Em Portugal, mais de metade dos lares têm, pelo menos, um animal de estimação e têm sido criadas medidas para promover os direitos e bem-estar quer dos animais quer dos donos. Mas, a par disso, e em sentido inverso, tem aumentado o número de animais abandonados: estima-se que, no país, mais de 10 mil animais por ano são deixados à sua sorte. Números reais são difíceis de obter, visto que estão distribuídos por várias associações e canis municipais. Em Maio de 2017, os animais conquistaram um novo estatuto jurídico, que os reconheceu como seres vivos dotados de sensibilidade e os autonomiza face a pessoas e coisas mas, na prática, tem produzido efeitos ténues: os problemas não acabam por decreto.Tentando minimizar estas lacunas e, ao mesmo tempo, ajudar os animais abandonados a encontrarem uma família, estão os “protectores”. Pessoas que, quando passam pela rua e vêem um animal encolhido, desnutrido ou ferido, não conseguem seguir em frente indiferentes à situação. São heróis do dia-a-dia que recolhem os animais, os levam ao veterinário, dão comida, banho e carinho, enquanto, paralelamente, correm atrás de voluntários que possam ajudar tanto financeiramente quanto na busca de um novo lar.

É o caso de Anabela Fernandes, habitante em Almeirim, e fundadora do refúgio São Francisco de Assis, que recolhe animais “por amor”. Conta com cerca de 40 cães abandonados no seu espaço e fá-lo por gosto, mas sente dificuldade em arranjar apoios para os alimentar e dar-lhes uma vida digna. Acredita que a sociedade ainda não está preparada para o fenómeno da protecção dos animais e pensa que a lei não é aplicada devidamente.

“A paixão começou desde sempre: desde que eu sou conhecida por gente que tenho animais”, começa por contar ao Correio do Ribatejo.

“Eu vivia com a minha avó, que me criou e recordo-me que, como ela trabalhava no campo, deixava-me o lanche, e eu tinha sempre um cão e um gato ao pé de mim. Portanto, desde sempre, eu tive animais… umas vezes mais, outras vezes menos conforme a vida foi decorrendo e agora dediquei-me de uma forma mais completa: se eu pudesse, não havia animais abandonados em Portugal”, afirmou.

Anabela começou há cerca de seis anos a recolher animais de rua:“às tantas já tinha 12 e tive de arranjar um sítio onde tivesse condições para eles”, conta. Encontrou um terreno nos arredores de Almeirim para os acolher, onde “têm espaço, liberdade e são felizes”. Contudo, esta protectora dos animais não esconde a ambição de dotar o espaço de infra-estruturas mais sólidas:“precisava dos canis e das boxes prontas. A minha ideia é ter um espaço de recolha de animais, prepará-los para adopção mas, ao mesmo tempo ter um espaço que possa sustentar. Agora, sozinha e sem ajudas está difícil, muito difícil, mas a ideia é essa”, lamenta.

Enquanto os apoios não chegam, este “Refúgio São Francisco de Assis” – nome inspirado no santo protector dos animais – vai conseguindo manter-se graças a algumas ajudas pontuais. “É difícil”, conta Anabela, prosseguindo: “há mais de um ano e meio que discuto muito com a Câmara [de Almeirim]. Cheguei a pedir ajuda para alimentação porque eu já tinha muitos animais. Respondiam-me que já tinham protocolo com outra associação… mas tanto insisti, que começaram a trazer alimentação – pouca e de má qualidade – mas é uma ajuda…”.

O refúgio subsiste com o trabalho de Anabela e do filho e com o auxílio de uma benemérita que conheceu através das redes sociais. “Uma amiga de Lisboa, que conheci no Facebook, uma vez recolheu um cão e não tinha onde o pôr. Eu prontifiquei-me a ajudar, recolhi-o aqui. A partir daí, é ela é que me traz mantas, comida e mesmo as vacinas para todos. Se eu preciso de alguma coisa urgente, ligo à Cristina e ela arranja forma de conseguir”, refere, com um sorriso.

Questionada pelo Correio do Ribatejo sobre se existe, actualmente uma maior consciencialização da opinião públicapara a protecção dos animais, Anabela é peremptória: “Não”.

“Uma forma de consciencializar e mudar a mentalidades seria em cada escola, ou em cada lar de idosos, por exemplo, construir um canil, nem que fosse com dois ou três animais abandonados”, aponta, explicando os benefícios: “para fazer companhia e para os alegrar, isso seria essencial”.

