Uma em cada três pessoas que esteve exposta ao novo coronavírus e produziu anticorpos, não teve qualquer sintoma da doença. É o que revela o estudo serológico sobre a prevalência da Covid-19 conduzido pelo Instituto Gulbenkian de Ciência em Almeirim, entre os dias 23 de Maio e 4 de Julho, com uma amostra de população do concelho e profissionais de saúde. O estudo concluiu ainda que perto de 4 por cento da população – cerca de um milhar de pessoas – esteve exposta à doença. Percentagem é mais de 25 vezes superior ao que tinha sido diagnosticado. Pedro Ribeiro, presidente da Câmara de Almeirim diz-se “surpreendido” com os resultados e salienta a “enorme importância” da informação obtida no apoio à tomada de decisões, tanto mais que a pandemia “não se vai resolver nos próximos meses”. O objectivo deste estudo foi avaliar a exposição ao coronavírus na comunidade para traçar um panorama mais realista e completo, de modo a poderem ser implementadas novas estratégias para controlar a propagação da doença e minimizar as suas consequências para a saúde, sociedade e economia.
O estudo serológico sobre a prevalência da covid-19 coordenado pelo Instituto Gulbenkian de Ciência, realizado em Almeirim, revelou que 3,88% da população esteve em contacto com o vírus, mais do que o esperado pelos investigadores. O estudo concluiu, pois, que perto de 4 por cento da população – cerca de um milhar de pessoas – desenvolveu anticorpos ao novo coronavírus, apesar de a maioria não ter apresentado qualquer tipo de sintomas. Ou seja, das 270 pessoas que foram testadas, 12 tinham anticorpos e, dessas, apenas duas tinham tido alguns sintomas aos quais não deram importância.
A apresentação dos resultados do estudo -que decorreu entre 23 de Maio e 4 de Julho e foi realizado pela autarquia em colaboração com o agrupamento de centros de saúde e o Instituto Gulbenkian de Ciência (IGC)- decorreu por videoconferência na sexta-feira, dia 17. Além de ter sido testada uma amostra aleatória da população, o estudo serológico analisou ainda 200 profissionais que estiveram na linha da frente durante os últimos meses, incluindo médicos, enfermeiros e auxiliares, além de funcionários da protecção civil, polícia e limpeza municipal.
Das 200 pessoas testadas, apenas 1% teve contacto com o vírus e desenvolveu anticorpos, o que “sugere que a implementação de medidas de protecção pessoal dos profissionais foi bem-sucedida”, segundo o IGC.
“Estávamos à espera de uma taxa mais alta entre os profissionais de primeira linha e uma taxa mais baixa entre a população em geral. Os 3,88% estão muito acima daquilo que esperávamos e do que têm sido os resultados de outros estudos semelhantes”, apontou Carlos Penha Gonçalves, investigador principal do Instituto Gulbenkian de Ciência envolvido na realização do estudo.
“Em todo o concelho, foram infectadas 35 pessoas, confirmadas por teste. Isso corresponde a 0,15% da população. Portanto, esta percentagem de 3,88% é mais de 25 vezes superior ao que tinha sido diagnosticado”, acrescenta o investigador. Uma das explicações possíveis para essa taxa mais elevada é o facto de os primeiros casos em Almeirim terem surgido muito cedo, ainda na primeira semana de Março, numa fase em que a informação sobre o vírus e a protecção necessária ainda não era totalmente conhecida.
É de notar que este estudo faz um pequeno acerto na taxa de prevalência real, tendo em conta a especificidade do teste, isto é, a margem de falsos positivos. Apesar de os 12 casos com anticorpos identificados pelos testes corresponderem a 4,4% do total de 270 pessoas, a prevalência real corrigida é de 3,88%, como explica Carlos Penha Gonçalves. Para o investigador, entre as mensagens a retirar do estudo, que envolveu um total de 553 pessoas, há a de que os profissionais de primeira linha, mais expostos, adoptam boas medidas de protecção e revelam maior sensibilidade ao risco e que as pessoas com sintomas ligeiros não procuram os serviços de saúde, o que dificulta o controlo das cadeias de transmissão.
