O filósofo e ensaísta José Gil alertou ontem, dia 2o de Novembro, em Abrantes, para o poder “hipnótico” da palavra e para a sua capacidade de capturar massas, um fenómeno que considera estar na origem de algumas das maiores ameaças às democracias contemporâneas.
Na conferência inaugural da 8.ª edição do Festival de Filosofia de Abrantes, dedicada ao tema “O poder da palavra: pensar, agir, transformar”, o pensador sublinhou que não é a lógica nem o conteúdo racional dos discursos que mais influenciam o debate público, mas a “força irracional e contagiante” da própria enunciação, intensificada nos ambientes políticos e mediáticos atuais.
José Gil, considerado um dos mais influentes filósofos portugueses contemporâneos — ensaísta, professor jubilado e autor de obras como Portugal, Hoje ou Acentos — foi o orador principal e homenageado desta edição, que decorre até sábado em Abrantes, num programa que inclui conferências, debates, oficinas e atividades para escolas.
“A palavra age antes de significar. Atua no corpo, produz efeitos de adesão, de repulsa, de encantamento. No espaço público, vemos palavras que se tornam ações, que mobilizam e dividem, que criam mundos”, afirmou José Gil na sua intervenção, de cerca de 30 minutos, perante uma centena de pessoas.
“É esta capacidade hipnótica da palavra que pode destruir a democracia se não formos capazes de a pensar criticamente”, declarou.
O filósofo alertou ainda para o papel das redes sociais como “máquinas de amplificação” que alteraram profundamente o poder da palavra no século XXI.
“O líder já não é apenas aquele que fala num púlpito. São milhões de utilizadores que, ao repetirem discursos de sedução, de ódio ou de medo, tornam a hipnose constante”, afirmou.
Para José Gil, o ambiente digital “fragiliza a democracia” ao criar “bolhas de adesão instantânea” onde o contraditório desaparece.
Em declarações à Lusa, reforçou a ideia de que a democracia só se sustenta “se a palavra recuperar o seu espaço de pensamento, debate e responsabilidade”.
“O que está em causa não é apenas o conteúdo, mas a energia que circula nas palavras. Sem educação crítica, essa energia pode ser devastadora”, disse.
O presidente da Câmara de Abrantes, Manuel Jorge Valamatos, destacou na sessão inaugural a presença do professor José Gil, ensaísta, filósofo e um dos grandes pensadores da atualidade, que ao longo da vida tem insistido no desafio de pensar e de fazer pensar.
“Num tempo em que o populismo se apresenta como defensor da razão e explora medos, ressentimentos e ódios, o poder das palavras torna-se ainda mais decisivo”, acrescentou.
O vereador da Cultura, por sua vez, em declarações à Lusa, disse que o festival permite “convocar toda a comunidade à reflexão crítica, envolvendo jovens e cidadãos de todas as idades”.
“Hoje celebramos o Dia Mundial da Filosofia e esta ideia de pensar, de tentar pensar numa praça aberta para agir e transformar é o modo verdadeiro do tema deste ano, tendo como bandeira o poder da palavra e a importância da palavra nos dias de fragmentação de princípios e de valores que vivemos hoje”, disse Luís Dias.
As conferências e debates têm entrada livre e decorrem na Biblioteca Municipal António Botto.
O festival encerra a 22 de Novembro, às 21h30, com o espetáculo “Mulheres Poema”, interpretado por Maria Caetano Villalobos e acompanhada por Rute Rocha Ferreira.
A programação completa pode ser consultada em bmab.cm-abrantes.pt