E, nas escolas, um processo semelhante, porque, assim, “os jovens já cresciam com a ideia de respeito pelos seres vivos”.

“Até as mentalidades chegarem ao patamar de respeitarem um ser vivo vai demorar. Eu vejo quando eles têm dores, quando são felizes… eles só não falam como nós falamos.Quem estiver atento percebe o que eles dizem. Tem de se olhar para eles como seres vivos”, assevera.

Quanto à legislação que criminaliza os maus-tratos e abandono de animais, Anabela Fernandes tem dúvidas em relação à sua aplicabilidade prática: “Se fosse aplicada, provavelmente até seriam um bom começo. O problema é que isso não acontece”, diz, defendendo que uma das formas de controlo populacional de animais errantes seria a esterilização, uma responsabilidade que caberia, em primeiro lugar, aos municípios.

“Há pessoas que não têm como pagar, gostam do animal, mas não têm como o esterilizar, como vacinar… depois entra-se num ciclo vicioso. Então, eu acho que os municípios deveriam fazer um levantamento e intervir de uma forma sistemática. Enquanto isso não for feito, vai haver sempre animais abandonados”, afirma, deixando críticas à forma como a Câmara de Almeirim tem actuado nesta problemática: “eu estou à espera de uma reunião com o presidente e com o veterinário há não sei que tempos. O que acontece é que vêm cá colocar animais e depois não se responsabilizam, nem com a comida. Pedi também ajuda para melhorar as instalações e, até agora, nada”, garante.

Mas Anabela não desiste de conseguir que o seu ‘refúgio’ tenha melhores condições: a autarquia cedeu areia, pedra, blocos, “mas falta parte do material e um portão que é essencial para começar a fazer as obras, orçadas em 1500 euros”, explica.

“Então e quem é que vai fazer as obras?” perguntei. Respondem-me: “a Câmara não pode, tem que ser você”.

“Metade dos animais que aqui estão foram enviados pela Câmara. Eu tenho o espaço mas não faço milagres. Se fosse rica, não pedia nada a ninguém, mas não sou. Existem,com certeza, coisas mais importantes.Mas esta também é importante. Se as pessoas olhassem para eles como um ser vivo que sente, tem dor, seria diferente, mas o problema é que as pessoas não olham para eles assim. São uns bibelôs, não são uns seres vivos que merecem respeito”, conclui.

Ilda Gomes procura nova casa para trinta animais

Em Casais da Aroeira, perto de Santarém, Ilda Gomes faz seu trabalho com o mesmo amor, carinho e dedicação: tem a seu cargo 16 cães que foram abandonados ao longo dos últimos 16 anos e que recolheu numa propriedade de uma pessoa amiga.

E num terreno na Ponte do Celeiro dá guarida a mais uma dezena de cães e gatos. Desde que se reformou, há cerca de 16 anos, que Ilda se dedica a “100 por cento” aos animais abandonados.

A antiga voluntária da Associação Scalabitana de Protecção Animal (ASPA) tem a seu cargo cerca de trinta animais, entre cães e gatos, que alimenta através da ajuda de amigos ou conhecidos. O objectivo da amante de animais é dar uma vida digna aos mesmos até eles partirem, algo que, para Ilda, não acontece numa associação.

Em meados de Janeiro, Ilda lançou um apelo para encontrar um novo abrigo para dar condições dignas aos 16 animais pois a propriedade que lhe foi cedida foi recentemente vendida, o que obriga à mudança dos amigos de quatro patas. O Canil Municipal e da ASPA estão lotados o que torna a situação ainda mais complicada.

A instituição zoófila só tem capacidade para albergar novos ‘inquilinos’ à medida que vai encontrando famílias de acolhimento, o que não tem acontecido com a frequência desejada.

Após o Correio do Ribatejo ter lançado o apelo, recebeu inúmeras propostas de terrenos mas, segundo Ilda Gomes, a maior parte são financeiramente incomportáveis, com valores a rondar os 150, 200 ou 300 euros de renda, que Ilda não consegue reunir. Entretanto, segundo nos contou, haverá a hipótese de conseguir um terreno na Póvoa de Santarém para alojar os 30 animais que tem a seu cargo. Apesar disso, a protectora dos animais precisa agora de ajuda para a construção dos canis tendo já feito um apelo à Câmara Municipal de Santarém.

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