Por outro lado, uma em cada três pessoas testadas foram assintomáticas e as pessoas em vigilância activa, mesmo com um teste PCR (rápido) negativo, podem ter estado expostas ao vírus. “Esperávamos uma prevalência inferior. Pessoas com sintomas ligeiros tendem a desvalorizar a sua própria sintomatologia e a não procurar os serviços de saúde. E nunca começam o processo para ser testadas. Isso faz com que seja mais difícil o controlo das cadeias de transmissão.
Acresce que uma em cada três pessoas, com resposta por anticorpos, foram assintomáticas, o que lança o desafio do controlo da transmissão do vírus”, referiu o responsável. Além da aplicação do teste desenvolvido pelo consórcio serology4COVID a uma amostra aleatória da população (270 pessoas, 1,16% da população do concelho) e aos profissionais (de saúde, bombeiros e funcionários municipais), foram testadas 83 pessoas que tiveram a doença (12) ou estiveram em contacto directo com casos positivos (vigilância activa), 15,2% das quais apresentaram anticorpos.
Carlos Penha Gonçalves sublinhou a importância deste projecto-piloto para estabelecer metodologias para estudos de “maior alcance” e para se perceber se um teste totalmente desenvolvido em Portugal tem condições para disputar a sua aplicação a nível nacional. A próxima fase será a realização de um estudo-piloto num concelho urbano de maior dimensão, disse.
Na apresentação dos resultados do estudo, participaram ainda Telmo Nunes, da Faculdade de Medicina Veterinária da Universidade de Lisboa, responsável pelo desenho e metodologia, Pedro Ribeiro, presidente da Câmara Municipal de Almeirim, e Duarte Cordeiro, secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares e coordenador para as questões da covid-19 nomeado pelo Governo para a região de Lisboa e Vale do Tejo.
“Ferramenta de apoio à decisão”
Pedro Ribeiro saudou a colaboração existente entre as várias entidades – investigadores, município, serviços de saúde pública -, aproveitando “recursos que já existem”, e salientou a “enorme importância” da informação obtida no apoio à tomada de decisões, tanto mais que a pandemia “não se vai resolver nos próximos meses”.
Desafiando os investigadores a prosseguirem o acompanhamento da evolução da doença no seu concelho durante o próximo ano, o autarca apelou igualmente a Duarte Cordeiro para que a administração central alargue o estudo “pelo menos à Área Metropolitana de Lisboa”, pelo impacto que esta tem em toda a região e mesmo no país.
“Estava convencido que os números não chegariam sequer a 1 por cento. A verdade é que os números são outros. E esta infor-mação é importante para quem decide”, vincou o autarca.
“Nós, diariamente, tomamos decisões. Uma coisa são as orientações gerais da DGS. Depois, há a outra parte, a dos decisores políticos que têm de ir tomando opções para a vida quotidiana, para os eventos, entre outras. E, às vezes, as recomendações e imposições que fazemos acima das que são feitas pela DGS fazem sentido. Esta informação permite-nos, no futuro, ir ajustando essas decisões”, a afirmou Pedro Ribeiro, para quem este estudo “surpreendeu pelos resultados”.
Para Carlos Penha Gonçalves, os estudos serológicos “utilizados de forma estratégica e em alvos representativos da população” são, precisamente, as “ferramentas mais poderosas” que se conhecem para ajudar a perceber “como o vírus se transmite silenciosamente e como circula sem dar sinais da sua presença, infectando alguns mais que outros”.
Os resultados agora conhecidos, como aponta o investigador do IGC, reforçam a importância de conduzir estudos serológicos para a definição de medidas precisas de contenção e resposta à pandemia. Mais importante ainda sabendo-se hoje que só os testes serológicos permitem ter ideia da dimensão dos assintomáticos.
