Segundo as narrativas mais correntes, até parece que o feminismo em Portugal nasceu com a «Liga Republicana das Mulheres Portuguesas» (fundada em 1908). E com a geração de intelectuais que nela se salientaram.

Nomes como Adelaide Cabete, Ana de Castro Osório ou Maria Veleda.

Mas é uma história mais antiga. É preciso falar de Angelina Vidal. Em 1880, já ela proferia uma conferência sobre “A mulher e a atualidade, perante o critério filosófico”. Teve lugar no sindicato dos operários da indústria de tabaco, em Lisboa.

Filha de um maestro e casada com um médico, Angelina provinha de um meio social privilegiado. Era uma senhora que literalmente tocava piano e falava francês. Tornou-se escritora e jornalista, autora de poesia, contos e teatro. Quando as futuras republicanas ainda eram crianças.

E praticou um feminismo mais avançado do que muitas delas, focado nas mulheres operárias.

Em 1893, declarou a sua adesão ao socialismo e a uma espécie de central sindical que existia à época, a «Associação dos Trabalhadores na Região Portuguesa». E não desistiu.

Inovação e persistência

Vejamos alguns exemplos. Em 1894, Angelina Vidal discursou num encontro sindical sobre a educação da mulher, e apelou à participação da mulher no sindicalismo. Outra oradora nesse evento foi Luísa Maria, delegada do primeiro sindicato feminino em Portugal, o das «Lavadeiras de Lisboa» – fundado 15 anos antes da «Liga Republicana».

Em 1896, Angelina proferiu uma conferência sobre “os direitos sociais e económicos da mulher operária”.

Numa iniciativa doutro sindicato feminino, o das operárias costureiras de Lisboa.

E no ano seguinte voltou a falar sobre “os direitos da mulher”, no mesmo sindicato.

Em 1900 deu uma conferência sobre “a mulher na sociedade moderna”, no «Grémio Socialista José Fontana», também em Lisboa.

Tudo isto ainda no século XIX. Angelina Vidal viria a falecer em 1917. E manteve as suas convicções até ao fim.

Num artigo em 1914, por exemplo, denunciava que “a costureira, empregada nos ateliers, chega a trabalhar doze e quatorze horas [ao dia] por um salário mesquinhíssimo”.

E já falava na desigualdade de género a nível salarial, apontando o caso da “obreira fabril, [que] se não está tantas horas na roça, suporta a injustiça de diferenciação, para menos, do salário, quando mesmo em igualdade de produção com o homem” [«Vanguarda», 22/05/1914, pág. 1].

Em Tomar

Foi no Ribatejo que Angelina Vidal proferiu a sua primeira conferência. Aconteceu em 1879, na cidade de Tomar. Numa altura em que passava ali largas temporadas.

Nessa altura, já se assumia como republicana. E começava a ter parte ativa na propaganda, nomeadamente através da imprensa. Ali em Tomar, por exemplo, já era redatora de um primeiro jornal republicano, o «Emancipação». E em Lisboa tornou-se, pouco depois, redatora de A Voz do Operário.

Em Santarém

Hoje será difícil de imaginar como era inusitado uma mulher atrever-se naquele tempo a ter uma intervenção política. Ainda por cima na oposição ao poder estabelecido.

Em 1881, Angelina começou a colaborar num jornal scalabitano, o «Distrito de Santarém». Mas foi por pouco tempo…

No ano seguinte, esse mesmo jornal dizia: “Nós acatamos e respeitamos sempre uma senhora, mas […] sair do lar para subir à tribuna, esquecer o governo doméstico para discursar sobre administração pública”, e sobre “os perigos que cercam a nacionalidade portuguesa, pode ser muito patriótico, mas sobremaneira pouco feminil, e nós confessamos que nos desagrada sobremaneira”.

E apontava: “A senhora dona Angelina Vidal – a única republicana, cremos, […] prega a transformação geral, deseja a emancipação […] desde o capitólio até ao lar, e tudo isso nos parece pouco de acordo com a missão natural da mulher” [«Distrito de Santarém», 02/07/1882, p.1].

Angelina não desistiu.

No Ribatejo, manteve uma ligação a Tomar. Onde discursou no comício do 1º de Maio de 1903. E aqui o «Correio do Ribatejo» publicou 4 poemas seus, ainda no tempo da monarquia.

LUÍS CARVALHO
INVESTIGADOR

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