Se há algo que me irrita solenemente é o uso por parte de políticos e comentadores da palavra “folclore” num sentido pejorativo, como sinónimo de fanfarronice popular, show off colorido ou circo mediático.

Ora o termo folclore tem origem na justaposição de folk-lore, na qual os vocábulos da língua inglesa folk significa “gente” ou “povo” e lore significa “conhecimento”.
Será que ignorantemente muitos desses senhores da elite reinante pensam que folclore é apenas um conjunto de “ranchos” que dançam em cima dum palco, com trajes tradicionais curiosos e divertidos?

Ou será que através daquelas bujardas pseudointelectuais os referidos iluminados pretendem mesmo separar-se das “massas”, dando alarde à sua suposta defesa cosmopolita da razão, da ciência, do humanismo e do progresso, sendo que tudo o “resto” é… folclore?

Vejamos então se o pensamento científico constitui apanágio do raciocínio desses seres superiores (aliás sempre detentores da verdade absoluta) e se do folclorismo só podemos esperar crendices, empirismos e sabedoria popular.

Quanto à política partidária, basta perguntar: haverá maior dogmatismo do que vedar, aprioristicamente, as ideias e os princípios das políticas públicas – tantas vezes assentes em critérios de índole estritamente técnica – só porque provêm de outro quadrante ideológico? De outra “tribo”?

Parece-me que estamos perante o exato contrário do que a ciência e o pensamento científico nos ditam! Não vejo maior tribalismo e acervo de preconceitos limitadores de boas soluções, do que nessa forma de encarar a política. A “clubística”.

Apetece dizer: lá estão os políticos e comentadores, esses sim, com as suas crendices, empirismos e soundbites enganadores.

Ora, ao contrário do que parecem pensar os tais senhores elitistas, o folclore não só vive imune a essas fanfarronices, como é reconhecido como uma ciência com o seu próprio objeto e metodologia científica.

Não deviam os tais senhores possuidores do caminho respeitar mais este ramo das Ciências Humanas e Sociais, entendendo e dignificando as tradições populares como elos duma cadeia ininterrupta de saberes que deveria ser compreendida para melhor se entender a sociedade moderna?

Lutem lá (mas é) contra essa tendência inata para a vulgarização terminológica, e adquiram respeito não só pelo ramo do conhecimento, mas também pelo lado, que está longe de ser o único, da espetacularização das manifestações folclóricas.

É que se trata comprovadamente de uma excelente forma de aproximação entre os Povos, na sua diversidade cultural: todos nos lembramos da vinda de grupos do Leste, incluindo da ex-URSS, ao Festival Internacional de Folclore de Santarém muito antes do 25 de abril e da queda do Muro de Berlim.

Portanto, aprendam com o Folclore e não estraguem o vocábulo!

Inato ou Adquirido – Pedro Carvalho

Leia também...

Nascer com o “bicho” do Atletismo em Santarém

Reza a história escalabitana que em 1969 existiu um grande projeto Desportivo para a cidade, sob a égide do Governo Civil e da Câmara…

‘Irracionalidade inata’, por Pedro Carvalho

A Guerra na Europa é muito perigosa. Voltámos atrás muitas décadas.Todavia, a resposta da vastíssima maioria dos países à escala planetária, quer na votação…

Ponto Final: Uma Memória que não se apaga

Há memórias que não se apagam e a de Teresa Lopes Moreira, amiga e até há bem pouco tempo administradora deste Jornal, é uma…

‘Saber dividir um bolo’, por Pedro Carvalho

No Orçamento do Estado de cada ano são distribuídas verbas provenientes dos impostos dos portugueses pelos diversos organismos da Administração Pública.Entre os vários ministérios…