a azeitona que ia sendo varejada.

Os homens varejavam as oliveiras, serrando alguma pernada que estivesse mais carregada, e que devesse ser cortada durante a poda, mas que, assim, para facilitar o trabalho era desde logo cortada, enquanto as mulheres iam colhendo a azeitona desses ramos. À medida que as cestas se iam enchendo eram despejadas em sacas de estopa, que, depois, eram colocadas em carroças ou em carros de bois, onde eram transportadas para as imediações do lagar.

Antigamente quase todas as quintas do Bairro tinham lagar próprio, pelo que nestes casos a azeitona era depositada em tulhas e de imediato levada para o lagar, onde de dia e de noite prosseguia o trabalho de esmagar a azeitona, dando razão àquela expressiva adivinha popular:

Verde foi meu nascimento
E de luto me vesti;
Para dar a luz ao mundo
Mil tormentos padeci?

Pois, este padecimento da azeitona para se tornar nesse precioso néctar que é o azeite, transporta-nos para outra dimensão – a do azeite, com os usos que lhe estão associados na alimentação, no misticismo das mezinhas e das benzeduras, no adagiário… Enfim, o azeite, que é verdadeiramente uma bênção de Deus!

A azeitona já está preta;
Já se pode armar aos tordos.
Diz-me lá, ó cara linda;
Como vais de amores novos.

Nos ranchos de fora vinham muitas raparigas novas, mulheres jovens na idade, mas já maduras nas andanças do trabalho, que começara muito cedo. A sua permanência na região constituía um desafio para os rapazes da terra, seus parceiros no trabalho, que não desperdiçavam o ensejo para namoriscar, o que, tantas vezes, deu mesmo em casamento.

Assim, também a inventiva popular se debruçou sobre estas circunstâncias:

Azeitona miudinha
Há três dias escolhida
Estes rapazes d’agora
Namoram três de seguida.

Vencida que estava a apanha da azeitona – que em muitas casas agrícolas iniciava em Outubro e durava até meados de Janeiro – e enquanto nos lagares se ia transformando a azeitona no precioso néctar que é o azeite, era o tempo da adiafa, ou seja, da festa de final da colheita.

Nem sempre a apanha da azeitona tinha festa de adiafa, pelo menos com o aparato habitual nas maiores casas agrícolas, posto que os pequenos agricultores apanhavam a azeitona em regime de cooperação, isto é, juntavam-se algumas famílias e os vizinhos mais próximos e entre si iam apanhando a azeitona de cada um. Este espírito de entreajuda era, aliás, muito frequente nos campos. Durante o tempo do almoço ou ao serão as mulheres iam fazendo a bandeira, com que no dia da adiafa haveriam de presentear o lavrador e a sua família.

Com uma simples armação feita de cana, onde se fixava um pano ou umas fitas de papel, iam bordando o nome do patrão e decorando a bandeira com algumas aplicações no pano, ou no papel, de modo a embelezá-la.

No último dia da colheita, o rancho ia despedir-se à casa do patrão, e com licença deste, procediam à entrega da bandeira, gesto que era acompanhado por uns vivas, que, em regra, eram de agradecimento pelo trabalho e pedindo para voltarem no ano seguinte. A esposa do patrão e os filhos, se os houvesse, também eram obsequiados com alguns vivas alusivos à sua condição.

O patrão, já informado desta intenção pelo seu capataz, havia providenciado uma refeição – que no Ribatejo era muito frequente ser de carneiro guisado – e oferecia às mulheres um lenço de cabeça e aos homens um barrete ou uma cinta.

Claro, trabalho feito, jorna recebida, barriga cheia, nada mais propício para a realização de um bailarico, o que era sempre bem acolhido por todos, posto

que o rancho era maioritariamente constituído por raparigas novas e os rapazes da terra sempre apreciavam a companhia das raparigas de fora, pois, com as da terra as coisas fiavam mais fino, uma vez que os pais destas estariam sempre por perto.

Se a produção tinha sido do agrado do lavrador, este era um pouco mais generoso e até contratava um tocador de harmónio, o que sempre tornava o bailarico mais animado, sendo que a primeira dança era iniciada pelo patrão que logo deitaria o olho a uma das raparigas mais bonitas, que, por educação não recusaria tão prestigiante convite. Raramente a patroa dançava com algum dos trabalhadores, mas se havia convidados da família, já não deixaria de, eventualmente, também fazer um pezinho de dança.

Enfim, recordações de outros tempos, que hoje quase não existem porque as máquinas vieram roubar o romantismo destes trabalhos, mas que ainda é possível apreciar nas casas agrícolas de média dimensão, ou naquelas em que se pretende preservar os processos mais antigos de produção agrícola, não devendo esquecer-se que no presente a maioria dos antigos olivais ainda é apanhada à mão.

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