Especial 130 anos do Jornal Correio do Ribatejo
Luís Stoffel é um caso sério de sucesso: começou o seu percurso na dança, com apenas quatro anos, no Grupo Académico e Infantil de Danças Ribatejanas de Santarém e, anos mais tarde, iniciou a sua formação em Dança na FMH – Faculdade de Motricidade Humana, na Companhia de Dança de Lisboa e na Universidade de Marly Le Roi em Paris.
“Os meus pais falaram com o Celestino Graça, na altura o director do Grupo Académico e comecei a praticar folclore. E foram 20 anos… gostei imenso, uma grande escola, uma aprendizagem enorme. Deu-me oportunidade de conhecer vários países de conviver com muita gente. A partir de uma certa idade, já comecei a dar valor àquilo que estava a disfrutar. Foi muito bom conhecer diferentes países, várias culturas, e conviver com colegas e outros elementos de outros grupos”, recorda.
Por essa altura, Luís Stoffel frequentava ginástica na Casa do Benfica e, com cerca de15 anos, começou a participar em vários concursos de dança: “na altura, era o chamado disco sound, que passava em várias discotecas. Foi outra boa experiência na dança, e a dança acompanhou-me sempre, até hoje”, confessa. Tanto que, actualmente, Luís Stoffel ainda realiza algumas formações na área.
“Tive, e tenho, uns pais que sempre me acompanharam, até hoje. Para mim, ou para qualquer jovem que queira seguir uma área, seja ela qual for, deverá ter sempre o apoio da família”, afirma, com emoção, acrescentando: “principalmente nas artes. É uma instabilidade, é uma montanha russa. Ora se está lá em cima, ora se está em baixo… E nós sabemos que perante a situação que estamos a viver, infelizmente, estamos todos num barco que ainda não se sabe onde vai parar mas, as artes, o espectáculo, estão a viver um drama muito grande. E claro, bate também à minha porta”, desabafa.
“Mas, ter pais, ter família, que apoiem os seus filhos nestas áreas é muito bom porque é meio caminho andado para que se sentirem bem e felizes”, acrescenta Luís Stoffel que tirou especialização em Paris, onde foi bolseiro.
“Depois disso”, recorda, “fiz a minha formação, recebi a carteira, e fui convidado para vir para Portimão, onde estive 18 anos a dar aulas, a coreografar. Coreografei vários espectáculos não só de dança, mas de teatro e moda”.
Depois de muitos anos de dedicação ao palco a dar aulas, formações e em espectáculos no Algarve e em todo o país, em 2012, decidiu dar uma volta de 180 graus na sua carreira e inicia a sua actividade profissional como aderecista “autodidacta” no Teatro Politeama.
“Fui um pouco à aventura, e tive sorte”, refere, acrescentando: “agarrei nas malas e fui para Lisboa. Ninguém me conhecia. Não tinha trabalho feito nesta área. Bati às portas dos teatros, dos figurinistas, fui a várias escolas de arte e espectáculo e, do princípio ao fim, durante três meses, o não foi diário”.
“Mas eu sou uma pessoa que não desiste e o meu foco era esse. Fui ao teatro Politeama, falei com a produtora e disseram-me que não precisavam de ninguém na área de adereços, mas se precisarmos entramos em contacto. Num dia, lembrei-me de ir falar com o João Rolo e levei um portfólio com várias fotografias de trabalhos que tinha feito na altura quando vivia em Portimão. Ele disse-me que o trabalho era bom, mas que não precisava. Disse-me que caso tivesse conhecimento de alguma coisa entraria em contacto comigo. Em Março o João Ligou a dizer “olha, vou fazer um trabalho com o Filipe La Féria, para a gala dos 45 anos da RTP no Coliseu, queres fazer?. Disse logo que sim. Eu queria era uma porta aberta. Até hoje não perco uma oportunidade. Se for viável eu aproveito sempre”, diz ao Correio do Ribatejo.
Depois dessa porta aberta, Luís Stoffel nunca mais parou: “O Filipe Lá Féria gostou imenso do meu trabalho e perguntou se queria fazer com ele o ‘My Fair Lady. E claro que disse que sim. E foi até hoje”, disse.
“Este tipo de trabalhos sempre me acompanhou desde criança. Desde miúdo, na escola básica, sempre fiz os trabalhos manuais e tinha muito jeito. Na altura, em Santarém, não havia nada nesta área”, contou.
