A exposição comemorativa dos 75 anos de Mário Viegas foi inaugurada esta sexta-feira (dia 3), pelas 18h30, no Fórum Actor Mário Viegas do Centro Cultural Regional de Santarém. A mostra sobre o actor, encenador, “recitador e amante da poesia” de que foram exemplo os programas televisivos “Palavras Ditas” e “Palavras Vivas” e as inúmeras gravações, tendo ainda fundado três companhias de teatro e participado em mais de 15 filmes, está patente ao público, até 18 de Novembro, e pode ser visitada de segunda a sexta-feira, das 15 às 18 horas e aos sábados, entre as 10 e as 13 horas.
De seguida, teve lugar o jantar convívio ‘Viva Mário Viegas’, na Sociedade Recreativa Operária, seguido de uma conversa sobre o actor, com as participações de Maria do Céu Guerra, Hélia Viegas, Vicente Batalha, Jorge Custódio e Nuno Domingos, que começou a “desfiar memórias e a recordar histórias” e redor de Mário Viegas.
O vereador da Cultura da Câmara de Santarém recordou o dia em que Viegas recebeu do Município de Santarém o título de Scalabitano Ilustre: “no dia da cerimónia Mário Viegas apareceu uma hora antes e pediu para ficar para o fim porque quem ia usar da palavra sobre si, um tal de António Lopes Pereira, ainda não tinha chegado. Na recta final das homenagens ficou a saber-se que se tratava de António Mário Lopes Pereira Viegas, o próprio: “sou eu que vou falar sobre mim. Ninguém me conhece melhor do que eu, por isso, falo eu…”
Mário era um homem irreverente e coube à “irmã das confidências”, Hélia Viegas, continuar a desfiar as memórias do irmão: “Desde criança que ele compunha as suas histórias e as levava para férias, como nas termas de Monte Real onde criávamos espectáculos para as pessoas da pensão onde estávamos hospedados”, lembrou.
“Desde muito cedo” que Mário Viegas começou a ler, a “treinar a voz”. Era de opinião que “as pessoas deviam ler todos os dias o jornal, em voz alta, durante 15 minutos.”
“Fazia-o desde os quatro, cinco anos, aprendeu sozinho, foi relativamente fácil para ele”, notou a irmã, para quem a sua capacidade para ler poesia está bem expressa no livro que vai ser agora reeditado.
Trata-se da obra Mário Viegas – Auto-Photo Biografia (não autorizada) com pré-venda (75 euros) na página da Tradisom até sexta-feira, 10 de Novembro, data em que Mário Viegas completaria 75 anos.
Depois dessa data a pré-venda passará a ser feita nas plataformas da Fnac, Bertrand, Porto Editora, Wook, e outras livrarias, mas ao preço de 95,00 euros.
Neste livro, com 276 páginas e 4 CDS com gravações inéditas, duas delas quando tinha apenas nove anos, Mário Viegas cruza-se com grandes nomes da vida cultural portuguesa, como Adriano Correia de Oliveira, José Afonso e muitos outros, numa edição limitada a 1000 exemplares.
Jorge Custódio conviveu com Mário Viegas desde a escola primária. “O Mário na infância já era um génio, era um caso à parte”, afirmou.
Por morar paredes meias com a escola, Mário, sempre irreverente, “saltava o muro de casa para entrar na escola”, recordou o historiador.
Tinham uma “amizade sólida”, cimentada numa associação da cidade, que foi extinta pela polícia política – o Bar 4 – uma organização cultural composta por 16 jovens (14 homens e duas mulheres, entre as quais Hélia Viegas). Um grupo que se afirmava “de esquerda, em completa resistência à guerra colonial e que procurava influenciar outros jovens”, salientou Jorge Custódio.
Mário Viegas corria o país para falar dos seus autores preferidos, foi a Monte Redondo falar de Shakespeare por exemplo, mas também a Vale de Figueira, Alpiarça, fazer teatro.
“À nossa volta primava uma tensão muito forte e Santarém foi um ninho onde desabrochou o anti-fascismo de uma forma muito clara”, frisou o historiador.
Quando Mário Viegas saiu de Santarém já levava na sua bagagem a poesia e o teatro. Participava em festivais de poesia, onde interpretava Mário Cesariny de Vasconcelos, Fernando Pessoa, António Forte, poetas ditos nas sessões de poesia em que participava. Com Carlos Sousa Mário Viegas aprendeu a arte de dizer, tal como no Teatro Taborda do Círculo Cultural Scalabitano, um espaço cultural da cidade que fervilhava de actividade.
