O investigador Bernardo Quintella justificou a escassez de lampreia no rio Tejo, que afeta pescadores e turismo, com a destruição de habitats, com a falta de água e com a construção de açudes e barragens.
“Nós achamos que um dos principais factores que contribuiu para haver menos lampreia, de uma forma geral em Portugal, mas também no rio Tejo, tem a ver com a redução sistemática do habitat, com a falta de água e com a construção de açudes e de barragens, que têm vindo a reduzir sistematicamente o habitat disponível para este tipo de espécies”, afirmou o cientista ligado ao Centro de Ciências do Mar e do Ambiente (MARE), tendo feito notar que “o pico de migração seria em março/abril” e que pouca lampreia se vê nos rios.
Em declarações à agência Lusa, este responsável, também docente da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, deixou ainda alguns dados relativos ao Tejo e adiantou que nos últimos 100 anos o rio perdeu entre 80% a 90% de ‘habitats’, sobretudo, por causa das barragens ou de açudes.
“No Tejo, estamos a falar de uma redução de habitat entre os 80% e os 90% (…) que estava disponível para a lampreia, há 100 anos, e que deixou de estar. É uma redução brutal, porque em vez de termos os animais espalhados ao longo do rio e dos seus afluentes, acabamos por ter os animais concentrados num troço muito mais curto e acabam por ficar mais suscetíveis a serem capturados por pescadores”, notou.
Bernardo Quintella disse que o rio Tejo tem ainda uma “agravante, que é a falta de água, tanto falta de água por causa dos transvases que acontecem em Espanha, como pelas alterações climáticas”, numa “conjugação de fatores” que acaba por ser “extremamente deletéria” para estas espécies.
“Aquilo que eu estou a dizer para a lampreia marinha também é verdade para o sável e também será verdade para a truta e para o salmão, nos rios mais a norte. Isto para falar apenas das espécies anádromas, que são aquelas que sobem os rios para se reproduzir. Como a lampreia e como o salmão, são aquelas que se reproduzem na água doce, depois têm uma fase de alimentação em ambiente marinho”, observou.
A escassez de lampreia no Tejo tem deixado os pescadores de mãos vazias e a atividade turística também se tem ressentido, com os municípios ribeirinhos de Mação e de Vila Nova da Barquinha a cancelarem os tradicionais festivais gastronómicos dedicados ao ciclóstomo.
Luís Grilo, pescador de Tramagal (Abrantes), com 67 anos e outros tantos ligados ao rio, assegura que nunca viu ano tão mau para a lampreia, não tendo conseguido apanhar nenhuma para a amostra.
“Não tenho memória de uma coisa assim. Já há muitos anos que não acontecia não apanhar nada e que não haja nenhuma lampreia praticamente no Tejo. Sempre houve muita lampreia, algumas vezes havia menos, mas sempre aparecia alguma, e agora não. Não aparece nada”, afirmou, tendo sugerido um ‘defeso’ com proibição de pesca “para ver se a lampreia recupera”.
Mais a montante do rio, em Ortiga (Mação), Francisco Pinto, pescador profissional há 35 anos, diz que este ano só apanhou duas lampreias e que foi abaixo do açude de Abrantes.
“Aqui à Ortiga não chega nada. Este ano foi mesmo bater no fundo e já desisti. Não há memória. Passei 17 noites à pesca da lampreia e não apanhei nada, só consegui duas e foi para baixo do açude. Este é o pior ano em 35 anos de pesca profissional”, lamentou, manifestando pouca expectativa que a lampreia recupere para o ano.
“São ciclos de sete anos, vamos ver”, atirou, num misto de dúvida e incerteza.
Para o Movimento Pelo Tejo – proTEJO, a falta de lampreia “deriva, em boa medida, da irregularidade dos caudais”, tendo reiterado a necessidade de “implementação de caudais ecológicos regulares contínuos e instantâneos no Tejo, medidos em metros cúbicos por segundo, respeitando a sazonalidade das estações”.
Afirmando estar preocupado com os impactos na fauna, flora e biodiversidade ribeirinha, Paulo Constantino salientou a importância da “preservação e salvaguarda dos ecossistemas para criar, regenerar, purificar, criar e reter água”, tendo defendido “medidas de prevenção e a envolvência do Governo nesta matéria para ser possível caminhar para um futuro mais verde, equilibrado e sustentável ambientalmente”.
Para Bernardo Quintella, a “flutuação no nível na água, que acontece porque não é um caudal ecológico, também pode ser muito problemática, sobretudo porque as lampreias têm uma fase do ciclo de vida, uma fase larvar, em que vivem enterradas no sedimento arenoso dos rios, durante um período que pode ir de quatro a seis anos”.
“Portanto, se elas por azar se enterram em áreas que periodicamente ficam sem água, isso pode causar mortalidades bastante significativas e isso é um problema que pode afetar particularmente o Tejo, porque no rio Tejo acontecem flutuações bastante significativas”, notou.
Tendo referido que o problema da lampreia “não é exclusivo do Tejo”, o investigador disse que “está a acontecer a mesma coisa este ano no rio Mondego e no rio Minho”.
“Está a ser uma redução que está a afetar transversalmente todos os rios portugueses”, afirmou, afastando, no entanto, um cenário de extinção.
“A lampreia em vias de extinção não diria, mas a lampreia pode muito rapidamente ficar numa situação em que deixa de ser rentável a sua exploração comercial, sobretudo no Tejo”, concluiu.