O acolhimento dado pelos habitantes de Minde às equipas e artistas que há 10 anos realizam o Festival Materiais Diversos serviu de inspiração ao espectáculo que Lígia Soares e João Lucas vão estrear sábado, na vila.

“Jogo de Lençóis”, feito com a participação das pessoas da vila, nasceu do desafio lançado por Elisabete Paiva, directora artística do Festival Materiais Diversos (FMD), que decorre de hoje até 5 de Outubro em Minde, Alcanena e Cartaxo, à coreógrafa e dramaturga Lígia Soares, para algo que era novo para si, trabalhar por convite.

“Habitualmente no meu percurso não é assim”, disse a coreógrafa à Lusa, salientando ser “bom, positivo”, o “reconhecimento de algum trabalho que está adequado a uma vocação do festival”.

O convite foi o de trabalhar sobre os 10 anos do Festival Materiais Diversos e o acolhimento dado pelos habitantes de Minde a equipas e artistas em suas casas, envolvendo-se, desde que tudo começou, em 2009, com o então director Tiago Guedes, na logística que “sustentou” e permitiu que o FMD pudesse acontecer.

Na 10.ª edição do festival, Elisabete Paiva “sentiu que, nesta celebração, era preciso valorizar essa acção de acolher pessoas”, o que levou Lígia Soares a, num processo “relativamente curto”, entrevistar os mindericos, na sua maioria mulheres, levá-los a falar sobre essa experiência, “perceber o que sentiram ao fazer isso, o que podia ser melhor, pior”.

Deste contexto “foi resgatado” o conceito de hospitalidade, transformando essa realidade “numa questão conceptual mais livre”, para o mundo em geral.

“Estive na parte das entrevistas e, depois, a reflectir com o João [Lucas, compositor], foi perceber como tanto a palavra hospitalidade como depois o título que demos ao trabalho, ‘Jogo de Lençóis’, permitia imensas elaborações poéticas, metafóricas, de jogo, de performance, que nos levou depois a esta forma (…) que é uma proposta de acção feita pelo próprio público, acomodada por um texto e por música que vai tornar essa acção deles significativa”, disse.

Na sua segunda participação no FMD – a primeira foi em 2016 com a coreógrafa e bailarina Clara Andermatt, no espectáculo “A Banda” –, João Lucas envolveu-se numa criação que, por ser um convite feito por um festival com “características muito específicas, que suscita uma sensibilidade muito particular de aproximação expressiva”, é feita “para aqui, para este momento e para esta circunstância”, o que não invalida que a obra que daqui resultou possa ser proposta para outro lado.

Lígia Soares admitiu que o espectáculo, que tem quatro sessões agendadas (sábado e domingo, às 15:00 e às 16:00), na Casa da Memória, em Minde, possa vir a fazer sentido em espaços com lotações mais pequenas, interessados em experiências de performance ou teatro participativo.

Para João Lucas, peças como “Jogo de Lençóis” não são “uma experiência de espectador”, mas sim “de algo que aconteceu na vida das pessoas”.

“O teatro passa a ser também uma coisa de encontro, de produção de presença num determinado tempo, que transcende um pouco essa hierarquia, o que é o artista, ou tende a ultrapassar essa hierarquia”, afirmou.

Para Lígia Soares, “uma coisa boa é que as pessoas têm muito menos tempo, quando estão assim convocadas para o serviço do teatro, ou por falarem ou por fazerem uma acção, preocupam-se menos com a questão do ‘gosto, não gosto’, que às vezes é uma simplificação da sua experiência”.

“Aqui pode ter sido agradável ou desagradável, mas elas elaboram muito mais, têm muito mais coisas a dizer, muito mais que aquela coisa absoluta do consumidor cultural, ou da pessoa que se defende ou que se quer identificar. Há uma libertação também de ver o espectador com esse crivo ou gosta ou não gosta, essa opção não é tão clara quando se está ocupado a fazer qualquer coisa”, acrescentou.

Elisabete Paiva disse à Lusa que este espectáculo representa “um retorno em relação a uma dádiva”, que foi o acolhimento dado pelos mindericos, em suas casas, às equipas e artistas nos primeiros anos do festival.

O convite a artistas para trabalhos junto das comunidades, com um grande sentido ético, de respeito pelos testemunhos recolhidos, leva a que as pessoas se sintam “muito valorizadas”, salientou.

“E isso é outra dimensão, é dar-lhes voz, mas de uma forma que não é ilustrativa, que lhes dá outra dimensão, poética e social e política”, acrescentou.

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