Numa feliz iniciativa do Rancho Folclórico da Golegã, da Câmara Municipal e da Junta de Freguesia Golegã, teve lugar no passado domingo, dia 12 de Maio, o II Desfile do Traje Ribatejano, que contou com a participação de três centenas de folcloristas de toda a região, em representação de trinta grupos de folclore filiados na Federação do Folclore Português, entidade que também prestou o seu apoio através do Conselho Técnico Regional do Ribatejo.

O conhecimento da vivência de uma comunidade nas suas múltiplas dimensões sociais, económicas e culturais impõe, quase sempre, uma aturada pesquisa junto dos seus membros mais idosos. Muito do que nos interessa saber não consta dos livros que possamos consultar, cujos autores poucas vezes se interessam por esta matéria. Coisas do povo raramente eram assunto para grandes escritores…

Assim, para aprendermos é mister que rebusquemos nas memórias dos mais idosos e nas suas arcas e, pacientemente, irmos folheando cada página de vida destes autênticos livros. Sim, que uma pessoa com muitos anos de vida é, de facto, um autêntico livro de saberes…

Os responsáveis técnicos de alguns dos ranchos folclóricos ribatejanos, ávidos de saberem mais sobre os costumes e as tradições da sua terra e das suas gentes, e conscientes de que apenas assim poderiam concretizar um trabalho perfeito na representação etnográfica e folclórica da sua comunidade, não hesitaram em começar a trabalhar e persistentemente foram recolhendo e estudando o património, material e imaterial, que lograram desvendar.  

Como se compreenderá, quanto mais descobriam mais vontade tinham em prosseguir este trabalho de pesquisa, e mais bocas foram abrindo para ouvir contar as histórias de uma vivência pobre, austera e sóbria, mas rica na sua multiplicidade de detalhes e de significados. Entre o imenso material recolhido devotaram-se ao estudo da indumentária típica nas suas aldeias ou vilas. Em boa hora o fizeram, pois, o resultado do seu labor permite-lhes a generosa partilha de tanto saber e de tão importante conhecimento.

E na oportunidade da realização do II Desfile do Trajo do Ribatejo a maioria dos grupos ribatejanos filiados na Federação do Folclore Português disponibilizou-se para participar nesta iniciativa apresentando alguns dos seus trajos mais característicos.

Mais do que se pensa, a questão dos trajos populares na sua relação com o meio envolvente é fundamental para compreendermos algumas particularidades de cada região. Antigamente a indumentária revestia-se de um carácter funcional, isto é, variava de acordo com as funções profissionais em que era usada. Não quer dizer, longe disso, que os nossos antepassados tivessem um vasto guarda-roupa com trajos diferentes para cada faina, nem pensar, mas, sobre um conjunto de peças comuns, usavam diversos atavios que eram utilizados no desempenho de cada função, e que, eloquentemente, nos permitem compreender os ciclos e os processos do próprio trabalho. 

Ora, a diversidade de trajos de trabalho permite-nos, desde logo, saber quais eram os trabalhos agrícolas a que outrora se dedicava o povo da nossa região ribatejana, o que, em complemento com outras informações etnográficas nos ajuda a reconstituir a vivência desta gente ao longo do ano. As cavas, as mondas, as podas, as ceifas, a vindima, a apanha da azeitona, o pastoreio, a pesca… e por aí adiante.

E, acrescidamente, no caso do Ribatejo as diferenças existentes no plano geológico e orográfico têm igualmente relevância ao nível das alfaias e dos utensílios agrícolas que os nossos antepassados utilizavam. Como facilmente se compreenderá o trabalho da apascentação de gado miúdo no Bairro ribatejano ou na Charneca era substancialmente distinto do pastoreio do gado bravo na Lezíria, o que tem particular reflexo na indumentária usada por uns e por outros. E nem estamos a ater-nos apenas ao trajo festivo do Campino, que, em bom rigor, é uma “farda” que o lavrador distribuía a este seu criado aquando do ajuste pelo S. Miguel à casa agrícola onde passava a trabalhar e a qual representava em festas, feiras e romarias.

Do mesmo modo, os trajos usados em circunstâncias festivas, religiosas, familiares ou comunitárias elucidam-nos sobremaneira acerca do carácter e da sensibilidade desta gente. A variedade de tecidos que utilizavam para a confecção da sua indumentária, os diversos tipos de corte usados, bem assim como os enfeites com que alindavam estes trajos e o maior ou menor uso de ouro, denotam o bom gosto que caracteriza esta gente ribatejana, a quem é reconhecida uma excepcional sensibilidade, expressa em outros aspectos da sua vivência. 

Por outro lado, o facto da confecção desta indumentária festiva comportar um esforço financeiro elevado para as famílias, em regra, gente pobre, impunha que o seu uso fosse parcimonioso, circunstância que, uma vez mais, nos permite conhecer o ciclo das festividades locais. A ida às sortes, no caso dos homens, e o casamento, no caso das mulheres, eram momentos de tal modo relevantes na vida de cada pessoa, que estavam associados à estreia de um fato novo, que, por sorte ou desdita, os haveria de acompanhar ao longo de toda a vida, e até, quando a morte era chegada, poderiam servir de mortalha.

Daí que conhecer em pormenor os trajos característicos de uma região seja tão importante para conhecermos o povo dessa mesma região. Diz-me o que vestes… dir-te-ei quem és. Nem mais! Conhecendo profundamente a especificidade do trajo popular é meio caminho andado para conhecermos também a vivência destas populações e até alguns aspectos relativos ao seu carácter e ao seu temperamento.

Não se esperava, obviamente, que este II Desfile do Traje do Ribatejo fosse uma passerelle onde se apresentassem indumentárias luxuosas e extravagantes, porém, a riqueza assente na diversidade foi um dos principais contributos que esta iniciativa nos prestou, para além da imperativa sensibilização do cidadão comum para a importância deste aspecto da nossa cultura tradicional. 

Tendo em conta o empenho dos responsáveis do Rancho Folclórico da Golegã e a expressão dos apoios das respectivas autarquias não se esperava outro resultado que não fosse o sucesso. O que foi plenamente conseguido, cumprindo referir a forma atenciosa simpática como todos os participantes no Desfile foram acolhidos pelos seus Organizadores. Todos os que aceitaram o desafio para participar nesta iniciativa se sentirão, certamente, gratificados e a todos foi proporcionada mais uma valorização do seu conhecimento sobre tão aliciante tema da cultura popular. Parabéns!

E, entretanto, já foi decidido que o próximo Desfile do Trajo do Ribatejo terá lugar em Coruche, numa iniciativa conjunta dos quatro grupos folclóricos do Concelho filiados na Federação do Folclore Português – o Rancho Folclórico Regional do Sorraia, o Rancho Folclórico “Os Camponeses” de Santana do Mato, o Rancho Folclórico da Fajarda e o Grupo Folclórico e Etnográfico de S. José da Lamarosa. 

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