“Como gosto muito de musicais, era eu que confeccionava toda a parte de figurinos e adereços. A chapelaria, surge na minha vida quase de um momento para o outro. Porque me foi requisitado por Filipe Lá Féria. E tem sido assim a minha experiência até agora, a fazer chapéus, a coleccionar e a expor também”, relata ao Correio do Ribatejo.
Luís tem trabalhado como Aderecista e “Millinery” em todas as produções de Filipe La Féria, assim como, com outros Encenadores, Figurinistas, Estilistas e também na área da Moda, tanto em produções editoriais como em desfiles, sendo reconhecido e destacado pela revista Vogue como o melhor Designer português na área da Chapelaria. Um dos seus trabalhos está nas mãos da conhecida cantora ‘Lady Gaga’.
“Quando o figurinista ou o estilista diz: “olha Luís tens toda a criatividade para fazer”, então, tenho que fazer a minha pesquisa, tenho que ter referências para fazer o trabalho. Há trabalhos que me saem de um momento para o outro, outros que vou fazendo e vou parando, e vou fazendo outros trabalhos para a criatividade me ir surgindo. Às vezes, queremos trabalhar, mas a criatividade não aparece. Não somos máquinas, somos pessoas. Por vezes, não é fácil que surja a criatividade quando ela é necessária. Quando há um trabalho com ‘timings’, aí, torna-se mais complicado porque temos que cumprir, e se a criatividade não existe então é trabalhar horas e horas, noite e dia para que as coisas aconteçam”, diz ao Correio do Ribatejo.
Segundo conta, o “segredo” do seu sucesso tem sido “muito trabalho”: “muitas vezes as pessoas não têm noção do trabalho, das horas de trabalho. Muita paixão e muito amor por aquilo que se está a fazer”.
O sucesso, em qualquer área, advém da dedicação e do muito trabalho: “as peças que mais gosto são as que são mais difíceis de executar, precisamente porque são desafiantes. Alguns levam muito tempo para serem feitos… podem levar dois dias, depende da minha vontade e criatividade”, conclui.
“Quando executo este trabalho é como estar a fazer filhos. E, para um pai, é difícil escolher o filho preferido. Em todos os espectáculos há peças lindas. Mas tenho uma peça que está comigo neste momento, porque pedi ao Filipe Lá Féria para mo oferecer, que foi usada pela Marina Mota no espectáculo Portugal à Gargalhada”, revela, reconhecendo que muitas das suas peças foram “grandes desafios”.
Quando lhe perguntamos se gostaria de ver as suas peças numa exposição mais permanente, Luís Stoffel é categórico: “gostava imenso e gostaria ainda mais que fosse em Santarém, num espaço que valorizasse as obras”.
Para já, está na calha um projecto conjunto com o Museu da Chapelaria, em São João da Madeira, o único da Península Ibérica dedicado ao fabrico do chapéu, que poderá passar a contar, no seu espólio, com cerca de uma dezena de peças doadas pelo artista.
“Gostaria ainda de poder concretizar varias coisas. Os artistas ou criadores procuram sempre mais. Ainda antes de acabar um trabalho, já estou a pensar noutro. Mas, neste momento, só quero que as coisas começam a melhorar. É tudo uma incógnita. Foi um ano difícil, particularmente para os artistas e criadores, mas, apesar de estar no mesmo barco, considero-me um pouco sortudo: não estou a receber subsídios do Estado mas tenho tido outras ajudas. Tenho colegas que estão a passar muito mal. Não gostaria de estar na posição dos ministros, especialmente no lugar da ministra da cultura, não é fácil ter que gerir tudo. Saber que há pessoas que precisam de grandes apoios e não os há, temos que ter esperança e fé. Acreditar que será melhor amanhã”, afirma, deixando um conselho: “importa não pensar num futuro longínquo, acreditar que próximo possamos todos estar a trabalhar, de uma forma ou de outra, mas temos de ter a mente ocupada”.
É o que tem feito Luís Stoffel, que, em casa, está sempre a trabalhar: “a meta é essa. Tenho materiais, vou tendo a cabeça ocupada, como se aquele trabalho fosse para entregar a alguém. Serve como terapia também”, conclui o criador.