Natural de Serra d’El-Rei, Peniche, mudou-se com o seu pai para a cidade de Santarém, passando antes por outras localidades como Sesimbra. Inicialmente, queria ser ‘bate-chapas’, para conquistar os corações femininos, mas o seu “velho” obrigou-o a ir aprender o ofício de sapateiro. Foi assim que começou a paixão de Ernesto Alves pelo calçado e por dar uma nova vida e uso a este. Sapateiro há 70 anos, são várias as histórias que o comerciante de 88 anos recorda no seu pequeno estabelecimento, localizado na Rua José Cardoso da Silva Júnior.
Como que idade começou na profissão de sapateiro?
Comecei a trabalhar aos 15 anos de idade. Isto não era para ser o meu ofício. Naquele tempo, há setenta anos, havia muitas oficinas de carros e a minha ideia era ser ‘bate-chapas’. As miúdas queriam era malta das oficinas, mas depois comecei a aprender a profissão de sapateiro muito rápido. O meu pai dizia-me: “Quando souberes trabalhar em calçado, vais para aquilo que tu queres”. Mas eu depois comecei a gostar disto. Já não fui para ‘bate-chapas’. Continuei nesta vida. Ao fim de seis meses estava a fazer um par de sapatos. Os meus colegas diziam: “Onde é que compraste os sapatos?” e eu respondia: “Fui eu que os fiz”, mas ninguém acreditava. No entanto, depois começaram a dizer para eu descalçar os sapatos e viram que não eram sapatos de fábrica e passaram a acreditar. E aqui estou eu, com 88 anos, ainda a fazer qualquer coisa.
Que diferença nota na clientela dessa altura para hoje?
É como da noite para o dia. Naquele tempo havia muito trabalho, muito sapateiro. Agora há poucos sapateiros e não há trabalho. O pessoal anda todo de sapatilhas. Sapatos de solas, de meias solas, isso acabou.
Como é a sua relação com os clientes?
Lido sempre bem com eles. É preciso é eles virem cá.
O que acha dos novos conceitos de calçado?
Tenho aqui um par de sapatilhas. Olhe aqui, tudo estragado. O que é que eu vou fazer a isto? Tudo estragado? As sapatilhas são à base de cola. Quando estão descoladas, colam-se. Aparece-me aqui calçado dos ‘chineses’ e isso não presta para nada, o calçado não vale para nada. Muita gente compra, estraga-se e deita fora. Certo dia, fui dar uma volta pela cidade e encontrei bastante calçado nos contentores que é um disparate. Tudo estragado. As pessoas compram e deitam fora, não mandam arranjar. Aquilo custa dez euros ou quinze e estão sempre a estrear calçado novo.
O que é ter uma casa aberta no centro histórico? A ausência de pessoas não o faz perder a vontade e fechar a porta?
Eu por acaso gosto de estar aqui. Gosto de conviver com as pessoas. Gosto dos clientes. Já pensei nisso, em fechar isto há algum tempo e naturalmente tenho de fechar. Também com a idade que eu tenho, tenho de ir é descansar para casa. Mas isto ainda vai dando para a despesa. Enquanto der para a despesa, estou por aqui. Mas para viver, nem mais ou menos. Isto foi um ofício que nunca deu. Noutros tempos era para assentar, mandavam arranjar e depois iam pagando pouco a pouco. Queimei dois livros. Com 70 anos de ofício vou andando. Eu fiz muitos botins, muitas botas e muitas sandálias. Muitos ficaram-me a dever e não pagaram. Uma pessoa já não tem paciência para certos trabalhos, mas nunca tive problemas. Sei lidar com as pessoas.