Não conhecer a dimensão real da transmissão do vírus nos últimos meses dificulta a elaboração de planos e projecções sobre novos surtos ou novos aumentos significativos de infecções.
O presidente da Câmara de Almeirim concorda. “Só podemos actuar estrategicamente se conhecermos a realidade da nossa população. A colaboração entre as diferentes estruturas é fundamental na resposta táctica e preventiva para minimizar os efeitos da actual pandemia”, reforçou Pedro Ribeiro.
O estudo revelou ainda que em cerca de um terço das pessoas que se encontravam em vigilância activa foram detectados anticorpos para o vírus, sem que tivesse sido previamente detectada infecção viral.
Os testes serológicos utilizados neste estudo foram desenvolvidos pelo consórcio liderado pelo Instituto Gulbenkian de Ciência, serology4COVID, que reuniu mais quatro institutos biomédicos portugueses – o Instituto de Tecnologia Química e Biológica António Xavier da Universidade Nova de Lisboa, o Instituto de Biologia Experimental e Tecnológica, o Instituto de Medicina Molecular João Lobo Antunes e o Centro de Estudos de Doenças Crónicas da NOVA Medical School da Universida- de Nova de Lisboa -, com apoio financeiro da Câmara Municipal de Oeiras, da Fundação Calouste Gulbenkian e da Sociedade Francisco Manuel dos Santos.
Autarca satisfeito com coordenador regional da resposta à covid-19
Em Abril, o primeiro-ministro, António Costa, designou cinco dos seus secretários de Estado para a coordenação da execução das medidas de combate à pandemia aos níveis local e regional. Pedro Ribeiro, que é também presidente da Comunidade Intermunicipal da Lezíria do Tejo, reconhece a importância deste papel e defende a existência de um secretário de Estado por cada uma das cinco regiões, porque “seria tudo muito mais fácil”.
Segundo a afirma, habitualmente há uma “falha enorme na articulação entre a administração central e o poder local”, bem como uma “falta de lógica” na organização dos organismos desconcentrados.
O autarca disse que a experiência com os secretários de Estado coordenadores, que vieram dar uma “voz de comando único”, deve prosseguir no futuro, com a criação de figuras próprias, já que não é viável a actual acumulação de funções.
Pedro Ribeiro considerou que faz sentido a existência de cinco secretários de Estado (um por NUT II, nomenclatura de unidade territorial que divide o continente português em cinco regiões), eventualmente dependentes da presidência do Conselho de Ministros, porque a presença na estrutura do Governo, com assento nas reuniões de secretários de Estado, permite resolver “problemas que são muitas vezes estruturais e complexos”.
Para o responsável, a presença de “elementos do Governo descentralizados pelo território”, assumido na região Centro por Duarte Cordeiro “melhorou bastante o desempenho, o nível de diálogo e, sobretudo, o grau de decisão”, permitindo “uma visão diferente sobre aquilo que é a importância de ter um governante mais próximo do território”.
Conselho de Ministros aprova regulamentação para aplicação de rastreio
O Governo nomeou, na passada semana, a Direcção-Geral da Saúde como responsável pelo tratamento dos dados pessoais usados na aplicação de rastreio de contactos ‘STAYAWAY COVID’.
O Conselho de Ministros aprovou o decreto-lei que regula a intervenção dos profissionais de saúde, que entregarão “um código ao cidadão para que se possa registar na aplicação”, afirmou a ministra da Presidência, Mariana Vieira da Silva.
A aplicação fica obrigada a “respeitar a legislação e a regulamentação sobre protecção de dados e sobre cibersegurança” e a Direcção-Geral da Saúde é a “responsável pelo tratamento de dados” para cumprir a legislação europeia e portuguesa de protecção de dados.
Mariana Vieira da Silva garantiu que a aplicação “garante a privacidade” dos cidadãos e que “apenas é registado um contacto próximo e de duração superior a 15 minutos” com alguém que esteja infectado com o novo coronavírus, que provoca a doença covid-19.
