Dos primórdios do feminismo no Ribatejo, são de salientar duas conferências proferidas pela professora Maria Veleda, ainda no tempo da monarquia.
A primeira no Rossio ao Sul do Tejo (Abrantes), em 1907. E a segunda na cidade de Santarém, em 1909. Ambas promovidas pelo Partido Republicano Português.
Amnésia
Numa biografia que publicou sobre Maria Veleda, em 1995, a feminista Hortense de Almeida critica “os historiadores da República” que “deram a conhecer os nomes dos homens que se evidenciaram na defesa dos ideais que marcaram a luta política contra a monarquia mas, injustamente, silenciaram a acção das mulheres que a seu lado se bateram pelo mesmo objectivo”.
Chama a atenção que “essas mulheres, não obstante a amnésia dos historiadores, não foram figuras anónimas no seu tempo”. Muito pelo contrário, “a sua actuação no movimento revolucionário tornou-as conhecidas tanto de correligionários como de adversários políticos e fê-las merecer a simpatia do povo que as tratava com carinho e respeito por “senhoras republicanas”.
E aponta Maria Veleda como uma das “mais aguerridas” [Almeida (1995), págs. 145 e 147].
Condenada
Efetivamente, Maria Veleda teve um papel destacado. Desde logo pela sua intervenção na imprensa republicana. Chegou até a ser condenada a uma pesada multa, por um artigo em que criticou a rainha Amélia por esta “não ter deixado de assistir a um espectáculo teatral a que se dirigia quando a sua carruagem atropelou uma mulher e o seu filho de colo, que ficou esmagado” [Almeida, pág. 155].
Já depois de derrubada a monarquia, Maria Veleda liderou a «Liga Republicana das Mulheres Portuguesas». Como presidente da direção em pelo menos dois mandatos anuais (1913 e 1914).
Teve ainda uma atividade marcante por meio de conferências que proferiu em vários pontos do país. Publicou aliás um livro com os textos algumas dessas suas intervenções: «A Conquista», de 1909.
Em Abrantes
A conferência de Maria Veleda no Rossio ao Sul do Tejo foi presidida por Ramiro Guedes, um médico de Abrantes que viria a ser o primeiro governador civil republicano do distrito de Santarém.
Há relato de que teve “grande concorrência de público, entre o qual se via representado em larga escala o elemento feminino”. E de que no final, Maria Veleda “foi extraordinariamente aplaudida” [«O Abrantes», 08/09/1907, pág. 2].
Falou ali acerca da história da mulher através dos séculos, da sua in- fluência “na educação e na emancipação dos povos”, e do seu papel numa “sociedade futura”.
E terminou com este apelo: “Levemos a mulher para o socialismo […] O lugar da feminista não é nas fileiras burguesas nem tão poucos nas alas reacionárias: – é nos partidos operários, em volta da bandeira vermelha!” [Veleda (1909), pág. 202].
Evocou mesmo o exemplo de algumas das mais célebres socialistas europeias da época, como as alemãs Rosa Luxemburgo e Clara Zetkin. Maria Veleda não chegou a aderir a um partido operário. Mas, no seio do feminismo republicano, representou de facto uma linha mais progressista, mais aberta às ‘mulheres do povo’. Distinta da linha mais elitista e burguesa, personificada por Ana de Castro Osório.
Em Santarém
A conferência de Maria Veleda em Santarém foi presidida pelo futuro primeiro presidente da Câmara republicano, José Montez.
Reuniu “muitas senhoras que enchiam mais de metade do vasto salão”. E ouviu-se o hino da Revolução Francesa – «A Marselhesa».
O tema foi «A educação da mulher em Portugal». No típico tom anticlerical da propaganda republicana da época, falou nos “horrores da mulher fanatizada pelo jesuíta, que dela faz um instrumento cegamente obediente, e disse que a liberdade é impossível enquanto a mulher não quebrar as cadeias que a prendem à reacção” [«O Século», 11/04/1909, pág. 2].
No «Correio do Ribatejo»
Da presença de Maria Veleda na imprensa ribatejana, cabe uma posição pioneira a este jornal, pois publicou um poema dela ainda no século XIX, em 1898: “Mater dolorosa” (“mãe de luto”, em latim).
LUÍS CARVALHO – INVESTIGADOR