O desfiar das memórias e o contar de histórias prosseguiu com Vicente Batalha para quem Mário Viegas “é um génio completamente fora da caixa”. Conheceu-o depois de uma Comissão na Guiné.
“Uma noite apareceu-me em Pernes, num arraial e disse: “Temos de acabar com a festa para eu ir para o palco ler poesia. E fê-lo! Foi uma lição que eu aprendi”, partilhou Vicente Batalha, para quem Mário Viegas tinha a faceta de saber brincar com ele mesmo.
“Aprendi com o Mário que está nas nossas mãos mudar as coisas”, concluiu, passando a palavra a Maria do Céu Guerra para quem Mário Viegas foi “uma grande paixão enquanto artista”.
Conheceu esse “miúdo com grandes olhos” nos degraus de acesso aos camarins do Teatro Experimental de Cascais: “Perguntei-lhe: O que estás aqui a fazer? Vim falar com o Carlos Avilez – respondeu. Avilez viu nele “um feitio cómico muito bom”.
Corria o ano de 1968 e o Teatro Experimental de Cascais ensaiava a peça “O Comissário de Polícia”, de Gervásio Lobato, com encenação de Carlos Avilez. Do elenco, faziam parte Mirita Casimiro, Maria do Céu Guerra, João Vasco e Lia Gama, entre outros.
“Três meses depois estavam a fazer o “Comissário de Polícia” uma peça onde Viegas era um empregado de mesa que vendia groselha nas mesas. Ele tinha uma maneira especial de servir a groselha”, contou Maria do Céu Guerra, opinião partilhada por Raul Solnado que asssitia à peça e alvitrou: “vocês têm ali um grande actor!”, esse mesmo, “o da groselha!”
“Mário Viegas tinha paixão e trabalho e tinha-as de uma forma incendiária dentro de si”, partilhou a actriz.
Ele conhecia a poesia portuguesa de fio a pavio, era irreverente e “o mundo só avança com pessoas assim, que expõem ao ridículo aquilo que é ridículo e elogiam o que é de elogiar,” frisou Maria do Céu Guerra.
Foi ainda referida a sua passagem pela “tropa que odiava”.
“Era um herói frágil que tinha medo, só que o medo não o fazia recuar, fazia-o avançar”, sublinhou a actriz.
Céu Guerra elogiou a honestidade, o “ser generoso” do diseur e garantiu que ainda não encontrou um actor com quem se entendesse melhor. “Havia cumplicidade”, notou.
Sublinhando que Mário Viegas “não pedia grande subsídios para poder ter a sua independência”, Mária do Céu Guerra, a concluir, salientou a “religiosidade” de Mário Viegas, um lado de que não se fala muito e contou que o visitou na véspera do dia em que faleceu, tendo Mário Viegas confidenciado que estava a ter muitas visitas. “Interromperam-me tanto”, partilhou.
Santarém vai continuar a homenagear Mário Viegas. No final da tarde de 8 de Novembro (18h30) ‘Há Poesia …No Centro’ com “As palavras ditas de Mário Viegas”, no Fórum Actor Mário Viegas e no dia 9, às 21h30, a tertúlia Contos de Mário Gin Tónico, no Teatro Taborda do Círculo Cultural Scalabitano.
‘Novembro, Viegas e Santareno’ prossegue com uma homenagem a Mário Viegas intitulada ‘Ilustre Amigo do CCS’, no sábado, dia 11, às 17 horas, no Círculo Cultural.
Na sexta-feira, 17 de Novembro, às 18h30, o Bar Galeria do Teatro Sá da Bandeira vai servir de palco à apresentação do Livro ‘Bernardo Santareno | 100 anos, Percursos & Documentos’.
O mês dedicado a Mário Viegas e a Bernardo Santareno culmina com o estendal de poemas – Mário ‘O dizedor’, no dia 23 de Novembro, às 21h30, no Círculo Cultural Scalabitano, com a participação dos alunos do Curso de Artes do Espectáculo da Escola Secundária Ginestal Machado e com a peça ‘PIM!’, com encenação de Pedro Oliveira, a partir do Manifesto Anti-Dantas, de Almada Negreiros, no dia 30 de Novembro, às 21h30, na Sociedade Recreativa Operária. JPN