A ministra reforçou que é garantido o anonimato dos utilizadores e que cada cidadão é livre de descarregar ou não a aplicação, que “não substitui as regras de saúde pública” que têm sido seguidas no âmbito da pandemia, quer os inquéritos de saúde pública quer o levantamento de contactos no terreno.
A uma pessoa que tenha um teste positivo será dado um código por um profissional de saúde para introduzir no telemóvel. Através do sistema de comunicação sem os Bluetooth, os telemóveis que tenham a aplicação instalada reconhecem-se e enviam mensagens informando da proximidade de uma pessoa que tenha sido infectada, garantindo-se “todo o anonimato”, referiu a ministra. “Nem nomes nem locais são registados”, salientou.
A STAYAWAY COVID é uma aplicação voluntária que, através da proximidade física entre ‘smartphones’, permite rastrear de forma rápida e anónima as redes de contágio por covid-19, informando os utilizadores que estiveram, nos últimos 14 dias, no mesmo espaço de alguém infectado com o novo coronavírus. A aplicação foi desenvolvida pelo Instituto de Engenharia de Sistemas e Computadores, Tecnologia e Ciência (INESC TEC).
Rastreio de contactos ineficaz se testes demorarem
Por mais eficaz que seja o rastreio de contactos de pessoas doentes com covid-19, de pouco servirá para travar a disseminação da doença se os testes de diagnóstico não forem rápidos, segundo um estudo científico publicado na revista Lancet.
“Se o teste de diagnóstico à covid-19 demorar três ou mais dias depois de uma pessoa desenvolver sintomas, mesmo a estratégia mais eficaz de rastreio de contactos não conseguirá reduzir a transmissão do vírus”, afirmam os investigadores responsáveis pela investigação divulgada recentemente.
Se se conseguir testagem com resultados no prazo de 24 horas com rastreio de pelo menos 80 por cento dos contactos, o número médio de contactos infectados por uma pessoa (conhecido como R0) pode ser reduzido de 1,2 para 0,8, evitando 80 por cento das transmissões do novo coronavírus.
“Este estudo reforça as conclusões de outros, mostrando que o rastreio de contactos pode ser uma intervenção eficaz para evitar o contágio do vírus SARS-CoV-2, mas só com uma proporção alta de contactos e um processo rápido de testagem”.
Uma das principais conclusões é a de que “as aplicações para telemóvel podem permitir encontrar mais depressa pessoas que estejam potencialmente infectadas, mas se os testes demorarem três dias ou mais, mesmo esta tecnologia não conseguirá travar a transmissão do vírus”.
No rastreio de contactos, é preciso encontrar todas as pessoas que estiveram em contacto com uma pessoa infectada para poderem ser isoladas e assim impedir mais contágio. Para o rastreio ser eficaz, é preciso que a taxa de transmissão do vírus traduzida no R0 seja inferior a 01, ou seja, que o número de novas infecções provocadas por cada pessoa seja inferior a uma.
No estudo, o modelo matemático utilizado presume que cerca de 40 por cento da transmissão de vírus acontece antes de uma pessoa infectada mostrar sintomas de covid-19. Portanto, o rastreio de contactos só funciona e só consegue manter o R abaixo de 01 se as pessoas com covid-19 receberem o diagnóstico positivo no dia em que são testados, logo que desenvolvem sintomas. Sem nenhuma medida de mitigação de contágio, cada pessoa infectará uma média de 2,5 pessoas.
No entanto, só com o distanciamento físico, que reduz em 40% contactos próximos e 70% os contactos casuais, o número de pessoas infectadas por cada doente passa a 1,2. Os autores salientam que o modelo matemático que criaram não tem em conta a estrutura etária da população, o que pode influenciar a proporção de casos assintomáticos, mais comuns em crianças e jovens. O modelo também não tem em conta as infecções nos hospitais e outras instalações de saúde, como lares de idosos.